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[Obra] Colectânea de Trovas de Aristarco

Shyido
Condado de Coimbra - Coimbra 21 may 2012

Aristarco wrote:




A viagem não poupara ninguém quem quer que fosse, de sua cabeça aos pés, de seu senhor ao noviço cavaleiro que escoltava e transportava materiais e cousas, parafernálias para o vulgo que pouco ou nada entenderia sobre aquela missão oriunda das terras mais ao sul, daquela lusa gente que os próprios sarracenos mui bem conheciam a chamá-los de “musta’rab” quando não “mulad’íes” aos que se faziam fluir nos trejeitos orientais.

Contudo, se por um lado havia tamanhas particularidades com distinções nos acentos, palavreados e outros costumes, nada mais estranho era se notar que algo invisível se fazia dar liga, porquanto amistosidade imediata entre aquela amálgama de lusos de diferentes procedências já se fazia.
Quem há de compreender isto tudo, que o explique, quando mui outros povos por aí alhures longe estão deste senso, porque deveras se encontram em cizânia rude até discórdia fratricida, que Jah tenha piedade deles.

Aristarco não deixara de notar naquela campanha (não de guerra, mas missão), o ímpeto dos cavaleiros que escoltavam as carroças, mesmo até seus condutores (também da soldadesca), naqueles esforços de vencer terreno por vezes mui exigente e difícil, a cuidar dos animais de tração e toda sorte de esforços que aparece nesses momentos.
Afinal, inusitado e acaso também se encontram no horizonte de viajor, degredado, senhor ou cavaleiro, nobre e plebeu, miserável ou endinheirado: a vida é uma surpresa a cada virada de curva no caminho ou em cada estalagem de vila e acampamento.

A soldadesca estava lacônica, apesar de quando em quando um urro ia e vinha por conta de montarias e bois de carroça; esmeravam em cumprir dever, não em sorrir naquela jornada. Mui se encontrava em jogo.

O trovador já vira cousa assim naquelas terras averroístas do al-Gharb, Sebta entre outras.
Vira campanhas de tomadas d’algumas praças fortes africanas pelos portucalenses, quando impedido de usar espada por ser meramente um escriba ou escrevinhador de registros, várias vezes se dirigira aos combatentes abatidos ou estafados após enfrentamento, ou na noite que antecedia o embate para ver estados d’espírito, a serem estimulados com canção e boas memórias.
Essas cousas das campanhas são assim mesmo, oras.

Resolvera medir os ânimos daqueles, mas em segredo: saiu com o alaúde às costas da hospedaria na calada e queda do céu escuro, indo ao encontro das fogueiras do acampamento que não estava tão distante dali, onde os cavaleiros se encontravam sentados a conversar em tom baixo, alguns a terminar o repasto, outros a arrumar os trens de dormir, naquele aprumo típico que antecede o descanso para o novo dia.

Quando chegou, saudou-os e sentou ali ao lado para experimentar um naco de toucinho que ainda estava quente, a fazer expressão boa pelo gosto que tinha.
Um jovem, talvez um escudeiro (já com curiosidade no rosto, como todo jovem sustém facilmente), subitamente puxou conversa com o trovador, inquirindo-lhe sobre a cama da hospedaria e pequenezas sem importância e aos poucos entabularam prosa.
Foi quando aquele jovem dissera que ouvira Aristarco falar com seus senhores, sobre conto de estrangeira terra, que alguns outros se interessaram pela estada do trovador ali. E disto, com o alaúde dependurado ao corpo, foi quando alguém deu ideia que cantasse algo, ou narrasse história bretã ou moura, ou qualquer de gran monta, uma epopeia.

Os homens estavam apenas cansados, seria bom arrancar-lhe um riso então.
Aristarco notava o brilho dos olhos dos cavaleiros, pareciam com os mesmos que vira em Tanja ou Sebta africana e fez gosto consigo em seu íntimo, porque nada mais humano do que alimentar esperança em dias bons ou ruins, em dias exigentes ou enfastiados.
Talvez, por um momento, isto unisse a todos os homens, lusos, castelhanos, mouros, bretões, flamengos e francos, itálicos e africanos, orientais e sabe mais lá que povo criado por Jah nesse velho mundo.
Mas negou trovador a fazê-lo, o que fez alguns se espantarem (quase se indignarem até) diante um pedido tão simples.

