Harkonen, montado no seu cavalo, atravessa as serranias da Beira em direcção a Lisboa.
Está uma noite escura como o breu e, não fosse o facto de conhecer estas estradas como a palma da sua mão, jamais se atreveria a fazer semelhante percurso numa noite destas.
Lembra-se de percorrer estas estradas como secretário do comércio de Aveiro, a mando de Dom Vilacovense, ou para acorrer aos muitos ataques que Alcobaça sofria nestes tempos já distantes.
Recorda ainda uma imensidão de viagens em serviço militar, como soldado, capitão de Batalhão, oficial ou mesmo General. Ao atravessar o rio Mondego a vau, numa parte relativamente baixa, vislumbra o local que o General Satyrus, ele próprio, o General Psycorps e, mais tarde o General Zatarra utilizavam para acampar.
É com um sorriso no rosto que pensa nos tempos em que viajar no Condado de Coimbra não era empresa para uma ou duas pessoas. Só um louco se atreveria a atravessar estas serras sem a companhia de um bando armado até aos dentes. Assaltantes de estrada agora míticos, como o casal dos Coxos, roubavam sem dó nem misericórdia qualquer viajante menos cauteloso. Além disso, por vezes, um pobre mercador via-se perante um bando de saqueadores de Casas do Povo, que logo o aliviava da sua valiosa carga.
Foram precisos anos de sangue, com exércitos a varrerem as estradas e tribunais a condenarem à morte sem hesitações, para que as estradas ficassem seguras. O odor, das cabeças em decomposição dos bandidos, que serviam de decoração à Praça de Coimbra, ainda hoje lhe faz lembrar a morte.
Subitamente, enquanto estava perdido nos seus pensamentos, o fiel Baratheon interrompe a marcha do seu cavalo, assaltado por uma suspeita. Desde que saíram do Palácio dos Albuquerque que julga pressentir uma presença estranha. Primeiro, julgou que se tratava de algum cão vadio ou um lobo, mas, agora, começa a suspeitar que se trata de algo mais.
Tenta vislumbrar alguma ameaça, mas a escuridão e a ausência de lua parecem conspirar contra ele.
De repente, vinda não se sabe de onde, uma seta encontra o caminho para o pescoço do fiel Baratheon. Este cai do cavalo já inanimado.
Harkonen desce de imediato do seu cavalo e, quando se aproxima de Baratheon, apercebe-se que uma flecha, disparada provavelmente de uma besta, tinha acertado em cheio na jugular do seu fiel companheiro. O sangue jorra com abundância e, em poucos segundos, Baratheon, que o servira durante tantos anos, enfrentando mil perigos, morre à sua frente.
É nessa altura que Harkonen se vira e vê um vulto.
Trata-se de um homem encapuçado, com uma espada na mão direita e um punhal na esquerda.
Harkonen aborda-o directamente:
-Quem és tu?
O homem não responde e permanece imóvel.
Harkonen puxa da sua espada e avança contra ele.
Após o primeiro embate, e a agilidade com que o seu adversário se esquiva, Harkonen percebe que não está perante um ladrão de estradas, mas sim alguém altamente experimentado nas artes da guerra.
Só a muito custo, Harkonen consegue resistir ao embate do assassino, que parece ser detentor de uma técnica muito apurada e, provavelmente, o melhor espadachim que alguma vez enfrentou.
Depois de quase dez minutos de combate, com Harkonen a resistir ao embate do inimigo e a ver os seus golpes serem frustrados pela mestria do assassino, sente um toque no braço.
Sorri ao ver que a lamina do punhal do assassino tinha cortado, ao de leve a pele do seu braço.
Lança uma gargalhada e diz ao seu adversário:
- Vai ser preciso mais do que isso para me matares!
Porém, repara que o assassino se afastou alguns passos e se limita a observar Harkonen, como se o desfecho deste combate já estivesse decidido.
É neste momento que sente um gosto a enxofre na boca.
Olha para o pequeno corte no braço e repara que a ferida está negra.
Percebe, finalmente, que a lâmina do punhal estava envenenada e nunca tivera a mínima hipótese de vencer este confronto.
De súbito, é atravessado por uma convulsão arrebatadora e tomba sem forças.
Tenta falar, mas já não consegue.
Vê o assassino aproximar-se lentamente e, reunindo todas as suas forças, cospe-lhe no rosto. De seguida, já sem forças, expira.
Assim morreu Harkonen de Albuquerque, em tempos Juiz-Mor do Reino, Presidente da Corte dos Nobres, Baronete, Visconde de Monsanto, Conde de Coimbra e Príncipe Real.