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Malo Mori Quam Foedari (Antes a Morte que a Desonra)

--Gwereg
[Em Gwened (Vannes)]


A carta tinha sido finalmente entregue, já nada prendia Gwereg a Vannes nem a Bernardo, apesar de aquele ainda definhar dentro do mosteiro, submetido aos desadequados tratamentos daqueles monges supersticiosos.
Tinham passado semanas desde que saíra de Broceliande e a ausência da pacatez do seu lar começava a afecta-lo, o bretão não gostava nada de Vannes nem das suas pessoas, achava-as arrogantes e desconhecedoras do verdadeiro significado da vida e do que as rodeava.
"Eles olham mas não vêm", pensou ele em mais um passeio pelo mercado, Gwereg gostava de observar tudo em seu redor e tentar percebe-las, mas ali era impossível, era demasiado movimento, demasiado barulho e, acima de tudo, demasiada indiferença. "Não é este o meu lugar, se não fosse... aquilo... já teria partido há muitas luas", "aquilo" era o que ainda atormentava Gwereg, ele escondeu-o dentro da camisa... era uma coisa rara e valiosa, pudera muitos nobres ou cavaleiros ter algo de tal valor e por isso mantinha-a oculta. O bretão levava a mão ao peito com frequência, na ânsia de verificar se "aquilo" ainda lá estava.

Naquele dia dirigiu-se às docas, estavam a construir um barco novo e ele gostava de escutar os sons do mar e das gaivotas, algo que não havia em Broceliande e provavelmente nunca mais viria quando para lá voltasse. Os tufos de cabelo castanho do bretão eram um remoinho desordenado pelo vento e a barba deixara-a crescer, dava-lhe um ar temeroso, muito útil numa cidade grande e perigosa como Vannes. Sentou-se em cima de um caixote e observou os trabalhos na doca seca, entre os trabalhadores pareceu-lhe ver alguns dos guardas que acompanharam o senhor a quem entregara a carta, estavam a vistoriar os trabalhos daquilo que parecia ser mais um navio de guerra. O bretão desvalorizou tal constatação, assuntos náuticos era algo que não estava nos seus interesses embora gostasse de observar tudo, desde a forma como o esqueleto do barco era montada à colocação das tábuas exteriores e à sua "colagem" com uma espécie de cola resinosa. Aquele barco em particular já estava a ser construído há alguns dias, já tinha o esqueleto montado e os trabalhadores debruçavam-se agora nos trabalhos interiores, provavelmente a divisão do porão em camarotes para passageiros e também armazéns para guardar a comida e o material de guerra.
Entre berros cheios de brejeirices e guinchos de gaivotas o bretão levou a mão mais uma vez ao peito, olhou em redor a ver se havia alguém por perto, não detectou qualquer movimento suspeito, e decidiu retirar "aquilo" de dentro da camisa. Era um livro, o aspecto pisado da capa e as frágeis folhas de pergaminho do seu interior indicavam que era algo antigo... e valioso, na pele amassada pelo uso e pelo tempo lia-se "Priodas Llywelyn ap Gruffudd a Elinor de Montfort". Bernardo tinha-lhe roubado o livro quando viajaram em direcção a Vannes e Gwereg sabia o porquê daquilo, ele passou os dedos pelas frágeis páginas e folheou-as com cuidado, foram surgindo iluminuras e textos numa língua que não era nem bretão nem francês, a dada altura estancou numa imagem colorida que representava um casamento, entre os escudos presentes estava aquele que chamara a atenção de Bernardo, o mesmo que esvoaçava ao vento nas bandeiras dos guardas do barco.


- Leon arc'hant ar Moñforzh...

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Ana.cat
[Fougères (Felger)]


Naquela madrugada Ana Catarina acordara ao som das trombetas de guerra. Tinham passado oito dias desde o início do cerco mas nunca até aí tinham existido confrontos directos entre os sitiados e os invasores, aquele som ensurdecedor vinha decididamente pôr fim à expectativa dos soldados e da população presa entre as muralhas de Felger.
A condessa ergueu-se quase de um salto do sítio onde dormia e abriu uma janela, lá fora soldados corriam pelas ruas mal preparados para uma batalha e com as armas nas mãos, se não fosse a expressão das suas caras ou as palavras de ordem que eram rugidas pelos oficiais Ana diria que estaria a ocorrer um assalto à cidade, mas não, aqueles soldados dirigiam-se às muralhas entre risos e festejos, aquilo levava-a a crer que o auxílio vindo de Rennes tinha finalmente chegado.
Então a Monforte saiu da janela e procurou pelas suas roupas de viagem, roupas práticas para montar e combater, sem saias nem sedas, uns calções de lã simples, uma camisola do mesmo material e umas botas altas de couro.


- Ó da guarda! Ó da guarda! - gritou ela à procura dos seus guardas assim que saiu do anexo.

Os guardas chegaram minutos depois com um semblante ensonado e confuso por encontrarem a condessa assim vestida.


- Tragam a minha cota de malha e coloquem as vossas, vamos lá para fora ajudar na batalha, se ela chegar a ocorrer - anunciou enquanto procurava a sua espada.

Desta vez os guardas não demoraram tanto tempo, chegaram com a protecção de Ana e as suas já colocadas mas ainda a pender desajeitadamente. Com a ajuda daqueles a Monforte colocou a protecção de tronco e por cima vestiu um tabardo simples com as suas cores e armas, sobre ele afivelou o cinto e a espada.

- Vossa Graça, não seria mais seguro usardes uma couraça? As cotas de malha são leves, mas também são penetráveis... - aconselhou-a um dos guardas.

Ela, que aguardava que eles se despachassem para sair à rua, e já estava a perder a paciência pela demora, olhou o guarda com um olhar penetrante e resmungou-lhe:


- Acha que vamos combater a cavalo no meio da cidade e entre milhares de soldados a pé? Com estas protecções teremos mais agilidade que uma armadura completa nos providenciaria... mas deixe-se de conversas e vá-me mas é buscar um escudo de couro que esteja a mais nas nossas carroças.

Assim que todos se mostraram prontos a Monforte tomou a vanguarda e ordenou-lhes que a seguissem até às muralhas, o seu grupo não era composto por mais de dez soldados, mas estavam bem armados e experimentados na guerra e isso poderia fazer a diferença entre centenas, quiçá, milhares de camponeses, artesãos e burqueses mal preparados a quem lhes fora entregue uma arma. Ana sabia que se eventualmente a batalha corresse mal aqueles seriam os primeiros a abandonar os seus postos e a fugir em debandada para algum esconderijo. Quando chegou ao dude da muralha sul (depois de alguns encontrões e ameaças aos soldados que lhe apareciam na escada estreita) Ana pôde finalmente vislumbrar o que estava a acontecer, o acampamento francês estava encurralado entre as muralhas de Felger e uma enorme hoste bretã, a contar pelas diferentes bandeiras era provável que ali estivessem dois exércitos distintos, da Ost Norzh e da Ost Kornôg. A batalha já se tinha iniciado e os franceses/mercenários não estavam a parecer aguentar as incessantes investidas da cavalaria bretã, aos poucos foram-se encostando às muralhas mas isso ainda era pior, os defensores não tinham cerimónias e atiravam-lhes todo o tipo de coisas, desde que tivesse dimensão suficiente para ser arremessado.

- Porque não investimos contra eles? Eles quebrariam logo! - comentou um dos guardas.

Ana Catarina assistia absorta à batalha mas respondeu ao soldado sem o fitar.