Respondeu o trovador que pedia licença para não cantar nem de mouro ou bretão, tampouco franco, itálico ou saxão; escusou-se até mesmo de gregos e troianos, romanos e gauleses, porque queria lembrar um outro conto, que se não fosse epopeia, não lhe caberia menor honra do que aqueles que ficaram na história.
Ficaram mui atentos sem entender bem o que Aristarco queria dizer com aquilo tudo, mas se resignaram a ouvir o que dali se sairia naquele dedilhado de alaúde rebuscado (mourisco).

E se fez uma canção assim:



REDONDILHA

Campanha

Mote


“Cavaleiro na campanha não tem fado,
Quando cumpre dever, é bem honrado.”

Voltas

Escuta el trovador
Na rima desta canção,
Sabedoria ganha:
Não há mal abrasador
Daquel’ que é cumpridor
Do dever com atenção,
Que finda bem campanha.

“Não me lembro de bretão
Nem flamengo no tratar
Franco ou sarraceno
Grego, romano então
Mas gente d’outro sertão:
Pois haja de acatar
Este tão gran aceno.”

“Eis üa trova com unção,
Em preclaros agoureiros
Que não esqueças porém:
Na virtude sem sanção
De muy honra faz menção,
Co tamanha distinção
Que são os cavaleiros,
D’Alcácer ou d’Ourém.”



Então os sorrisos abriram-se bem mais largos, felizmente.
Aristarco sabia mui bem do cumprimento de ordens e como aqueles cavaleiros se disporiam até o fim que se fosse exigido (até morte, quiçá), na segurança e execução dos objetivos estabelecidos, não se tinha quaisquer dúvidas.
Só havia um pouco de cansaço e preocupação, é verdade.

Mas mal não faria alentar um pouco mais o coração, porque para este, nem sempre uma boa cama ou boa comida há de dar jeito quando só trata do corpo, e se não se é tempo de desembainhar lâminas e escorar em escudos, atiçar cavalo ou algo que o valha, se pode algo bom inflamar com boa trova que alimenta brio na campanha.

O trovador repetiu o mote cantado para que não esquecessem quando o espírito precisasse d’alguma boa energia: porque se por um lado se roga a Jah que cuide bem do dia d’amanhã, há que se rogar a si próprio ânimo, destemor e resiliência em agudo, agastado, enfastiado ou desafiado instante.

Dormi tranquilos, bons cavaleiros, porquanto jornada segue e há que se realizar os fins com gestos probos, diligentes e honrados.






Condado de Coimbra - Cidade de Coimbra 16 Jul 2012

Aristarco wrote:

OOC:
Na metade de Julho do ano da graça de 1460...




A comitiva salaciense havia chegado à cidade de Coimbra em um bom tempo de viagem, sem quaisquer percalços, talvez no máximo dizer sobre um pouco de cansaço, talvez a lembrar aquela passagem que se diz popularmente quando à medida que se vai rumando para a casa depois d’algum empreendimento, mais se vai sentido o fardo (se esta a algo carregar) e as dores de corpo.
Mas ainda mui faltava para chegar às plagas familiares naquel’ pontão meridional lusitano, então nem convinha assim associar as cousas e fatos para o bem do espírito, que se diga.

Todavia, o mal do espírito do trovador estava espraiado em um humor sentido e um pouco amuado por conta das experiências um tanto adversas que lhe apareceram no caminho, já agora não tanto assim por ter ido parar na prisão (o que seria uma outra estória para ser contada oportunamente...), mas mais pela notícia dada pelo amigo Eudoxio Monforte sobre a perda do alaúde. Que dano!
Pois verdadeiramente nada se ganha com aquele estado em que a bebida de serva se torna senhora, já compusera Aristarco uma cantiga sobre estado ébrio, prisão e d’Amizade que vem socorrer (justamente por tudo o que havia passado).
A cantiga surgiu quando já saiam da cidade do Porto, e Aristarco olhara para trás a divisar a amurada e a imaginar em que lugar daquela imensa urbi se encontraria o velho alaúde mourisco de mui contos... Paciência, paciência, porque para toda imprudência se tem uma paga, uma verdade que jamais se esqueceria, inda mais por ter-lhe tocado algo tão caro.

