Ana.cat
[Acampamento dos exércitos do Ponant nas proximidades de La Trémouille]
Depois da vitória no cerco de Poitiers o exército do Ponant agora reunia, para além de contingentes bretões, angevinos, guyenenses e até provençais (da Provença, região vassala ao Sacro Império Romano-Germânico), os estandartes do Condado de Poitou. O exército atingira tais dimensões que a sua progressão no terreno era demasiado óbvia e lenta para preparar um ataque surpresa à cidade de La Trémouille. No entanto aquele era um trunfo para o Ponant, as tropas francesas estavam de tal forma desfalcadas e desmoralizadas depois da derrota em Poitiers que só a visão de um exército de tais dimensões era um factor suficientemente dissuasor.
Tendo isto em conta os generais do Ponant decidiram assentar acampamento nas proximidades de La Tremouille de forma a intimidar os poucos franceses que ainda permaneciam no interior da cidade. E a estratégia resultou, apenas um dia depois o líder das tropas francesas chegou ao acampamento escoltado por dois cavaleiros para negociar os termos da devolução da cidade às tropas da Aliança sem o derramamento de sangue. O fidalgo foi atendido e ficou acordado que até ao pôr do sol do dia seguinte os franceses deveriam abandonar a cidade e as suas portas estariam abertas para receber o exército. Como garantia de tal acordo, os generais da Aliança exigiram que o líder dos francesas ficasse seu refém, o que veio a acontecer.
Há dias que o exército estava acampado nas proximidades de La Tremouille na expectativa de que lhes fossem abertas as portas sem derramamento de sangue. Ana Catarina, que nestas alturas não tinha muito para fazer, reuniu-se com os seus familiares e a certa altura da amena conversa decidiu contar-lhes uma antiga lenda bretã que ouvira do seu avô:
- Esta lenda chama-se Ar C'Hastell Tremazan, o castelo de Trémazan - exclamou numa entoação quase profética - Contava o meu avô que isto se sucedeu no século VI.
A Monforte pigarreou e fingindo-se em meditação para aguçar a curiosidade da família.
- Bom, desde sempre que o castelo de Tremazan, localizado na ponta oeste da Bretanha, próximo de Brest, integrou os domínios da família Chastel, uma família de pequenos fidalgos que à época prestava vassalagem ao rei francês. Gurguy de Tremazan era o primogénito e após dez anos ao serviço do rei de França regressou às terras da Bretanha para reencontrar a família.
A madrasta foi a primeira a vê-lo e não tardou a contar-lhe tudo o que acontecera na sua ausência. A madrasta invejava a beleza de Haude, a irmã mais nova de Gurguy, por isso as suas palavras cheias de fel e mentiras elaboraram um quadro tão negro dela que o irmão ficou fora de si.
A condessa fez uma pausa e ajeitou-se melhor no banco onde estava sentada, o que enervou um pouco a curiosa audiência.
- E assim que Haude apareceu Gurguy empunhou a espada e ali mesmo, de um só golpe, cortou-lhe a cabeça. Logo se arrependeu pelo seu acto irreflectido, mas já era tarde. Haude estava morta, para júbilo da sua madrasta.
Na audiência ouviu-se um coro de lamentações e injúrias a Gurguy.
- Deixem-me continuar... ainda não acabei! - protestou - Gurguy ficou consternado pelo seu erro e deambulou pelo castelo até aos aposentos do pai, no entanto, antes que ele lhe pudesse contar o sucedido Haude apareceu entre eles, segurando a cabeça decepada nas mãos e com toda a simplicidade pousou-a no seu lugar original. Expôs ao pai e irmão a traição da sua madrasta, que confrontada negou todas as acusações e por isso foi fulminada por um raio divino de seguida.
- E a Haude? Ficou viva? - perguntou alguém
Ana acenou-lhe negativamente e continuou a narração.