- Se abríssemos os portões eles refugiavam-se aqui, ainda são muitos para que os possamos enfrentar de igual para igual, além disso, ainda não estão suficientemente assustados - apontou na direcção de uma coluna francesa - Aqueles ainda estão a resistir aos ataques, julgo que assim que os partam as portas se abrirão para a estocada final.

A batalha prolongou-se pela manhã fora, mais tempo do que a Monforte estivera à espera, mas a sua leitura concretizou-se, assim que as colunas francesas fraquejaram o corno de guerra soou e as portas foram abertas. Ana estava entre a multidão acompanhada pelos seus guardas, não foi preciso caminhar muito tempo na direcção da retaguarda francesa, ela mesma tomou a iniciativa de vir ter com eles, deviam achar que tinham mais hipóteses contra esfomeados soldados e populaça da cidade a pé que contra a cavalaria pesada da hoste bretã.

- Kentoc’h mervel eget bezañ saotret!* - gritaram mais ou menos em uníssono os bretões enquanto caiam sobre as tropas francesas que lhes roubara a liberdade por apenas oito dias, mesmo assim o suficiente para sentirem o seu orgulho ferido.
[Antes a morte que a desonra!]

Ana não teve a sorte de puder escolher os adversários como ocorrera em Poitiers e em Limosin et La Marche, mas mesmo assim não fugiu deles. O primeiro parecera-lhe pelas vestes um mercenário, a sua pele bronzeada e rosto duro coberto por uma espessa barba castanha indicavam uma provável proveniência itálica, atacara-a com uma maça repleta de picos afiados. A Monforte teve que se proteger atrás do escudo e aguentar os seus golpes, cava vez mais fracos e espaçados antes de lhe cravar a Dente-de-Leão pelo estômago num golpe de baixo para cima. Seguiram-se ainda mais três ou quatro adversários que com alguma ou pouca dificuldade Ana se conseguiu livrar. Ao início da tarde já a batalha estava terminada, sobrando apenas alguns prisioneiros que se tinham rendido. Apesar da vitória Ana percebeu que os festejos eram contidos, não demorou a perceber que o general daquela força francesa, o visconde Namaycush Salmo Salar havia fugido quando a batalha começava a virar em seu desfavor. A condessa não se importou muito com isso, era um assunto para a diplomacia bretã e não para si. Já tinha cumprido o seu papel ali, lutara pela sua pele e pela cidade que a hospedara nos últimos dias, era tudo o que poderia fazer.
Entre a sua guarda ninguém morreu mas haviam alguns feridos, felizmente todos ligeiros com cortes superficiais nos membros superiores.

Enquanto se procedia à pilhagem dos corpos e ao seu empilhamento Ana Catarina dispensou a guarda e dirigiu-se a uma ermida ali perto para rezar pelos seus pecados em batalha, e por lá ficou até a noite chegar. Não chegou a comer nesse dia, só o voltaria a fazer até à alvorada do dia seguinte como auto-penitência.

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--Gwereg
[Em Gwened (Vannes)]


Entretanto em Vannes os dias corriam na velocidade característica das grandes e movimentadas cidades.
Gwereg estava encostado a uns sacos de trigo que lhe providenciavam um encosto bem jeitoso no porto bretão. Dali podia assistir aos avanços na construção do enorme barco de guerra que há dias ocupava uma das docas secas.
Os últimos dias tinham dado ao navio um aspecto mais digno dessa designação, o casco estava completo, as tábuas do porão tinham sido colocadas há poucos dias e naquela tarde os carpinteiros dedicavam-se ao levantamento dos mastros, tarefa bem delicada pois requeria muita força e coordenação além de destreza e habilidade.
Para se distrair de tais trabalhos que se prolongavam até noite habitualmente, Gwereg relia o seu livro sobre Llywelyn ap Gruffudd e Elinor de Montfort. Na última página do livro porém constavam as seguintes entrelinhas numa língua que Gwereg não dominava totalmente, apesar de virem assinadas com a letra do seu pai, mas que adivinhou ser galês.


Quote:


    1: Llywelyn II ap Gruffudd (1223 - 1282), Tywysog Cymru, noddwr y diriogaeth ac arwr yn y rhyfel yn erbyn y Prydeinig briod â Elinor de Montfort, merch Dywysoges Eleanor o Loegr a Iarll Caer. Nid oedd yn fyw i weld ei ferch a anwyd Gwenllian ap Gruffudd. Lladd yn ystod y amddiffyn Cymru yn erbyn y goresgynwyr Saesneg.

    1: Elinor de Montfort (1252 - 1282), Tywysoges Cymru a merch ieuengaf y Dywysoges Eleanor Lloegr a Simon de Montfort, Iarll Caer. Bu farw ar ôl genedigaeth Gwenllian ap Gruffudd.

    2: Gwenllian ap Gruffudd (1282 - 1337), unig ferch Tywysog Cymru, ei fam farw wrth roi genedigaeth iddi. Ei dad farw cyn iddo gael ei eni ac felly cymerwyd i Brydain, lle bu farw yno anhysbys ac yn gadael gyda disgyniad Bedwyr Prydderch cymedrol, yn Gymro alltud sydd gyda hi.

    2: Bedwyr Prydderch (1258 - 1312), Cymraeg alltud ym Mhrydain, yn briod Gwenllian ap Gruffudd, Tywysoges Cymru.

    3: Alwyn ap Gruffudd (1301 - 1316), mab hynaf Gwenllian ap Gruffudd a Bedwyr Prydderch, farw o dwymyn yn 15 oed, gadael dim disgynyddion.

    3: Glenys ap Gruffudd (1304 - 1342), merch ieuengaf o Gwenllian ap Gruffudd a Bedwyr Prydderch. Briod Maël Berc'hed, ail fab i fasnachwr Paol Berc'hed, masnachwr Llydaweg. Gadawodd ddisgynyddion.

    (...)

    8: Yann Berc'hed (1408 - 1449), bardd, yn gorwedd yn Broceliande. Gadawodd ddisgynyddion.

    9: Gwereg Berc'hed (1432 - ... ), fab naturiol i Yann Berc'hed.



      Ychwanegiad diweddaraf: Yann Berc'hed


1: Llywelyn ap Gruffudd II (1223-1282), Príncipe de Gales, protector de Gales, heroi na guerra contra os ingleses, casado com Eleanor de Montfort, a filha da princesa Leonor de Inglaterra e do conde de Chester. Ele não viveu para ver sua única filha nascer. Morto durante a defesa de Gales contra os invasores ingleses.

1: Eleanor de Montfort (1252-1282), princesa de Gales, filha mais nova de Eleanor, Princesa de Inglaterra, e de Simon de Montfort, Conde de Chester. Faleceu ao dar à luz Gwenllian ap Gruffudd.

2: Gwenllian ap Gruffudd (1282-1337), filha única do príncipe de Gales, sua mãe morreu ao da-la à luz dela. Seu pai morreu antes de ela nascer por isso foi levada incógnita para a Bretanha, onde ele morreu lá e teve descendência com Prydderch Bedwyr, exilado galês que a acompanhou.

2: Bedwyr Prydderch (1258-1312), exilado galês, casou com Gwenllian ap Gruffudd, Princesa de Gales.

3: Alwyn ap Gruffudd (1301-1316), filho mais velho de Gwenllian ap Gruffudd e Prydderch Bedwyr, morreu de febres aos 15 anos. Não deixou descendentes.

3: Glenys ap Gruffudd (1304-1342), filha mais nova de Gruffudd ap Gwenllian e Prydderch Bedwyr. Casou com Maël Berc'hed, segundo filho de Paol Berc'hed, mercador bretão. Deixou descendentes.