Quando chegaram à hospedaria, acertaram todos aqueles assuntos de estadia, cuidado com os trens de bagagem e tudo o mais concernente aos viajores que se aprumavam para ali ficar, algo que chegou a levar algum tempo nas combinações.
O senhor Eudoxio resolvia todos aqueles assuntos parlamentando com o dono do estabelecimento, enquanto Sua Majestade em silêncio acompanhava, com uma expressão impassível. Aristarco teve a impressão que se o dono daquela hospedaria começasse a regatear algum valor com Eudoxio, a impassibilidade não tardaria mui tempo para dar lugar a algum rugido leonino.
Já o senhor Jonas se encostava ao balcão, tranquilo como apenas ele, a bocejar e a aguardar, provavelmente para desmaiar em seu aposento o quão antes, enquanto o clérigo Tocha prosava com o senhor Hijacker na entrada, também tranquilos.
A dama Gawaine, que se juntara à comitiva para viajar determinado trecho, também observava os acontecimentos.

Um ajudante do dono, no outro lado do balcão e mais à extremidade, olhava Aristarco fixamente, apesar de calado a se atentar à parlamentação. Não passava d’um menino com uns dez a doze anos e também se vestia tão bem quanto o dono da hospedaria, e Aristarco reparou melhor a pensar que provavelmente era filho daquele, porque tinha o nariz tão aquilino quanto o outro.
Andou “levemente” até aquela outra ponta do balcão, ou como diriam as expressões poéticas, “leve como pluma”, afinal se o cansaço poderia provocar tensão no ar, uma tensão no ar de ‘caráter Real’ não era lá algo que se pudesse arriscar a friccionar inda mais...

E se pôs a conversar com o menino, que lhe havia reconhecido d’outra estada quando seguia caminho para o norte lusitano, com voz baixa e mui serena naquela circunstância.
Dizia o rebento que a madre da Igreja conimbricense tivera notícias daqueles viajantes, e que na gentileza que lhe era peculiar convidara para não deixar de visitar a casa sagrada, para que o refazimento espiritual alimentasse inda mais os espíritos dos visitantes.

Apesar de Aristarco estar quase com os bolsos vazios, deu uma moeda para o menino e lhe agradeceu a fidelidade que se fazia jus naquela informação que carregava importância. Contudo o menino não quis aceitar no início, porque de soslaio e receoso olhava seu pai a parlar com o senhor Eudoxio; então o trovador colocou o dinheiro debaixo da moringa à frente de si, sobre o balcão, e piscou para o garoto antes de se aproximar (levemente, é claro...) até o grupo.



OOC:
Não deu tempo de ver a publicação/post porque já havíamos partido... Mas se muito agradece o convite, assim como se dará uma boa visita

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Shyido Von Elric

Dura Lex Sed Lex --- A lei é dura mas é lei
Dulce et decorum est pro patria mori --- Doce e honroso é morrer pela pátria
Ana.cat
Essa não tem trova...

Edit: refiro-me à de Lisboa
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Shyido
Condado do Porto - 29 Jul 2012 (fórum central do condado, nenhuma cidade especifica)
Nota: Este é um NPC de Aristarco

--Segrel wrote:






Um pouco atabalhoado, logo se via ali ao virar uma esquina alguém a arfar em um pequeno trote (mesmo por que não se era um menino a correr algures, mui distante disto estava); alguns esbarrões eram inevitáveis a ponto d’algum citadino soltar contida praguejada, porém nada que gerasse comoções ou exagero.

Iago Brais era um trovador galego que perambulava em Valladolid naqueles dias de visita de Sua Majestade ao reino vizinho, encontrando-se com Aristarco nas tabernas e nas praças, quando então assim surgiu amizade e companheirismo das cousas d’Arte, como composição, música e rimas; não haviam chegado a se apresentar juntos por uma mera questão do acaso, já que se faria boa combinação de flauta e alaúde, mas se encontravam regularmente para prosar assuntos em comum.

Durante o regresso da comitiva lusitana, o galego solicitara um lugar de viagem naquela boa embarcação Amoras e evidentemente Aristarco pouco poderia fazer exceto conversar com o amigo Eudoxio se isto seria ou não possível, dado que a nau estava dedicada aos serviços da rainha lusitana.
E Dom Eudoxio mui tranquilamente tratara com o bom capitão Querobim, tudo estava bem e discretamente resolvido.

No regresso ao Porto, separaram-se momentaneamente até que o segrel (como se dizem naquelas plagas galegas) soube da detenção do amigo lisboeta na masmorra condal, uma estória engraçada logo notara, e já vinha a acudir no que fosse possível, com uma carta em mãos da guilda local de trovadores; mas se isto resultaria algo vantajoso ou não, já não tinha certeza alguma.

