Ana.cat
[Paço da Ribeira, Lisboa]
Ana Catarina encontrava-se mais uma vez sentada num banco de mármore, cuja pedra já começava a mostrar sinais da humidade do último inverno tal a quantidade de líquenes e outros fungos que se apoderaram dele, à sombra de uma antiga árvore a rainha mirava o Tejo num olhar indistinto e vazio de sentimento.
O rio estava particularmente pouco movimentado naquele dia, os navios mercantes eram escassos e só os pescadores rasgavam as águas na esperança de conseguirem o seu sustento diário. Ao longe ouviam-se os pregões do porto e do mercado, no primeiro ainda decorriam as obras de ampliação pelo que as vozes eram maioritariamente rudes, grossas e carregadas de brejeirices, já as do mercado eram estridentes e femininas a anunciar a venda de todo o tipo de mercadorias... alimentos... ferramentas... animais... tudo de excelente qualidade, assim pareciam as vendedoras assegurar.
Ana por momentos fechou os olhos e imaginou-se em criança no meio do mercado de Alcácer do Sal, quase sentia o cheiro característico do Sado e dos seus arrozais. O cheiro forte do peixe acabado de pescar e a ainda "a dar ao rabo" nas redes dos pescadores... sonhou que estava montada sobre o pequeno potro que lhe pertencera quando ainda não era suficientemente crescida para uma égua. Ao seu lado cavalgava um homem idoso de barbas brancas e emaranhadas nelas próprias, estava vestido de negro da cabeça aos pés e o único sinal de cor era um anel com uma pedra rubra que trazia num dedo da mão direita. O idoso dizia-lhe algo, mas Ana não se conseguia recordar e acordou pouco depois. Deu por si a procurar na sua mão direita o mesmo anel com que sonhara. Revirou-o no dedo e observou os seus detalhes no ouro e a pedra com um leão de cauda bifurcada n'ela entalhado.
Colocou de novo o anel no dedo e mirou novamente o horizonte, a sua vista estava bloqueada por uma criada do Paço que varria os caminhos de terra batida do jardim, ficou a observa-la por alguns momentos até que um vulto lhe surgiu no canto do olho, de imediato o encarou, era Eudóxio. Pela sua posição pareceu-lhe que ele já ali deveria estar há algum tempo, com aqueles olhos expressivos e aquela linha da boca que sempre parecia estar a sorrir, embora nem sempre os seus olhos acompanhassem tal expressão.
- Eudóxio... - tentou esboçar um sorriso - Que surpresa... aconteceu algo? - perguntou num tom arrastado como se não tivesse grande interesse em saber a resposta.
_________________
Med pa varvin-me kreiz ar Brezel, interit me e douar santel | Mas se morrer em combate, que me enterrem numa terra bendita