(...)

8: Yann Berc'hed (1408-1449), bardo, encontra-se em Broceliande. Deixou descendentes.

9: Gwereg Berc'hed (1432 - ...), filho natural de Yann Berc'hed.



Último acréscimo: Yann Berc'hed



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Ana.cat
[Dias depois, entre Rennes (Roazhon) e Rieux (Reoz)]


Dias tinham passado e com eles também o inesperado enredo que encontram em Felger. Da guarda da condessa ninguém ficara ferido, é certo, mas nem tudo eram rosas. Apesar da vitória das tropas bretãs e da expulsão dos desafortunados franceses e seus mercenários o medo ainda era uma constante naquelas terras verdes.
Se é verdade que toda a guerra é vivida com medo o que se poderá dizer de uma trégua frágil e em constantes sobressalto? Ninguém era inocente ao ponto de acreditar que à aquela vitória, por mais importante que fosse, se fossem seguir infindáveis anos de paz e harmonia. A realidade daquela gente não era essa, a guerra e a incerteza faziam parte das suas vidas da mesma forma que as quatro estações do ano.

A estrada húmida das últimas chuvas de Janeiro serpenteavam à sua frente sem fim, Ana Catarina não seguia à frente do grupo, ia mais atrás sem que estivesse propriamente na sua cauda. A paisagem sempre monótona encheram-na de sonolência e não demorou muito até adormecer em cima do cavalo. E sonhou, sonhou com cavaleiros armados e ornamentados especificamente para um torneio de justas. Os paquifes exuberantes esvoaçavam-lhes sobre os ombros e as costas, os timbres grandes e coloridos sobre os elmos representavam as suas Casas ou lealdades, assim como a sua heráldica própria. Ana assistia a tudo no meio do terreno sem que ninguém aparentasse vê-la. Ela esbracejou e perguntou a gritar sobre o que estava ali a fazer, mas ninguém a ouviu, pois naquele exacto momento apresentavam-se dois cavaleiros em corrida. O primeiro trajava de forma orgulhosa e galante um tabardo vermelho vivo com um leão branco de Montfort a rugir no centro. Sobre seu o elmo apresentava esse mesmo elemento heráldico mas saiante e a segurar com uma das patas um escudo branco composto por cinco escudetes azuis cravejados de besantes brancos, no entanto não foi isso que chamou a atenção da condessa, mas sim a coroa que completava o elmo do cavaleiro, uma coroa real? Que significaria aquilo? Ana tentou espreitar pela viseira do cavaleiro na tentativa de o reconhecer, mas antes que tal sucedesse um arauto abanou uma bandeirola e o duelante vermelho investiu contra o seu opositor num ataque cheio de brio. A condessa virou a sua atenção para o outro cavaleiro, ele estava totalmente trajado de negro, até o seu aço era esmaltado nessa cor... e o seu cavalo... um garanhão negro como ébano pejado de fúria nos olhos. A Monforte só teve tempo de se esquivar do inevitável embate, a audiência silenciou-se para explodir em seguida num misto de aplausos para o vencedor e apupos desiludidos com a prestação do vencido. A condessa assistira a tudo como se eles tivessem passado por cima dela sem que no entanto algum mal lhe tenha sido feito. O cavaleiro vermelho colocara o escudo colado ao lado esquerdo do coração, como é prática consagrada nas regras de justas, para assim poder deter melhor a lança adversária. No entanto, contrariando todas as convenções, o cavaleiro negro não fez pontaria ao escudo (que como se sabe é onde se pontua neste tipo de desporto), mas sim ao ventre do cavaleiro do leão. Aquele não teve tempo de se esquivar e foi atirado ao chão com violência. Ana ficou ali entre os dois sem saber para onde olhar ou o que fazer mas então uma invasão de campo por parte de escudeiros e mestres nas artes curativas tomaram a sua atenção, vinham em auxílio do cavaleiro do leão. Ajudaram-no a sentar-se e retiraram a sua armadura, sangrava abundantemente na barriga, o local onde fora atingido pela lança, mas não só aí. Quando lhe retiraram o elmo outra ferida evidenciou-se na sua têmpora direita, provavelmente provocada pelo impacto da queda. Os assistentes levaram toda a sua atenção para a ferida na cabeça, apesar de ser o outro ferimento que parecia estar a retirar-lhe as forças vitais tal a quantidade de sangue que ensopava o tabardo.

"Não!", quis gritar, "Não é esse golpe que o está a afligir, esso é só uma escoriação!", as palavras pareciam não ser ouvidas, mas então ela olhou com mais atenção para a face do cavaleiro. Por momentos parou de respirar devido à surpresa, era ela que estava ali enfiada dentro da armadura. Só agora percebia que era ela, o sangue e as distorções no rosto provocadas pela queda impediram-na de se reconhecer a si própria... que quereria aquilo significar?
Antes que pudesse pensar nalguma justificação razoável para aquela situação medonha, um riso profundo e grotesco ecoou na arena, calando-a de imediato. Ana deu meia volta para procurar a origem da gargalhada sinistra. Era o cavaleiro negro que erguia a viseira do elmo e ria. E pela primeira vez a Monforte foi encarada directamente como se aquele cavaleiro soubesse da sua presença. Por apenas um segundo ela visualizou as suas feições descarnadas e inumanas. E então acordou.

- Ankou! - gritou sobressaltada, quase caindo do cavalo. Levou a mão à testa e achou-a pingada de suor, muito embora o tempo ainda fosse de inverno.

Os guardas miraram-na confusos, mas mais confusa estava ela.


- Ankou... - repetiu perdida - Onde estamos? - aquele local não lhe era familiar e o facto de os guardas estarem parados a conferenciar num circulo ainda era mais estranho, ela olhou o líder da guarda à espera da resposta.

Ela tardou a chegar, mas antes de chegar ela já sabia do que se tratava. Estavam perdidos. A estrada larga que deixaram em Rennes parecia um carreiro de cabras, estavam completamente rodeados por uma floresta densa que lhe dava um ar sombrio e misterioso. Ana arrependeu-se na hora por não ter procurado outro guia. Aquele que a conduzira na ida para Felger recusara-se a acompanha-los na vinda, provavelmente achou que as emoções da viagem para lá tinham sido demais e prezava mais a vida que o ouro.


- Estávamos a seguir o mapa vossa graça - disse-lhe o guarda com os olhos enfiados no mapa que arranjaram em Fougéres - Mas ele não deve estar completamente correcto, senão por esta hora estaríamos às portas de Rieux e no entanto...

- Estamos aqui, perdidos - concluiu Ana por ele num tom cansado enquanto mirava o céu - E a noite cai... onde iremos pernoitar? Já pensaram nisso? - ela não estava com paciência para discussões, muito menos depois daquele pesadelo.

- Vossa graça - disse outro guarda que se encontrava ao lado do primeiro a ver também o mapa com um ar de quem lia hieróglifos - O mapa está mal desenhado, não foi nossa culpa... se tivéssemos encontrado um guia...

Ana sentiu uma pontada de raiva a subir-lhe pelo pescoço. "Ele culpa-me por isto. Por não ter dobrado a oferta inicial ao guia". A condessa tentou acalmar-se, seria sucinta perante aquela acusação subentendida.

