Olhando para um e para outro que contavam as experiências sobre o santo, Leila lembra de quando era criança (e nem faz tanto tempo assim) e ouvia as criadas da família já exaltarem "São Geraldo" e invocarem seu auxilio nas mais diversas situações. Se uma criança caísse doente, se a massa do pão empelotasse, se algumas moedas se perdessem, para muitas coisas as senhoras tão elementares e porém tão sábias do povo se apegavam ao dito "santo" e murmuravam seu nome num ingênuo misto de santidade e pecado, como se fosse a coisa mais natural do mundo se apegar a alguém que transmitia tanta paz e bondade e como se fosse sacrilégio falar alto demais e mostrar a devoção perante um entendido da igreja. Leila, atenta a tudo oque se conversa, porém calada, lembra do semblante das velhas senhoras que nada escondiam na presença das crianças, como se as crianças fossem cúmplices de suas marotices espirituais... Era como se lá no céu estivesse tudo certinho e bem dividido e fosse muito natural chamar o tal senhor Geraldo de santo, mas ao mesmo tempo fosse tudo muito complicado de explicar para os entendidos da religião. Era um paradoxo muito divertido aos olhos da menininha de tranças loiras que acostumada ao ambiente dos doces e das delicias da cozinha conhecia das histórias do santo e já guardava no seu coração uma devoção que veio junto com o colo quente das criadas, seus gritos, murmurios, cheiros... A sensação de estar protegida sob a mesa com os dedinhos e rosto envoltos em qualquer manjar suculento, acolhida num mundo simples em que o carinho era palpável e degustável e portanto verdadeiro, trazia a certeza da santidade de São Geraldo e de suas manifestações simples e cotidianas junto daquelas mulheres do povo tão simples, palpáveis, verdadeiras.
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