- Haude depois de perdoar o irmão desapareceu da mesma forma como tinha aparecido. No entanto Gurguy ficou inconsolável e dirigiu-se ao bispo Sant Paul para lhe pedir a absolvição dos seus pecados, este aconselhou-o a penitenciar-se. Foi o que ele fez, jejuou por quarenta dias e ficou transformado, uma coroa de fogo caiu-lhe sobre a cabeça e fê-lo retornar até junto do bispo. Decidiu assumir o hábito monástico e rebaptizar-se com o nome de Tanguy. Até ao fim dos seus dias levou uma vida de homem santo, e foi o fundador da abadia de Lokmazhe em Plougonvelen.
Um burburinho cresceu na tenda, comentavam a moral da lenda, o castigo da madrasta, o triste destino de Haude e a vida de penitência seguida por Gurguy.
Ana Catarina ficara satisfeita com o resultado da sua narração e quando se preparava para levantar um servo português entrou na tenta para lhe avisar que chegara um soldado com notícias do marido e da filha.
A Monforte ergueu-se rapidamente e correu até à entrada da tenda, onde um soldado lhe tapava o sol de meio dia.
- Que novidades tem? Pelas barbas de Aristóteles diga-me por favor!
O soldado inclinou ligeiramente a cabeça em sinal de respeito e disse:
- Dom Filipe e a dama Johanna encontram-se vivos e a restabelecer-se em Thouars, junto com os restantes feridos no cerco de Poitiers.
Ao ouvir aquelas palavras Ana agradeceu a todos os santos e arcanjos pela graça concedida... estavam todos bem e mais importante, Johanna estava viva! Após tantos dias de incerteza sobre o seu paradeiro finalmente tinha a confirmação que mais ansiava. A condessa sentiu os joelhos tremerem-lhe de emoção e levou-os à terra. As suas mãos brancas apoiaram-se no chão e arranhou a terra por baixo destas, algumas lágrimas correram-lhe pelo rosto. Ana estava aliviada, tudo o que temera até então não se realizara.
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Depois da vitória no cerco de Poitiers o exército do Ponant agora reunia, para além de contingentes bretões, angevinos, guyenenses e até provençais (da Provença, região vassala ao Sacro Império Romano-Germânico), os estandartes do Condado de Poitou. O exército atingira tais dimensões que a sua progressão no terreno era demasiado óbvia e lenta para preparar um ataque surpresa à cidade de La Trémouille. No entanto aquele era um trunfo para o Ponant, as tropas francesas estavam de tal forma desfalcadas e desmoralizadas depois da derrota em Poitiers que só a visão de um exército de tais dimensões era um factor suficientemente dissuasor.
Tendo isto em conta os generais do Ponant decidiram assentar acampamento nas proximidades de La Tremouille de forma a intimidar os poucos franceses que ainda permaneciam no interior da cidade. E a estratégia resultou, apenas um dia depois o líder das tropas francesas chegou ao acampamento escoltado por dois cavaleiros para negociar os termos da devolução da cidade às tropas da Aliança sem o derramamento de sangue. O fidalgo foi atendido e ficou acordado que até ao pôr do sol do dia seguinte os franceses deveriam abandonar a cidade e as suas portas estariam abertas para receber o exército. Como garantia de tal acordo, os generais da Aliança exigiram que o líder dos francesas ficasse seu refém, o que veio a acontecer.
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Há dias que o exército estava acampado nas proximidades de La Tremouille na expectativa de que lhes fossem abertas as portas sem derramamento de sangue. Ana Catarina, que nestas alturas não tinha muito para fazer, reuniu-se com os seus familiares e a certa altura da amena conversa decidiu contar-lhes uma antiga lenda bretã que ouvira do seu avô:
- Esta lenda chama-se Ar C'Hastell Tremazan, o castelo de Trémazan - exclamou numa entoação quase profética - Contava o meu avô que isto se sucedeu no século VI.