- Tratem sim de encontrar um abrigo para esta noite, ou a falta de guia será o menor dos vossos problemas...
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--Gwereg
[Em Gwened (Vannes)]


O forte odor a chochenn e suor sufocava Gwereg e tornava o ar denso e pesado. No entanto a alegria ali era contagiante, o bretão encontrava-se numa taverna frequentada por marinheiros e outras más companhias dos bairros mais pobres de Vannes. Mas o bretão dedilhava prazeiroso num alaúde emprestado algumas músicas tradicionais locais e nos intervalos lá sugava umas boas quantidades daquela sidra de má qualidade. Gwereg estava naturalmente embriagado, já perdera a conta à quantidade de canecas que aqueles marinheiros lhe pagaram pela música que fazia brotar do seu instrumento de cordas.

- Ar re all kanaouenn!!* - vociferou um marinheiro gordo e cuja cara coberta de espessa e grossa barba lhe ocultava as feições do rosto.
[Outra canção!!]

Gwereg já não estava em condições para distinguir aquele marinheiro de uma foca mas pegou no alaúde e dedicou-lhe uma música que poderia ser endereçada a todos os marinheiros presentes. Entre acordes pouco conseguidos, soluços, brindes e muitos gritos toda a tasca cantou os "Tri Martolod" em uníssono, afinal, aquela melodia era uma espécie de hino aos lobos do mar da Bretanha, relatava as aventuras de três jovens marinheiros em terras recém-descobertas.

Tri... *hic* martolod yaouank tra la la la digatra
Tri martolod yaouank... *hic* o vonet da veajiñ
O vonet da veajiñ ge, o vonet da veajiñ

Gant ‘n avel bet kaset tra la la la digatra
Gant ‘n avel *hic*... bet kaset betek an Douar-Nevez
Betek an Douar-Nevez ge, betek an Douar-Nevez *hic*...

E-kichen Meilh-ar-Wern tra la la la digatra
E-kichen *hic*... Meilh-ar-Wern o deus moulhet o eorioù
O deus mouilhet o eorioù ge, o deus mouilhet o *hic*... eorioù

Hag *hic*... e-barzh ar veilh-se tra la la la digatra
Hag e-barzh ar veilh-se e oa ur servijourez
E oa ur servijouirez ge, e *(arroto)* oa ur servijourez

Hag e c’houlenn ganin *hic*... tra la la la digatra
Hag e *hic*... c’houlenn ganin pelec’h hor boa konesañs
Pelec’h hor boa konesañs ge, pelec’h hor boa *hic*... konesañs

E Naoned er marc’had tra la la la digatra
E Naoned er *hic*... marc’had hor boa choazet ur walenn
En Naoned er marc'had on-oa choajet ur walenn


Três jovens marinheiros tra la la
Três jovens marinheiros indo viajar
Indo viajar, indo viajar

O vento os empurrou.. la la la
O vento os empurrou até Terra-Nova
Até Terra Nova, até Terra Nova

Ao lado da pedra do moinho la la la
Ao lado da pedra do moinho eles ancoraram
Eles ancoraram, eles ancoraram

E neste moinho la la la
E neste moinho tinha uma serva
Onde nós nos conhecemos, onde nós nos conhecemos

Em Nantes no mercado la la la
Em Nantes no mercado escolhemos uma aliança
Em Nantes no mercado escolhemos uma aliança


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Ana.cat
[Entre Rennes (Roazhon) e Rieux (Reoz)]


O primeiro abrigo encontrado não era nada mais que uma fenda larga na qual mal cabiam duas pessoas em pé. Ana Catarina refugiou-se dentro dela e cobriu-se de peles que lhe amaciavam o chão e a cabeceira. Os guardas permaneceram à entrada da fenda em redor de uma fogueira de gravetos com os cavalos por perto.
Da Monforte só se viam os olhos entre as largas camadas de peles, estavam em finais de Janeiro e as neves não cessavam de cair formando montes por toda a parte, transfigurando aquela paisagem estranha. Estavam perdidos algures num bosque que de acordo com as cartas (que já os haviam enganado antes, diga-se) identificavam como sendo a lendária floresta de Broceliande. Quando um dos guardas lhe disse isso Ana desatara a rir na sua cara incrédula, mas na verdade não era dele que a condessa ria, mas da ideia que lhe assolou à cabeça quando soube onde estavam perdidos (e que estranha composição de palavras esta!). Como filha de família fidalga que era obviamente que ela lera todos os romances de cavalaria que a biblioteca do senhor Dom Simão Pedro de Ourém lhe providenciava. Dizia-se então que era ali em Broceliande que vivia o mago Merlin, personagem de relevo nas Sagas Arturianas. Por momentos Ana perguntou-se, caso tivesse a sorte de encontrar o mago de longas barbas brancas, se este lhe poderia dar indicações para encontrarem o caminho de volta a Rieux. Ideia absurda claro, mas a nossa razão não se faz só de pensamentos inteligentes, até a mais astuciosa mente tem destas folgas.
No seu cómodo nicho de peles Ana parecia dormir, no entanto era naquele estranho sonho em que meditava. Que quereria aquilo dizer? As justas encontrara-as a serem organizadas à saída de Rennes por uma conhecida Viscondessa bretã. A coroa real no seu elmo estaria ligada às origens da sua família? Isso fazia-lhe sentido, afinal a par da coroa estava também trajada com as armas ancestrais dos Monforte. No entanto era o Ankou equipado de cavaleiro que a fazia tremer.


- Não é Ankou, é a Criatura sem Nome! - repetiu para si na tentativa de se auto-convencer a não repetir aquela barbaridade.

Ankou é uma figura da mitologia e crenças da Bretanha, o equivalente à Criatura sem Nome no dogma Aristotélico. Referir a figura de Ankou ou qualquer outra figura celta-bretã era heresia.
Veio-lhe então à memória uma antiga história de infância, aos anos que ela tinha sucedido Ana já não tinha a certeza do que realmente se tinha passado ou o que era fruto da sua imaginação. Recordou-se com pouco mais de sete ou oito anos, estava dentro das ruínas de uma ermida localizada numa área arborizada próxima do castelo. Tinham tomado conhecimento da notícia do assassinato do seu pai e tio recentemente, toda a vila estava em luto pela morte do seu herdeiro e a pequena Ana não era excepção apesar de não ter com ele um contacto muito próximo. Ela era nova mas sabia perfeitamente que não eram só os negócios que levavam o senhor Simão Carlos a ir a Alcácer do Sal com tanta frequência, casos amorosos e filhos reconhecidos fora do casamento era coisa que seguramente não lhe eram estranhos. Apesar da sua figura parental sempre ter sido o velho avô ela gostava do seu pai como qualquer filha gosta.
Dentro da ermida arruinada a jovem fitava os restos do altar, os seus olhos estavam repletos de raiva e angustia, ela pegou num pau e começou aos pontapés a tudo o que se apresentava à sua frente, altar, imagens de santos e arcanjos, nada escapou à sua fúria. A religião nunca fora sagrada para ela, de longe preferia as lendas e histórias dos antigos celtas que as enfastiantes histórias repetidamente pregadas todos os domingos na Igreja. Mas isso mudou em pouco tempo, de alguma forma o seu avô teve conhecimento do seu comportamento dentro da ermida e a jovem levou a maior sova e descompostura que nem a guerra de Crato chegou aos calcanhares. Lembrava-se de mal se conseguir sentar tal a quantidade de nódoas negras e inchaço, não só aí como também na cara, mãos e até pés (no entanto estes foram provocados pelos pontapés e não pelas punições).
A partir daí as suas saídas do castelo foram restringidas, quando as fazia saia sempre acompanhada de alguma aia coscuvilheira, mas pior que isso eram os sermões que era forçada a escutar todos os fins de tardes pelo padre da vila. Anos mais tarde, já com doze primaveras bem passadas fora enviada para o Seminário de Viana do Castelo para aí completar a sua catequização e virar diaconiza. Foram anos de uma certa lavagem cerebral que agora ela via interromperem-se com o retorno de Ankou e de todas as lembranças de infância que aquilo lhe trazia, dos verdadeiros anos de infância, os felizes pelo menos.


