Em Vannes, Eudóxio ia frequentando as tavernas. Ia bebendo uns copos de Chouchen que lhe iam oferecendo e uma ou outra caneca de cerveja. Apesar de não falar bretão, ia conversando com diversas pessoas, num misto de francês e castelhano. Foi tendo oportunidade de conhecer alguns familiares seus bretões e membros de outras distintas famílias. Ia conhecendo gente simples e pessoas importantes como condes e bispos. Entre elas, numa agradável taverna chamada Barzh genoù al louarn, conheceu a Duquesa de Poudouvre. Era bela e simpática e, devido a ter passado algum tempo em Castela, falava castelhano fluentemente, o que contribuiu também para que Eudóxio passasse tanto tempo a falar com ela. Passaram longas tardes a falar sobre os mais variados assuntos. Apesar de ambos falarem castelhano, Eudóxio esforçava-se por manter as conversas em francês, para agradar a encantadora dama. Mais por cavalheiresco do que propriamente por cortejo, pois a Duquesa era casada com o Chanceler da Bretanha, o Duque de Ouessant.
Sabe, é o único português que alguma vez conheci, monsieur Comentou ela, naquele dia.
Nunca tive o prazer de conhecer mais nenhum. Os seus familiares não aparecem muito pelas tavernas, nem passeiam muito pela cidade
Não é verdade, ainda hoje estive com alguns numa taverna aqui próxima, se não me engano chamava-se La Tulipe. E também já com eles estive nesta mesma taverna. Acontece é que eles andam um pouco mais ocupados do que eu, votre grâce.
Hmm
Nunca quando eu cá estive
Enfim, personne ne m'aime
Isso não é verdade, Jaime vous
- respondeu o Monforte.
Sou casada, coquin respondeu a duquesa, com um largo sorriso.
Eudóxio corou. Ela entendera mal as suas palavras
Mais uma vez as barreiras linguísticas se faziam sentir, e mais se fizeram sentir quando ele tentava, atrapalhado, explicar que não estava a dizer que a amava.
- Cest terrible! Não vejo porque não
Sou bonita, inteligente, simpática, doce, sou apaixonada e boa amante e não sou daquelas mulheres que maçam muito os maridos.
Mas é casada
Aqui gostamos de praticar um pouco a poligamia
- continuava a sorrir, mas de uma forma sedutora e tinha um intenso brilho nos olhos. Eudóxio não respondeu, ficando a observar as suas belas feições e o seu cabelo ruivo cuidadosamente penteado. Não percebia se ela brincava ou se falava a sério. -
Poderia ser o meu segundo marido. Eu poderia até fazer uma divisão da semana, distribuindo os dias entre si e o meu marido. E, quem sabe, até o poderia acompanhar para Portugal
sempre desejei lá ir
Parece-me bem
Como poderia eu recusar tal oferta? - o Monforte falava já num misto de brincadeira e de seriedade.
A bretã permaneceu calada uns momentos, observando-o. Então, aproximou o seu rosto de Eudóxio.
Beije-me
-murmurou ela. O Monforte atendeu ao pedido, ou pelo menos tentou fazê-lo,mas tal acabou por não se suceder... Quando seus lábios tocavam já nos dela, a duquesa de Poudouvre recuou, nervosa.
Que se passa aqui? uma voz grave percorreu a taverna. Eudóxio voltou-se e viu o Duque de Ouessant. Sentiu um arrepio percorrer-lhe todo o corpo. Era uma figura imponente. Alto, forte e com um ar majestoso.
Feche a taverna e saía daqui! ordenou o Chanceler ao taverneiro e avançou em direcção à sua mulher e ao português.
Ficaram apenas os três na taverna.
Messire
- gaguejou o Monforte.
O enorme nobre, desembainhou a espada e encostou-a ao pescoço de Eudóxio.
Não! Não o podes matar! Ele é aliado! É amigo!
Amigos não me roubam a mulher!
Messire, não toquei na sua mulher, não fiz nada
Desculpa querido, não resisti àquele charme latino
Eudóxio olhou desesperado para a bretã, sentindo já o aço da espada a cortar-lhe a pele... Ela não estava a ajudar
Podemos resolver este problema civilizadamente
O problema é a minha mulher! suspirou o Chanceler, guardando, para grande alívio do português, a espada. Deu-se então uma discussão entre ele e sua esposa que Eudóxio não compreendeu na totalidade devido à velocidade com que as palavras "voavam". Percebeu, contudo, que a situação da qual acabara de fazer parte não era novidade e que o Duque chegara mesmo a incumbir a um dos seus guardas a tarefa de vigiar a Duquesa. Para seu espanto, viu a bretã convencer o marido que tudo não passara de uma pequena brincadeira e ambos (Duque e Duquesa) se lançaram nos braços um do outro, beijando-se intensamente.
Sentindo-se a mais, e temendo ainda que o Duque de Ouessant pudesse ainda guardar rancores, Eudóxio aproveitou para sair da taverna.
Parece que não é desta que me matam
- sorriu-
Tenho mesmo de me deixar desta vida boémia...