A Monforte pigarreou e fingindo-se em meditação para aguçar a curiosidade da família.
- Bom, desde sempre que o castelo de Tremazan, localizado na ponta oeste da Bretanha, próximo de Brest, integrou os domínios da família Chastel, uma família de pequenos fidalgos que à época prestava vassalagem ao rei francês. Gurguy de Tremazan era o primogénito e após dez anos ao serviço do rei de França regressou às terras da Bretanha para reencontrar a família.
A madrasta foi a primeira a vê-lo e não tardou a contar-lhe tudo o que acontecera na sua ausência. A madrasta invejava a beleza de Haude, a irmã mais nova de Gurguy, por isso as suas palavras cheias de fel e mentiras elaboraram um quadro tão negro dela que o irmão ficou fora de si.
A condessa fez uma pausa e ajeitou-se melhor no banco onde estava sentada, o que enervou um pouco a curiosa audiência.
- E assim que Haude apareceu Gurguy empunhou a espada e ali mesmo, de um só golpe, cortou-lhe a cabeça. Logo se arrependeu pelo seu acto irreflectido, mas já era tarde. Haude estava morta, para júbilo da sua madrasta.
Na audiência ouviu-se um coro de lamentações e injúrias a Gurguy.
- Deixem-me continuar... ainda não acabei! - protestou - Gurguy ficou consternado pelo seu erro e deambulou pelo castelo até aos aposentos do pai, no entanto, antes que ele lhe pudesse contar o sucedido Haude apareceu entre eles, segurando a cabeça decepada nas mãos e com toda a simplicidade pousou-a no seu lugar original. Expôs ao pai e irmão a traição da sua madrasta, que confrontada negou todas as acusações e por isso foi fulminada por um raio divino de seguida.
- E a Haude? Ficou viva? - perguntou alguém
Ana acenou-lhe negativamente e continuou a narração.
- Haude depois de perdoar o irmão desapareceu da mesma forma como tinha aparecido. No entanto Gurguy ficou inconsolável e dirigiu-se ao bispo Sant Paul para lhe pedir a absolvição dos seus pecados, este aconselhou-o a penitenciar-se. Foi o que ele fez, jejuou por quarenta dias e ficou transformado, uma coroa de fogo caiu-lhe sobre a cabeça e fê-lo retornar até junto do bispo. Decidiu assumir o hábito monástico e rebaptizar-se com o nome de Tanguy. Até ao fim dos seus dias levou uma vida de homem santo, e foi o fundador da abadia de Lokmazhe em Plougonvelen.
Um burburinho cresceu na tenda, comentavam a moral da lenda, o castigo da madrasta, o triste destino de Haude e a vida de penitência seguida por Gurguy.
Ana Catarina ficara satisfeita com o resultado da sua narração e quando se preparava para levantar um servo português entrou na tenta para lhe avisar que chegara um soldado com notícias do marido e da filha.
A Monforte ergueu-se rapidamente e correu até à entrada da tenda, onde um soldado lhe tapava o sol de meio dia.
- Que novidades tem? Pelas barbas de Aristóteles diga-me por favor!
O soldado inclinou ligeiramente a cabeça em sinal de respeito e disse:
- Dom Filipe e a dama Johanna encontram-se vivos e a restabelecer-se em Thouars, junto com os restantes feridos no cerco de Poitiers.
Ao ouvir aquelas palavras Ana agradeceu a todos os santos e arcanjos pela graça concedida... estavam todos bem e mais importante, Johanna estava viva! Após tantos dias de incerteza sobre o seu paradeiro finalmente tinha a confirmação que mais ansiava. A condessa sentiu os joelhos tremerem-lhe de emoção e levou-os à terra. As suas mãos brancas apoiaram-se no chão e arranhou a terra por baixo destas, algumas lágrimas correram-lhe pelo rosto. Ana estava aliviada, tudo o que temera até então não se realizara.
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