- Arre! Amanhã temos que bater o terreno e procurar algum caminho que nos leve à estrada principal, a uma aldeia ou pelo menos a um sítio qualquer mais abrigado que este! - queixou-se um dos guardas, quebrando o silêncio que até aí se verificava e acordado a Monforte da sua meditação.
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--Gwereg
[Gwened (Vannes)]


Sentado e encostado a uma parede de uma taverna frequentada maioritariamente por marinheiros estava Gwereg. O bretão dedilhava o alaúde emprestado na tasca e entre acordes observava o movimento do arsenal, todos os dias barcos iam e vinham, principalmente oriundos do golfo da Gasconha. Vinham carregados de mantimentos para saciar uma população empobrecida pela guerra e produtos de luxo para satisfazer as necessidades mais excêntricas dos grandes senhores da Bretanha. De todos os lados marinheiros riam, bebiam, conversavam num idioma estranho que poderia bem ser uma língua comum das gentes daquele ofício. Vindo de uma esquina à sua direita um jogral de rua dançava no meio da calçada grosseira com uma flauta nas mãos, os marinheiros riam dele e pediram-lhe para tocar uma música. O artista levou a flauta à boca e parou de dançar, dando sentimento à melodia melancólica e triste que criava a partir dos seus dedos. Apesar dela não lhe ser endereçada, Gwereg não deixou de sentir a música em si, ela relembrava-o de Broceliande, de tudo o que deixara para trás para acompanhar Bernardo aos seus. Apesar de ter concluído a viajem o bretão decidira ficar mais algum tempo em Vannes, mesmo odiando a cidade e toda a confusão que a envolvia. Havia algo que faltava fazer antes de voltar definitivamente para o seu refúgio.
O bardo desviou o olhar do jogral que pelos vistos não satisfizera convenientemente os exigentes marinheiros para o mar. O mar é querido por qualquer bretão, é a sua fronteira e uma muralha, o único local por onde não podem ser invadidos pelos franceses. Entre os navios ancorados distinguiam-se vários comerciais mas também de guerra, estava lá o orgulho da marinha bretã e defensor do porto. Era comandado pelo próprio almirante bretão e bem perto dele outro navio bastante semelhante àquele (mas mais novo) estava a ser carregado com bens e animais. Era o navio que estivera a ser construído havia tanto tempo nas docas secas do arsenal, o "Arminho" estava agora concluído e pronto a zarpar, mas faltava algo ou alguém.... Gwereg sabia quem.


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Ana.cat
[Broceliande, entre Rennes (Roazhon) e Rieux (Reoz) / Vannes (Gwened)]


- Não me atrevo a entrar! É coisa da Criatura sem Nome, ouve o que te digo! - avisava um dos guardas a outro que se encontrava alguns passos à sua frente.

O primeiro soldado tinha partido de madrugada para bater o terreno e regressara ao final da manhã com novidades, tinha encontrado um refúgio aparentemente abandonado, no entanto assim que o começara a explorar considerou que era usado por alguma espécie de feiticeiro, tal a quantidade de ervas secas, livros e unguentos que se encontravam dentro da cavidade. Apesar destes receios ele conduziu-os lá por insistência da condessa.
À chegada Ana Catarina quase nem dera pelo refúgio não fosse a sua porta semi-destruída pelo tempo e animais. No entanto esse parecia ser o único sinal de abandono, já que no seu interior era possível encontrar vários bens que atestavam o contrário. A Monforte entrou já o refúgio tinha sido revirado pelos guardas, na busca infrutífera por um mago malévolo imaginário. Apesar de ela não acreditar naquelas histórias mal-contadas a verdade é que o interior do refúgio era tudo menos acolhedor.


- Devíamos queimar esta papelada, é heresia, estamos rodeados por ela aqui, isto é um local de adoração da Criatura! Vossa graça, deixe-me queimar isto, por Aristóteles e seus discípulos! - suplicou-lhe o guarda a apontar para um monte de livros poeirentos.

- Está doido? - perguntou incrédula - Sabe quanto custa um livro? Alguma vez leu algum sequer? Você invoca Aristóteles para justificar o querer do vosso acto, mas ignora que o profeta era ele mesmo um pensador, e um pensador procura o saber, o conhecimento da sua existência - indicou para os livros - Acredito que estes livros contenham muito desse saber, portanto deixe-se dessas vistas quadradas e carregue estes livros, vamos leva-los. Servirão melhor em Ourém que neste local decrépito e abandona... - não chegou a concluir o seu pensamento.

- Vossa graça! - exclamou uma voz entusiasmada, provavelmente a primeira nesse dia que ouvia naquele tom - Veja o que encontrei! - o guarda, o mais novo, correu na sua direcção com um pedaço de papel amarelado cujas bordas bolorentas teriam servido de petisco a algum insecto ou roedor - É um mapa! - os seus olhos brilhavam intensamente.

Ana então percebeu, não era alegria que mais se podia detectar do jovem guarda, mas alivio, a percepção de que afinal não estavam perdidos para o mundo. A condessa tomou o mapa nas suas mãos e analisou-o, as letras eram pouco nítidas mas havia uma cruz em torno de um ponto que no entender do guarda era aquele local. Dali a Monforte pode perceber que afinal não estavam assim tão longe da estrada que ligava a Rieux, pelo contrário, a margem do Loire localizava-se a poucas horas a cavalo daquele sítio.


- Comam qualquer coisa e preparem as coisas - disse apontando para os livros - Partimos no final desta manhã, quero rever o Loire antes do pôr do sol!

    * * *

Vannes parecia-lhes sorrir à chegada, a neve finalmente dera tréguas e o sol espreitava prazeiroso entre as nuvens, não estava calor mas aquele tempo ameno era ouro sobre azul para Ana Catarina. Após dois dias de caminho duro ela e a sua escolta chegavam finalmente à maior cidade portuária da Bretanha. Era estranho, depois de tanto tempo e peripécias, voltar como se nada tivesse sucedido. Parecia ter-se passado uma eternidade desde aquele dia em que tivera uma conversa mais séria com Eudóxio a respeito do seu comportamento impróprio. Como estaria o primo? E o seu irmão Bernardo? Teria este recuperado a tempo de poder embarcar? E falando em embarcar, estaria o Arminho concluído? Eram demasiadas questões, e a condessa tinha poucas respostas à maioria delas.
Então ela lembrou-se do seu marido, havia bastante tempo que, estranhamente, não pensava nele. Teria Filipe recuperado da ferida do ombro? Da última vez que o vira estava algo febril, embora isso não lhe retirasse a... vivacidade, essa pudera-a comprovar por ela própria na véspera da partida... e um rubor apoderou-se das suas faces ao pensar naquilo, nesse aspecto apesar da idade ainda se sentia uma donzela tola. E isso fê-la lembrar a forma como conhecera o marido e como em pouco tempo ficaram prometidos um ao outro... por pressão do seu padrinho Leomion, claro está. Apesar de inicialmente mal o conhecer a sua gentileza e carinho cedo a levaram a confiar nele. Se era verdadeiro amor ou uma grande amizade a condessa não saberia dizer, não conhecera nenhum outro homem antes de Filipe e por isso não tinha ninguém com quem comparar..., se tal fosse possível.


