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TRADIÇÃO E CULTURA GUERREIRA
Dentro dos códigos marciais, sempre há um lutador ou guerreiro com uma superioridade técnica e grandeza interior tão distintas, que o tornam muito difícil de ser batido, mesmo por maior número de oponentes. Um guerreiro como esse dentro de uma armadura de quota de malha que o torna invulnerável nos pontos mais sensíveis, com a cabeça também protegida por um elmo de aço, um sólido escudo sustentado em um dos braços, na outra mão uma longa espada de duplo fio, sobre um grande cavalo europeu de floresta, era ainda muito mais difícil de ser combatido. Oitenta, cem, trezentos guerreiros como esse, lado a lado em linha cerrada, todos imbuídos de uma disciplina de monge, da vontade de entregar sua vida por algo maior, e de uma ferocidade em combate, cujo código de honra expressamente proibia que deixassem o campo de batalha se estivessem em proporção contrária menor do que um para sete, cinco para cem, e cem para dez mil, eram praticamente imbatíveis!
Essa é apenas uma vaga imagem do que era uma pequena unidade templária em batalha. Esses cavaleiros que todos os dias, ao nascer do sol, cravavam suas espadas no chão, simbolizando a união de céu e terra, e com o joelho direito em terra aguardavam o primeiro verde raio de sol para orar, pedindo a Deus que no dia que começava tivessem o que mereciam, nada mais, nada menos. Ao voltar-se diariamente para algo maior, os Templários ganhavam um poder que não era dado a outros soldados. Ao se ligar humildemente a um plano superior, os Templários promoviam a sua união horizontal, tornando-se irmãos que era o tratamento dispensado entre os cavaleiros do Templo , o que gerava a homogeneização daqueles cavaleiros que vinham de diferentes países, culturas e famílias, com formações e educações distintas.
Ao se tornarem irmãos, todos os cavaleiros Templários se defenderiam uns aos outros como ninguém no campo de batalha. Aqui se fecha o elo que torna a corrente indestrutível: a ligação de cada um ao Ideal Superior e, ao mesmo tempo, a ligação com aquele que ao final é quem luta e morre ao seu lado na batalha.
O Templo aceitava aspirantes independentemente de sua origem, nacionalidade ou raça. Porém, para aspirar à condição de cavaleiro, era necessário nobreza. No momento de ingresso, essa nobreza era aferida pela origem familiar do cavaleiro, mas no decorrer de sua permanência no Templo, o cavaleiro devia entender que nobreza não é uma característica, mas um estado, um espírito. No momento em que esse espírito da nobreza, vindo dos deuses, abandona o coração do guerreiro, ele se torna pedra, como o ouro que perde o seu espírito cósmico se torna um metal qualquer, ele deixa de ser nobre e passa a ser um homem comum. O homem nobre pensa nos outros e no Ideal antes do que em si mesmo, enquanto o homem comum só tem ações comuns e não pensa senão em si mesmo. Quando um cavaleiro Templário deixava de ter o coração nobre, devia deixar as fileiras da Ordem, pois esta não era composta por homens comuns!
A mesma humildade que os Templários cultivavam perante o mestre e o ideal transformava-se em altivez e orgulho perante seus inimigos. A vitória ou a morte eram os únicos destinos possíveis para um Templário, pois nunca eram mantidos prisioneiros pelo inimigo. A regra do Templo proibia que se pagasse resgate pelos prisioneiros. Os Templários nunca davam qualquer informação sobre suas posições, estratégias ou qualquer assunto militar ou esotérico da Ordem, nem mesmo sob tortura. Essas duas características, combinadas, os tornavam prisioneiros desinteressantes, o que levava os inimigos a executá-los sempre que conseguia prendê-los, o que não era tão freqüente.
