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Relato de uma Viagem (Lamego) - Dia 10 & 11

Ana.cat
Mais um dia de viagem, felizmente - pensava Ana -, esta seria a última etapa a cavalo. Tinham passado dez dias desde a partida de Alcácer do Sal e finalmente estavam no último dia daquela jornada. Em Lamego esperava-os o Amoras, o foncet de Querobim Ferreira de Queirós que iria conduzi-los a Valladolid para finalizarem a venda da pedra para o porto daquela cidade castelhana.
Mas nem tudo poderia ser ouro sobre azul, aquele dia acordara cinzento e com chuviscos incómodos, a chamada chuva "molha-tolos", mas para piorar a situação ao final da manhã essa chuva adensou-se e começou a cair com mais força, molhando mais gente para além dos tolos.
Ana Catarina voltou a fazer uso da sua capa poeirenta, enrolou-se à volta daquela como se fosse um chouriço mas mesmo assim a chuva molhou-lhe as vestes que tinha debaixo do manto e empapou a terra da estrada, tornado a caminhada ainda mais lenta.
No entanto a situação ainda conseguiu piorar para a condessa, os nove dias de viagem começaram a pedir a factura ao seu corpo e as dores foram surgindo cada vez mais agudas e insuportáveis. Para além de já não sentir o seu condal rabo as costas latejavam a cada movimento mais brusco do cavalo, era como se ela se estivesse a desmontar aos poucos.


- Pelo amor que nos tens - dirigiu-se num murmuro ao céu - Será isto uma provação à nossa fé em Ti?

A condessa baixou a cabeça num lamento, queria parar e repousar, mas tal era impossível, tinham que chegar a Lamego antes do anoitecer, sob consequência de se perderem no caminho.
Com o decorrer da tarde a chuva começou a dar tréguas mas nem isso deu tempo ao grupo para respirar fundo, vindo sabe-se lá de onde um enxame de mosquitos levantou-se sobre eles e acompanhou-os por várias milhas, a Monforte não soube dizer quantos insectos engolira ou inspirara inadvertidamente, mas poderia afirmar com toda a segurança que estava jantada para aquele dia.

As torres da Igreja de Lamego só surgiram mais tarde, já o grupo quase se arrastava estrada fora, sem forças e completamente encharcados dos pés à cabeça. A condessa retirou o seu capuz e lançou um olhar ao céu.


- Graças a Deus... - murmurou numa voz carregada de fadiga.



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Ana.cat
Ainda o sol estava a ganhar força para dar lugar à lua, sua esposa, e a Monforte já estava de pé. Apesar das dores da viagem e do sono que deveria ter para se restabelecer de tamanha jornada Ana acordara bem cedo, queria ir ao porto de Lamego ver o navio que ainda nesse dia - pensava ela - havia de embarcar.
Lamego não era uma cidade muito grande por isso a condessa optou por fazer o trajecto a pé (mais do que por ser uma cidade de média dimensão a razão mais provável pela caminhada terá sido com certeza o cansaço que Ana tinha do dorso de um cavalo e das dores que lhe causavam após tantos dias). No cais deparou-se com o porto cheio, um exótico barco oriundo das distantes paragens otomanas aguçou-lhe a curiosidade, não era todos os dias que se viam cidadãos da ponta do mundo por ali, era alias a primeira vez que os via. Junto ao "Creuza de ma" (o navio otomano) estava amarrado o seu já conhecido "La Biscarrosse", aquele barco em tempos, nos primórdios da navegação em alto mar, explorara a ligação marítima entre Lisboa e Mimizan, em França. Nessa altura era Kutuzov o seu capitão, que com certeza terá lucrado com o êxodo de portugueses para aquelas terras francesas, cansados muito provavelmente do ambiente pesado que se fazia sentir naquela época.
No lado oposto àquele, junto ao "Creuza de ma" estava o "Amoras", um pequeno foncet destinado especialmente àquelas curtas viagens fluviais. A Monforte esboçou um sorriso ao ver aquele que seria o seu meio de transporte até Castela. Era um barco pequeno mas resistente, e teria que o ser - pensava ela - para aguentar toda a pedra que trazia, felizmente os animais não tomariam lugar entre a tripulação. A sua jornada estava terminada quando chegaram a Lamego, agora Ana tinha que decidir o que fazer aos bois. Provavelmente iria vende-los a um qualquer Senhor local que por eles aceitasse um bom preço.

O embarque no entanto não se verificou, ao início da tarde Ana teve conhecimento que ainda faltava um passageiro, aparentemente "preso" no Porto à espera de um mandato do Conselho Condal. Aquela notícia pôs por terra as esperanças que a Monforte tinha em chegar de Castela a tempo para assistir aos resultados das eleições reais. Mas não se deixou abater, era necessário ter paciência e aguardar que a burocracia fosse resolvida.

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