- Para o porto, tenho que ver o Arminho com os meus próprios olhos... - disse então.
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--Gwereg
[Gwened (Vannes)]


O tempo estava ventoso e o céu cinzento a ameaçar chuva, mas nem por isso Gwereg deixava de ali estar ao frio. Finalmente tinha chegado a altura porque tanto esperara. Para o Arminho e para o Lusitano já se encaminhavam fileiras de soldados trajados de tabardos vermelhos da cor dos estandartes que adejava ao vento no mastro principal dos navios, alguns desses soldados estavam feridos ou amputados e por isso apoiavam-se noutros mais saudáveis para subir as inclinadas rampas. Em todos eles era possível perceber o seu alivio pelo fim da guerra e retorno a casa mas também algum sofrimento pelo que deixaram para trás e não só, também pelos perigos que os esperavam no alto mar. Naquela altura do ano as marés era mais violentas e os ventos difíceis de interpretar, os naufrágios não eram estranhos a ninguém e a pirataria muito menos.
Gwereg apiedou-se daquelas almas e levou os dedos às cordas do alaúde, retirando dele uma melodia triste que conjugava bem com o sentimento daquele momento.




Atrás dos soldados estavam empilhados alguns barris cobertos por panos pretos, cada um com um elmo usado sobre o pano. Gwereg percebeu de imediato o conteúdo daquelas urnas improvisadas, como em todas as guerras nem todos chegam a ver o seu fim, muitos morrem pela causa, aqueles bravos que lutaram pela liberdade de um povo que não era o seu mereciam aquele último gesto de quem os conduziu à morte, seriam provavelmente sepultados na sua terra natal como deveria ser o seu último desejo.
À volta dos barris reuniam-se várias pessoas, marinheiros cabisbaixos, alguns soldados, mas também fidalgos. Estes últimos reuniam-se maioritariamente de um barril específico e diferente dos outros. Era de maiores dimensões e o pano colocado por cima dele era um estandarte vermelho igual ao que fora içado nos mastros dos dois navios. Assim que colocou os olhos no barril e percebeu as formas do estandarte uma sensação amarga tomou conta do bretão, soube quem ali estava e isso entristeceu-o, como se toda a sua jornada tivesse sido em vão, mas ainda havia esperança, pensava ele.
Gwereg guardou o alaúde e levantou-se, caminhou na direcção dos fidalgos, na tentativa de perceber melhor o que se estava a passar, mas quando atravessava a rua um cavalo negro como ébano quase o atropelou vindo de uma esquina sombria. Sobre ele estava uma mulher loura de meia idade com um rosto duro que lhe endereçou um olhar penetrante, como que a censura-lo pelo acto impensado. O bretão reconhecera-a de imediato, era ela! Gwereg tentou articular alguma palavra em português mas parecia que tudo o que aprendera sobre a língua nos últimos tempos, não só com Bernardo mas também com os marinheiros daqueles navios que frequentavam as tavernas junto ao porto, perdera-se. Não conseguiu dizer nada e ainda foi afastado rudemente com a vara de um estandarte por um dos guardas que a seguiam logo atrás.


- Sai da frente mendigo! Deixai passar sua Senhoria! - vociferou ele com maus modos.

O bretão recuou e ficou parado a observar as cenas seguintes com curiosidade e esperança de conseguir chegar à fala com a mulher, o que se mostrava ser o mais difícil.


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Ana.cat
Ao longe já era possível distinguir as velas dos navios ancorados no porto. Montada num enorme cavalo andaluz da criação do próprio Grão-Duque e oferecido por este mesmo em agradecimento à condessa pelo auxilio prestado na guerra, Ana Catarina percorria as ruas daquela parte da cidade a grande velocidade, não se tratava de uma competição, mas o fulgor do novo cavalo estimulava-a a exigir-lhe mais e mais, nunca tinha montado um animal com aquele porte e velocidade e sentia-se verdadeiramente uma criança a descobrir um brinquedo novo.
Apesar desta excitação involuntária a tristeza abalava-a, nem mesmo a carta que recebera do seu filho vinda do Porto a alegrava como com certeza alegraria noutra altura. Quando entrara em Vannes dirigira-se logo para a estalagem onde todos estavam instalados, aí recebera a carta e soubera da triste notícia. Não esperou dois segundos e partiu com uma pequena escolta para o porto onde o Arminho estava imponentemente ancorado e a ser carregado, a partida estava para breve, assim que o mar amainasse.
A condessa seguia à cabeça da escolta, visto que nenhum dos cavalos dos seus seguidores conseguia igualar a velocidade de Arzhur (eis o nome de tão digno equino), mas quando estava a dobrar uma esquina um rapaz maltrapilho com barbas desgrenhadas por fazer de há vários colocou-se à sua frente e por pouco não foi pisoteado pelo feroz andaluz. O descuido do rapaz podia-lhe ter custado caro e se o humor de Ana Catarina já não estava de recomendar com aquele incidente não ficou melhor. Endereçou ao jovem um olhar mal-disposto e retomou a sua marcha sem lhe dirigir um segundo vislumbre.
Parou diante de um aglomerado de pessoas, reconheceu a maioria delas como sendo seus familiares e acompanhantes de jornada, pelo cais junto ao Arminho estavam dispersos vários barris cobertos por um pano negro, só um desses barris apresentava um pano diferente. Foi para esse que a condessa se encaminhou cabisbaixa assim que desmontou e ofereceu as rédeas a um criado. Ninguém lhe dirigiu a palavra mas em todos era visível a consternação no olhar, perder um amigo, como fora o caso de Bluemouse em Poitiers, fora duro, mas perder um familiar era uma dor indescritível. É uma mágoa que queima por dentro e não tem remédio fácil, só mesmo o tempo poderia esfriar essa dor, mesmo que nunca a possa apagar por completo pois o vazio é eterno. Ficam as memórias e os bons momentos partilhados.
Ana Catarina aproximou-se mais do barril, à sua volta as pessoas cediam-lhe espaço para poder passar. Colocou a mão esquerda sobre o tampo e fechou os olhos, na sua mente reviu a imagem determinada e obstinada de Bernardo. Era uma injustiça que um jovem tão promissor e dedicado partisse deste mundo sem poder deixar uma marca maior nele, pensou ela. Os dedos da condessa recolheram-se lentamente sobre o pano até fazer um punho, era a raiva e frustração condensadas num único gesto. Não se atreveu a chorar, sabia que a sua família esperava firmeza da sua parte e iria cumprir essas expectativas nem que fosse necessário arrancar os seus próprios olhos à colherada.


- Eudóxio Amaury... - chamou sem se virar para encarar o primo, assim que sentiu o Faro Monforte junto a si continuou - Lembrai-vos das nossas últimas palavras? Peço-vos que façais o necessário para cumprir o vosso prometido, engrandece a memória de vosso irmão e elevai bem alto a honra dos vossos nomes. Temidos ou amados, não importa... o importante é que o bom-nome dos nossos ancestrais seja perpetuada mesmo depois da nossa morte.

A Monforte direccionou lentamente o olhar do tampo do barril para Eudóxio, sem grande expressão no olhar ou no rosto a Monforte esperou por uma resposta do primo. Eudóxio era herdeiro do seu irmão e competia-lhe pelo seu direito natural e dos homens ocupar o lugar de Bernardo e todas as responsabilidades a isso inerente.
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Eudoxio


O anunciar de uma má notícia cuja inevitabilidade já fora ditada é, de certa forma, um libertar de uma incessante agonia resultante de uma dolorosa espera pelo terrível e cruel inevitável, mas - não nos enganemos - não é por essa razão que é mais fácil ou menos duro.