Certa vez, nas primeiras décadas de existência do Templo, um cavaleiro foi feito prisioneiro. Seu captor de início não entendia por que a Ordem se negava a pagar resgate. Procurava afetar a mente do cavaleiro, dizendo-lhe que seus superiores não se importavam com ele e que o estavam condenando a uma morte horrível. Como não se manifestava, levaram-no para uma câmara de tortura a fim de extrair dele informações sobre a ordem que o traíra. Os mais terríveis castigos físicos lhe foram impostos, durante vários dias, sem que uma palavra sequer fosse extraída dos seus lábios. Os torturadores já não tinham mais imaginação para prosseguir, quando o cavaleiro começou a sussurrar alguma coisa com a pouca energia que lhe restava. O algoz se aproximou, curioso, para ouvi-lo repetir sua máxima até que a vida deixou seu corpo. Aquele episódio se alastrou, criando para os Templários a fama de guerreiros duros e de prisioneiros inúteis, duas razões para matá-los sempre que possível.
Foi muito raro observar ocasiões de combate em que se apresentassem mais de trezentos Templários juntos. Suas unidades de combate geralmente eram pequenas, algumas dezenas. Os cavaleiros Templários nunca transitavam sozinhos. Suas patrulhas eram sempre de dois homens, assim como em batalhas campais, para além da formação em linha de cavalaria, após a primeira carga, em que as linhas se desfaziam em meio ao inimigo, sempre havia duplas que se protegiam mutuamente dos ataques pelas costas, haja vista que em combates a cavalo as manobras de esquiva e contra-ataque para a retaguarda nem sempre são rápidas o suficiente. Muitas culturas guerreiras ao longo da história se utilizaram desse expediente em batalha, a exemplo dos dyas espartanos, e o conceito é válido até hoje, em exércitos e unidades policiais contemporâneas.
Outra semelhança dos Templários com os espartanos é que muitas vezes quando um aliado lhes pedia reforços, enviavam um único guerreiro, que além de valer por muitos no combate, ali estava para ensinar e liderar, mostrando-se de muita valia. A diferença entre um guerreiro e um simples soldado, é que enquanto este é recrutado, aquele é voluntário. O guerreiro sempre sabe por que está lutando, enquanto o soldado muitas vezes o ignora.
Os Templários não faziam treinamentos técnicos, pois a destreza nas técnicas de combate era um pressuposto para o ingresso na Ordem. Todo aquele que tinha ingresso concedido na Ordem já dominava, além das técnicas com a lança e a espada longa de duplo corte, também o uso da maça, do punhal e alguns cavaleiros o machado de duplo corte. Também era necessário o domínio das técnicas em que o próprio cavalo é utilizado como ferramenta de guerra, ao realizar movimentos no campo de batalha visando a atingir os adversários com seu lombo ou com as patas mãos e pés do animal.
Havia também na Ordem cavaleiros geralmente originários do oriente, chamados turcópolos que conformavam unidades ligeiras, com cavalos de estepe, menores e mais ágeis e rápidos do que os cavalos de floresta europeus, armados com cimitarras, mas sendo especialistas arqueiros que disparavam a galope. O que se acrescentava, portanto, à técnica de cada cavaleiro eram aspectos táticos, estratégicos e mágicos, o que lhes ampliava exponencialmente a eficácia e a eficiência bélica.
A Regra tinha previsões claras sobre como se devia dar uma carga de cavalaria, bem como o reagrupamento e acampamento, o que demonstra o alto grau de organização militar e disciplina para observância das ordens em batalha. Enquanto outras unidades de cavalaria, ao fazer carga, se assemelhavam a jogar sementes sobre uma janela, isto é, primeiro chega uma, depois mais algumas e em seguida de um só golpe todas as demais, os Templários mantinham a unidade de suas linhas, atingindo a frente de batalha do inimigo como um só corpo. Só iniciavam o galope quando a menos de cinqüenta metros das linhas inimigas. A punição para qualquer cavaleiro que fizesse carga sozinho, desobedecendo ao seu superior era severa: faria o resto da batalha sem montaria, como soldado de infantaria, o que era a maior humilhação possível para um cavaleiro, pior do que a própria morte. O reagrupamento dos Templários também se realizava com disciplina admirável, o que lhes outorgava uma condição muito superior à de qualquer outra força militar da época. Quando um estandarte caía, deviam reagrupar-se perto de outro estandarte templário ou, na falta deste, de outra ordem de cavalaria, preferencialmente dos Hospitalários, com quem tinham excelente e fraterno relacionamento.