De sorte que não foi necessário, bem compreendeu, porque já colhera notícias com alguma sentinela à entrada da amurada, sobre o sulino amigo, já mui bem livre, por força e ação desconhecida de Iago (apesar de deduzir algo próximo da verdade).
Parecia também que a sentinela ouvira prosa alhures entre o “recém liberto” com um amigo que viera retirar-lhe daquel’ fado, e mais duas donzelas acerca d’uma breve passagem à taberna; o galego já arriscava palpite na taberna da redondeza do velho Ezequias, uma (das muitas) que conhecia bem, assim como não menos bem conhecia a terra portuense.

Lá se foi o segrel tranquilamente e sem acelerar passada, porque não demoraria tanto para chegar em tal taberna e encontrar o trovador moçárabe com seu amigo, assim como com duas donzelas e um distinto senhor a palrarem com semblantes abertos e leves.
Dirigiu-se a eles e se apresentou, com seu sotaque galego peculiar; Aristarco sorriu com aquele encontro convidando o segrel para juntar-se de imediato.

Quando em prosa que vai-e-vem soubera sobre aquel’ senhor John Rafael, distinto gentil homem da Corte, a falar d’um mote sugerido, e também da inda breve hesitação de Aristarco (talvez um pouco dolorido por noite mal dormida e espírito cansado); tomou assim a palavra:

- Peço-vos licença e ao bom trovador del al-Gharb para algo compor sobre este mote, visto que ele mais precisa d’um trago neste momento, e um alaúde novo noutro!

Aristarco riu-se um pouco sem jeito e fez uma mesura a deixar à vontade aquel’ outro segrel na mestrança, afinal estava mui bem alimentado por taberna e com guarida mais sossegada que não uma cama de prisão, vedes a diferença do que estar em barras adentro pode bem causar.
Iago Brais sacou de seu alforje uma flauta que estava envolta d’um belo rubro pano aveludado e fez uma frase melódica animada e alegre, que ficaria mui bem acompanhada de pandeiretas com soalhas ou até mesmo castanholas.
Então declamou (apesar de que poderia tão bem ter cantado):



REDONDILHA

Mote

“Cruel lobo, mais feroz de sua matilha,
Morde incauto que desafia a família.”

Voltas

“Bem procurai algo saber
Da muy clara natureza,
Para razão logo dar
Co prudência vai caber,
Tereis tão que perceber:
Um lobo em sua crueza
Não se fará apiedar.”

“Vos cuidai se provocardes
Ira daquela fera,
Nas cousas de pertença;
Território cercardes
Ou da matilha altercardes,
Üa verdade s’ espera:
Ganhareis a desavença!”

“E não equivoqueis jamais,
Não toqueis família
Co tão honra exuberar,
Senão tereis dores mais:
Quando reptado demais
M’ noite ou vigília,
Lobo irá dilacerar.”



E assim se marcou aquel’ estilo que enquanto fazia passagem declamada entre os versos e o mote intercalados, fraseava sua flauta animadamente.

Iago Brais ao terminar a voz e canção, então fez uma vênia ao grupo reunido, e uma inda mais longa ao senhor John Rafael para dar préstimos do mote proposto; rapidamente se dirigiu ao mestre-taberneiro para solicitar um jarro de rum para os senhores, apenas por mais um trago inda antes do horário da refeição, além de chás para as donzelas.
Decerto pensara que faria bem o “recém liberto” a molhar garganta com algo mais condigo do que o sabor hospitaleiro de masmorras...


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Shyido Von Elric

Dura Lex Sed Lex --- A lei é dura mas é lei
Dulce et decorum est pro patria mori --- Doce e honroso é morrer pela pátria
Sylarnash
Sou um seguidor atento das trovas do Aristarco, meu afilhado. Merece bem este pequeno louvor.
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Querobim
Eu tenho uma, foi um presente:

Quote:


AL-ZAJÁL

Amoras d'El Duero

Mote

“Y avanza por El Duero,
Porque mal no es duradero.”

Vueltas

“Navega fuerte nave intrépida,
En agua de corriente límpida
Y así espanta males de la vida,
Al aliviadero...”

(mote)

“Cuando nauta enfrenta dificultad
E invierte sin temor y con verdad,
Al destino se llega con seguridad,
Con pecho altanero… “

(mote)


(Navio “Amoras”, en viaje por El Duero – XXVII de Junio, de MCDLX)

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