A morte de Bernardo afectara todos - claro - e era já a segunda baixa que sofriam em terras bretãs, mas, mais do que poderia custar a qualquer outro, custava bastante a Eudóxio, seu irmão, que convivera com ele toda a vida, desde a nascença até àquelas paragens em território estrangeiro, passando
por diversas adversidades da vida em todo aquele percurso... Estavam ligados não só pela convivência e amizade, mas também pelo sangue.

- Eudóxio Amaury... - Eudóxio foi arrancado daquele transe em que se encontrava ao ouvir a matriarca da família a chamar por si e, avançando lentamente, quase que se arrastando pelo chão como um fantasma, foi em seu encontro.

- Lembrai-vos das nossas últimas palavras? Peço-vos que façais o necessário para cumprir o vosso prometido, engrandece a memória de vosso irmão e elevai bem alto a honra dos vossos nomes. Temidos ou amados, não importa... o importante é que o bom-nome dos nossos ancestrais seja perpetuada mesmo depois da nossa morte.

Como se poderia ter ele esquecido? Eudóxio era agora empurrado para a posição onde nunca sonhara estar, pelo menos tão cedo... Era forçado a ser quem não queria ser: o representante dos Faro Monforte. Não só não queria, como não estava preparado. Todo aquele peso da responsabilidade que agora suportava era demais para ele, mas aceitava-o, não só porque era sua obrigação, mas porque o devia ao seu irmão e, como dissera a matriarca Monforte, devia preservar e engrandecer a memória de Bernardo, assim como a de todos os seus ancestrais. E tudo isso começava já por cumprir o prometido, pois um Monforte cumpre sempre a sua palavra.

- A minha palavra está dada e não voltará atrás. Resta-me apenas esforçar-me o mais que me for possível por honrar o meu irmão e os nossos antepassados e mostrar-me um justo merecedor do apelido que sustento no meu nome. - falou devagar e sem retirar os olhos do chão, não queria que reparassem nas lágrimas que tentava conter, mas que acabavam por lhe percorrer o rosto. Levantou depois o olhar e fitou a Condessa de Ourém, esboçou um triste sorriso e afastou-se, perdido novamente nos seus pensamentos e pesares.

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Ana.cat
A Monforte escutou com agrado a resposta de Eudóxio, sabia que as palavras dele eram sentidas e que ia fazer tudo por as cumprir.

- Muito bem... preparem-se então, o embarque estará para breve - a condessa virou-se então para um dos seus guardas - Carreguem as minhas coisas e os livros que encontrámos no caminho para a minha camarata. Que esteja tudo pronto ainda hoje, e se os ventos nos permitirem embarcaremos ainda esta semana.

O seu cavalo foi-lhe trazido por um pajem que a ajudou a subir. Aquele garanhão era de facto alto demais para si, apesar de ser uma excelente montada. O pajem no entanto continuou ali à sua frente, parecia ter algo para lhe dizer ainda.

- Vossa graça... uma carta, de Portugal... - disse ele a meia voz, talvez receoso por interromper a marcha da condessa.

Ana Catarina endereçou-lhe um olhar desconfiado, da última vez que lhe deram a ler uma carta as notícias não eram nada boas. Pegou no pergaminho amassado a si estendido e estudou o selo, eram as armas do seu filho ligeiramente modificadas. Quebrou o selo sem pensar muito no assunto e leu o conteúdo da carta. Para seu alivio não eram más notícias. Vítor Pio demonstrava naquelas linhas de letra cuidada e firme a sua dedicação à causa e à família. Ana sabia perfeitamente que o filho tinha um coração mais gentil que guerreiro e não estava de modo algum desiludida com a permanência dele em Portugal enquanto grande parte da família partira para a guerra na Bretanha.
"Cada um está onde é preciso estar... o lugar dele não era aqui, nesta carnificina", pensou para si.

- Vai responder... vossa graça? - interrompeu o pajem.

A condessa encarou o rapaz com um ar descontente, não gostara de ter os seus pensamentos interrompidos com perguntas inúteis e inapropriadas.


- Sois curioso, meu jovem... demasiado até - respondeu num tom gélido - Mas mesmo que vos dissesse que sim, que responderia, já pensaste que o tempo que o mensageiro necessitar para entregar a mensagem é praticamente o mesmo que o nosso para regressar a Portugal?! Além disso, no regresso iremos parar no Porto para abastecer, poderei ver o meu filho aí. Agora vai, os meus pertences ainda não estão a bordo!

O pajem fugiu dali e Ana guardou a carta de Vítor na sua túnica. Queria que as palavras do filho mais velho, e seu herdeiro, permanecessem perto dela para enfrentar aquele mar que tinham pela frente.
A condessa deu um último olhar de despedida ao barril de Bernardo e tomou a sua marcha de volta à estalagem, era necessário fazer contas com o proprietário e assegurar que nada ficava para trás.
Mas quando se preparava para picar o cavalo para galopar até ao seu destino um rapaz em trapos meteu-se à sua frente com um livro na mão, gesticulava e gritava algumas palavras numa mistura de bretão, francês e escassas palavras que se assemelhavam a português.
O cavalo empinou-se quando a condessa lhe puxou as rédeas com alguma brusquidão para não atropelar o rapaz. Por momentos teve receio que iria cair, e esteve bem perto disso na verdade, mas um dos guardas atrás de si segurou-a e a Monforte conseguiu manter-se sobre o andaluz.


- Como ousas imbecil?! - vociferou o guarda enquanto desembainhava a espada e pegava no rapaz pelo colarinho.

Naquele momento, estando já segura sobre a sela, Ana percebeu que se tratava do mesmo esfarrapado que se atravessara à frente dela na chegada ao arsenal, mas da primeira vez não parecera intencional, o que não era o caso desta segunda vez. A Monforte estudou-o por segundos, das duas uma, ou ele por algum motivo queria contactar consigo ou - era esta a visão dos guardas - queria atentar contra a sua vida. Esta última opção não fazia sentido, o rapaz não tinha armas, a única coisa que tinha nas mãos era um pequeno livro parecido àqueles que encontrara na floresta.


- Onde roubaste isto? - gritou-lhe um dos guardas quando finalmente o imobilizaram - O que fazemos com este idiota sua graça? - perguntou, entregando-lhe o livro.

Ana Catarina folheou-o rapidamente sem analisar nenhuma página em particular. Estava numa língua de origem celta e tinha algumas imagens coloridas. Pensou tratar-se de um livro de orações ou algo do género roubado de alguma igreja ou mosteiro, o que atestava a teoria do guarda.


- Levem-no daqui, isto de facto deve ter sido roubado... um homem nesta situação nunca poderia ter posses para adquirir um livro, muito menos um livro iluminado - declarou enquanto devolvia o manuscrito a um dos guardas - Levai isso para a minha camarata, juntamente com os outros. Pretendo vê-los mais tarde durante a viajem.

Então tudo aconteceu em escassos segundos, a condessa estava a pegar nas rédeas para retomar o seu caminho e imediatamente, talvez apercebendo-se disso, o rapaz esfarrapado conseguiu-se esgueirar das mãos dos guardas e tentou alcança-la. O cavalo vendo-o aproximar-se tomou uma posição agressiva e ameaçou-se com os cascos. Mas um guarda mais rápido conseguiu puxa-lo por uma manga e por breves instantes trocaram alguns murros e encontrões.
E antes que a condessa pudesse virar o cavalo para ver o desfecho da escaramuça um *plof* fez-se ouvir, alguém caíra ao mar...