Não foram poucas as vezes, durante as cruzadas, em que a disciplina dos Cavaleiros do Templo, a permitir velocidade e organização na reação contra um ataque inimigo, salvou os cruzados de derrotas retumbantes para os sarracenos.
A Regra dos Templários não permitia que pagassem resgate por aqueles que eram feitos prisioneiros, o que ocasionava, geralmente, sua execução, quando caíam em mãos do inimigo. Em uma das vitórias obtidas por Saladino contra os cruzados, ele resolveu libertar todos os prisioneiros, mostrando compaixão, qualidade pela qual ficou historicamente conhecido. Mas essa compaixão não se estendeu aos prisioneiros Templários, que foram prontamente executados, haja vista que o sultão, como grande estrategista que era, sabia quão renhidos em combate eram aqueles homens para se permitir ter de enfrentá-los novamente.
Geralmente, quando sofriam um revés no campo de batalha, as baixas dos Templários eram enormes, uma vez que não se deixavam prender com vida, nem abandonavam a luta. Seu código de honra proibia que um cavaleiro se afastasse de sua posição mesmo que estivesse ferido e se por acaso ocorrer dos cristãos serem derrotados, que Deus os receba! assim dizia a Regra. Há vários relatos históricos de que o Templo, durante o século XII, era um corpo compacto e muito coeso, caracterizado por uma disciplina férrea. Em 1188, quando Saladino sitiava a cidade de Darbsák, o historiador sarraceno escreveu impressionado seu relato de como os Templários da guarnição que defendia a cidade fecharam uma brecha que se abriu na muralha usando o próprio corpo imóveis como uma muralha, tão logo caía um cavaleiro entrava outro em seu lugar.
No final do século XIII, o Rei da França tomara emprestadas da Ordem vultosas quantias. O Tesouro Real ficava na fortaleza do Templo em Paris, o que tornava a França muito dependente dos Templários. O rei Felipe IV inicia então uma forte campanha contra o Templo, imputando-lhe crimes e condutas vis que jamais se comprovaram e conseguindo que o Papa iniciasse um processo de investigação.
Em 1307, o Grão-mestre do Templo, Jacques de Molay, estava em Paris para o enterro de Catarina de Courtenay, cunhada de Felipe IV tendo sido inclusive um dos que carregou seu caixão. No dia seguinte ao funeral, 13 de outubro de 1307, foi preso a mando do rei da França. Um dia depois, foi emanada ordem de prisão contra todos os Templários e seus bens foram seqüestrados.
Até mesmo o Papa, subserviente a Felipe IV, indignou-se com a forma das prisões e escreveu-lhe indignado, mas os interesses do rei eram outros, pouco lhe importavam as objeções do Papa. O processo passou para as mãos da Inquisição, cujo líder era o confessor do Rei Felipe IV. A Inquisição se caracterizou pela possibilidade de prisão e seqüestro de bens antes mesmo de qualquer acusação formal, valendo-se os acusadores de quaisquer meios para provar as acusações iniciais que levaram à prisão, inclusive a tortura.
Pouco mais de um mês depois das prisões, o Papa Clemente V voltou atrás em sua postura inicial e ordenou a prisão de todos os Templários, na Europa e no Oriente. Felipe tornou público o processo, com o fim de denegrir a imagem da Ordem. As acusações eram: negação de Cristo, idolatria, recusa dos sacramentos, absolvição por leigos, enriquecimento da ordem por todos os meios, prática de magia, costumes obscenos e sodomia.
Mesmo com o expediente da tortura, nenhuma confissão foi extraída, baseando-se então as acusações em depoimentos de alguns sargentos e serventes, sem qualquer coerência, em que afirmavam terem visto alguma coisa estranha em cerimônias às quais não tinham acesso.