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--Gwereg
Acontecera tudo muito depressa para Gwereg. Quando o bretão se apercebeu que a senhora de vermelho se ia pôr em marcha sem que ele conseguisse chegar até ela fez a coisa mais idiota que se lembrou no momento, arriscou a sua vida e a dela e saltou para a frente do cavalo negro que ela montava. Por obra da sorte nenhum se aleijara, ela conseguira-se manter na sela e Gwereg apesar de ter levado com um casco no peito e caído não ficou muito magoado.

- Damez...! J'ai besoin... teodyezhañ famille Moñforzh...! S'nora! - exclamou enquanto puxava de um livro e esbracejava para ser visto e quiçá entendido.

No entanto os guardas que circundavam a cavaleira não pareciam nada satisfeitos, um deles agarrou-o pelo colarinho e pareceu ameaça-lo com uma espada. Pouco depois foi agarrado por mais dois e espancado até levar os joelhos ao chão. O seu livro foi-lhe retirado das mãos e apresentado à senhora. Gwereg julgou que ela entenderia o significado do livro se o visse com mais atenção, mas isso não se sucedera, ela folheou-o sem demonstrar grande interesse pelo seu conteúdo. Naquele momento o bretão sentiu um frio a subir-lhe pela espinha, ela não entendera a sua mensagem e entregara o livro para ser levado. Os guardas esses pareciam mais irritados do que inicialmente e gritavam-lhe aos ouvidos palavras naquela língua que Bernardo lhe ensinara raras palavras.
Os guardas levantaram-no pelos braços e empurraram-no para a direcção oposta da senhora, aparentemente por ordens dela. O bretão sentiu que todo o seu esforço estava a ser irremediavelmente perdido por isso decidiu que era hora de cometer outra loucura, ele tinha que ser escutado! O livro tinha que ser visto com atenção! A sua história tinha que ser entendida!


- Ket... Ket... Non... - suspirou desanimado.

O bretão fez-se de mais fraco do que realmente estava às mãos dos guardas e num momento de distracção livrou-se deles e correu na direcção da cavaleira, correu, correu... e quando estava a chegar até junto dela o seu cavalo virou-se contra ele em fúria pela sua aproximação, ameaçando-o com os cascos. Desta vez não foi atingido mas aquele curto momento de hesitação fora suficiente para que um dos guardas, o mais jovem aparentemente, o puxasse por um dos braços e lhe dirigisse um murro na cara que por segundos até o deixou cego. O bretão respondeu-lhe e agarrou-lhe o pescoço para o afastar, o guarda por sua vez conseguiu-o desequilibrar e leva-lo ao chão. Gwereg rolou e depois de se conseguir levantar correu na direcção das docas onde encontraria algo para se livrar do guarda. No cais o guarda atirou-se à sua perna e forçou o bretão mais uma vez a cair sem nada que lhe amortecesse a queda a não ser a dura pedra do chão. Já o guarda, que se conseguira levantar deu-lhe dois fortes pontapés no tronco e fez o bretão rebolar até à borda do cais. Gwereg sabia o que o seu adversário pretendia fazer e no preciso momento em que aquele lhe dirigia mais um pontapé para o atirar à água o bretão agarrou-lhe a bota e puxou-a fazendo com que caíssem os dois à água.
A água estava gelada, como seria de esperar estando ainda no inverno, e a visibilidade era quase nula. O frio entranhava-se até aos ossos e os movimentos ficavam-lhe presos, a piorar isto estava a natural falta de ar e os gestos do guarda que arrastara para ali, empoleirara-se nas suas costas e fazia peso para o manter submerso. Gwereg esbracejou e tentou bater no rapaz, mas os movimentos dentro de água perdiam grande parte do impacto e a força já lhe começava a escapar. Sentia o corpo a entorpecer e o ar a faltar-lhe. O bretão tentou tudo, cabeçadas, murros e pontapés, mas o guarda tinha a força de um touro e não lhe permitia sequer vir à superfície. A cabeça começou a doer-lhe cada vez mais, a vontade de abrir a boca para respirar era imensa, mas Gwereg sabia que aceder a esse desejo seria o seu fim. O bretão tentou aguentar o mais que pôde até que as forças o abandonaram, quando abriu a boca sentiu a água inundar-lhe o corpo sem que pudesse fazer nada para a impedir. O corpo que até aí entorpecia a cada segundo começou a dar esticões involuntários.
Gwereg sentiu a cabeça a descair e abriu os olhos sem que soubesse o que estava a fazer, a última imagem que lhe tomou a visão foi a do casco de um enorme navio de guerra, depois disso perdeu a consciência e caiu, afundou-se na penumbra das águas. Nos seus últimos pensamentos estava um verso de uma música que tocara escassos momentos antes:


"Med pa varvin-me kreiz ar Brezel [Mas se morrer em combate]
Interit me e douar santel". [Que me enterrem numa terra bendita]


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Ana.cat
Tinha finalmente chegado o dia.
Apesar dos últimos acontecimentos a motivação da tripulação estava em alta com a esperança de regresso a casa, e para tal muito contribuíram as alterações atmosféricas que se mostravam agora mais favoráveis. Nos dias anteriores os trabalhos já praticamente tinham cessado em ambos os navios que constituíam agora uma, ainda que pequena, frota Monforte. No alto do castelo da popa Ana Catarina mirava o arsenal aos pés de uma cidade que se estendia por pequenas colinas e rochedos costeiros. O vento fresco trazia de arrastamento o forte odor da maresia, aquele cheiro... Ana sabia que iria sentir a sua falta. Não era pelo cheiro em si, mas pelas recordações que estavam relacionados àquele odor forte e por vezes até enjoativo (que o diga o primo Octocore que se encerrara na camarata agarrado ao seu já fiel balde).
A Monforte debruçou-se sobre amurada do imponente "Arminho" perdida nos seus pensamentos nostálgicos. Quando sentiu alguém também se debruçar ao seu lado assustou-se e encarou-o, era Hijacker. Com as barbas cada vez mais revoltas pelo vento trazia um mapa enrolado numa mão.


- O nosso trajecto? - perguntou a condessa quando o primo abriu o mapa à sua frente, desvendando uma linha que unia os mares da Bretanha a Portugal.

- Sim - o capitão apontou para a costa desenhada com tinta sobre a pele de cabra - Vamos seguir a costa até vermos a foz do Loire e esta ilha aqui - acrescentou apontando - A partir daí será sempre em diagonal até avistarmos a costa da Galiza. Isto se os ventos permitirem, claro.

Ana Catarina sorriu para o primo, aquela costa ainda não estava cartografada no seu mapa, seria uma oportunidade para o fazer. E apesar de Hijacker não o ter dito a Monforte ficou com a sensação que era esse o propósito daquele desvio, mas não disse nada.

- Achas que estas velas quadradas nos vão permitir seguir no encalço do Lusitano numa distância razoável? Tenho receio que não sejam tão manobráveis...

Hijacker pareceu demonstrar alguma preocupação no semblante que a sua resposta veio a confirmar.

- Vamos ver... levantamos âncora amanhã.
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Joanokax
Já estáva à alguns dias a bordo do Arminho... Johanna já não via a costa à um dia, entrava agora no alto mar, no golfo de Biscaia!
O tempo estava instável,assustador, chovia, e a ondulação era forte.
Quase que não lhe valia de nada dormir pois sonhava com a tempestade, talvez pelo som que a rodeava enquanto dormia...
Seguia no encalço do Lusitano, o navio do Kokkas que se encontrava mais adiantado.
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