Era de se pressupor que, como em qualquer outra organização, no Templo também houvesse círculos de acesso, sendo os mais internos reservados a membros mais afeitos às práticas da ordem e de consciência mais desenvolvida. Se a magia foi efetivamente trabalhada em um núcleo dentro da organização templária, adquirida a partir de conhecimentos secretos, ou não conhecidos fora da ordem ou nos seus círculos mais externos, não foi fruto senão de uma constante e inflexível disciplina interior, como parte de um processo de evolução espiritual.
Os Templários de fato não adoravam a imagem do Cristo crucificado em que este aparecia com expressão triste e sofredora, por entenderem que não refletia a conduta do fundador da sua religião. É fácil entender tal comportamento. Se para simples cavaleiros a dor, a prisão pelo inimigo, com torturas cruéis, não levava a renegar a sua fé, a fornecer informações militares relevantes para o inimigo, seria inconcebível que o filho de Deus, o enviado do céu para guiar os homens, sucumbisse e fraquejasse diante da dor física. Preferiam então o Cristo Rei dos Reis.
Alguns meses após a prisão de Jacques de Molay, noticiou-se sua confissão de todas as acusações que lhe eram imputadas e à Ordem. Se foi uma confissão legítima, obtida mediante tortura lembrando que soldados desse nível não sucumbiriam facilmente a esse expediente ou totalmente forjadas pelos acusadores, é difícil precisar. O que é fato é que quando diante da fogueira se solicitou ao Grão-Mestre que confirmasse sua confissão ele a negou, preferindo as chamas, tendo inclusive praguejado contra seus captores e acusadores: A vida me foi oferecida, mas pelo preço da infâmia. Por esse preço, a vida não vale a pena ser vivida. Tal conduta não condiz com quem confessa, espontaneamente ou por tortura.
Já nos dias atuais, foi encontrado nos arquivos secretos do Vaticano um pergaminho até então desconhecido, nomeado pelos historiadores Pergaminho de Chinon que demonstra que o Papa os havia inocentado de todas as acusações, proibindo sua prisão, interrogatório e execução.
Tal pergaminho jamais chegou a público na época, e, em 10 de maio de 1310, foram levados à fogueira cinqüenta e quatro Templários, incluindo o Grão-Mestre.
Em 1312, o Papa lançou a bula Vox in excelso, que extinguia oficialmente a Ordem dos Templários, transferindo todos os seus bens para a Ordem dos Hospitalários.
Por que morrer por um punhado de idéias, poderiam perguntar-se alguns. Os Templários não morreram por dinheiro ou por uma ideologia, mas sim por princípios muito claros para o valente e muito distantes e ininteligíveis para o covarde. Morreram pelo ideal guerreiro, guardado no mais interno de sua alma, e que não pode ser mudado ou extraído nem com a mais pérfida tortura ou com a morte mais dolorosa, morreram pela honra, morreram para que hoje, quase sete séculos depois, esta possa ser resgatada como valor primordial para a construção de um mundo novo e melhor!
Mesmo depois da extinção formal da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, muitos ainda continuaram a acreditar na sua continuidade secreta. Não há nada que corrobore cientificamente essa tese. Mas o simples fato de os Templários ainda despertarem tanto interesse, de seus ideais ainda se prorrogarem no tempo, de ainda se querer imitar sua conduta moral, já atesta a sua imortalidade. O código pelo qual viveram e pelo qual morreram é um código conhecido, é um código marcial de honra e disciplina. Mudam as armas, mudam os trajes, mudam as palavras, mas não muda o ideal: travar uma constante luta interior, para o crescimento na vida espiritual. Transcender os limites da matéria, do corpo físico, e voltar-se para dentro, para aquilo que há de divino dentro de cada um. Encontrar o ouro alquímico da transmutação que se passa no coração do guerreiro. É isso que buscavam os cavaleiros do Templo. É isso que buscaram os guerreiros de diferentes lugares e de diferentes tempos e templos. É isso que busca o guerreiro de hoje!