Ana.cat
[Jardins do Paço da Ribeira - Lisboa]
Com o sol quase de Outono a iluminar-lhe as faces e os pensamentos a rainha estava sentada no seu habitual banco no jardim do Paço.
Debaixo daquela árvore mais velha que o próprio palácio Ana Catarina gozava daquele momento de paz... e nada lhe escapava! Desde o cantar dos pássaros que faziam os seus ninhos nas ramos das árvores do jardim, aos pregões do mercado de rua, as brejeirices dos marinheiros e pescadores do Tejo aos cheiros trazidos pela maresia que suplantavam ali os odores menos agradáveis da sobre-lotada Lisboa. Aquela espécie de meditação limpava-a por dentro e de alguma forma o contacto com a natureza e a liberdade (o jardim do Paço era de facto o único local do palácio onde Ana Catarina se sentia verdadeiramente livre consigo própria e com os deveres do seu estatuto) relembravam-lhe a sua terra natal.
Subitamente a Monforte ouviu passos atrás de si, cada vez mais audíveis e desajeitados. Era um pajem.
- Vossa Majestade... aguardam-na para uma audiência... - balbucionou o rapaz identificado com a insígnia real cosida no gibão.
Ana Catarina abriu os olhos e encarou o rapaz com dificuldade, o sol estava-lhe de frente e os olhos não estavam acostumados àquela luminosidade.
- Não me recordo de estar prevista alguma audiência para hoje... - queixou-se num tom algo enfadado e incomodado com a presença do pajem - Ahh... que falta aqui me faz meu primo Eudóxio, maldito seja esse mal de tripas que o tinha atacar... - suspirou.
O pajem fitou-a a medo sem saber bem o que responder àquele suspiro.
- Anuncio que Vossa Majestade se encontra indisposta...? - indagou num tom quase inaudível.
Ana Catarina, já com os olhos acostumados à luz daquele final de tarde procurou a sua bengala e apoiou-se nela.
- Quem é que deseja uma audiência a esta hora?
O jovem pajem, de olhos no chão e com algumas passadas dadas na sua retaguarda - não fosse a monarca dar outro uso à bengala que não o convencional - respondeu desta vez com mais segurança:
- Sua Excelência a Dama Jipdoly d'Assombris, embaixadora da Coroa francesa para o Reino de Portugal - declarou solenemente
A Monforte quase que sentiu o coração parar dentro de si quando escutou o ofício da excelente Dama. Veio-lhe à cabeça alguns momentos da campanha bretã na guerra do Ponant, imagens sangrentas e cruéis que a rainha preferia esquecer ou remeter para uma gaveta bem funda da sua memória. Sentiu as mãos a tremerem-lhe e bengala escapou-lhe dos dedos batendo sonoramente contra o chão empedrado.
- Pois então, não a faça esperar! - a sua voz tremida transmitia algum nervosismo, o que iria dizer à representante de um Reino que, ainda que por pouco tempo, ela ajudou a sangrar? - Acompanhe-a até aqui, não estou em condições de fazer este caminho todo até à sala de audiências...
O pajem fez uma vénia - aproveitando para recolher a bengala da rainha - e desapareceu por entre a vegetação.
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Med pa varvin-me kreiz ar Brezel, interit me e douar santel | Mas se morrer em combate, que me enterrem numa terra bendita
Com o sol quase de Outono a iluminar-lhe as faces e os pensamentos a rainha estava sentada no seu habitual banco no jardim do Paço.
Debaixo daquela árvore mais velha que o próprio palácio Ana Catarina gozava daquele momento de paz... e nada lhe escapava! Desde o cantar dos pássaros que faziam os seus ninhos nas ramos das árvores do jardim, aos pregões do mercado de rua, as brejeirices dos marinheiros e pescadores do Tejo aos cheiros trazidos pela maresia que suplantavam ali os odores menos agradáveis da sobre-lotada Lisboa. Aquela espécie de meditação limpava-a por dentro e de alguma forma o contacto com a natureza e a liberdade (o jardim do Paço era de facto o único local do palácio onde Ana Catarina se sentia verdadeiramente livre consigo própria e com os deveres do seu estatuto) relembravam-lhe a sua terra natal.
Subitamente a Monforte ouviu passos atrás de si, cada vez mais audíveis e desajeitados. Era um pajem.
- Vossa Majestade... aguardam-na para uma audiência... - balbucionou o rapaz identificado com a insígnia real cosida no gibão.
Ana Catarina abriu os olhos e encarou o rapaz com dificuldade, o sol estava-lhe de frente e os olhos não estavam acostumados àquela luminosidade.
- Não me recordo de estar prevista alguma audiência para hoje... - queixou-se num tom algo enfadado e incomodado com a presença do pajem - Ahh... que falta aqui me faz meu primo Eudóxio, maldito seja esse mal de tripas que o tinha atacar... - suspirou.
O pajem fitou-a a medo sem saber bem o que responder àquele suspiro.
- Anuncio que Vossa Majestade se encontra indisposta...? - indagou num tom quase inaudível.
Ana Catarina, já com os olhos acostumados à luz daquele final de tarde procurou a sua bengala e apoiou-se nela.
- Quem é que deseja uma audiência a esta hora?
O jovem pajem, de olhos no chão e com algumas passadas dadas na sua retaguarda - não fosse a monarca dar outro uso à bengala que não o convencional - respondeu desta vez com mais segurança:
- Sua Excelência a Dama Jipdoly d'Assombris, embaixadora da Coroa francesa para o Reino de Portugal - declarou solenemente
A Monforte quase que sentiu o coração parar dentro de si quando escutou o ofício da excelente Dama. Veio-lhe à cabeça alguns momentos da campanha bretã na guerra do Ponant, imagens sangrentas e cruéis que a rainha preferia esquecer ou remeter para uma gaveta bem funda da sua memória. Sentiu as mãos a tremerem-lhe e bengala escapou-lhe dos dedos batendo sonoramente contra o chão empedrado.
- Pois então, não a faça esperar! - a sua voz tremida transmitia algum nervosismo, o que iria dizer à representante de um Reino que, ainda que por pouco tempo, ela ajudou a sangrar? - Acompanhe-a até aqui, não estou em condições de fazer este caminho todo até à sala de audiências...
O pajem fez uma vénia - aproveitando para recolher a bengala da rainha - e desapareceu por entre a vegetação.
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Med pa varvin-me kreiz ar Brezel, interit me e douar santel | Mas se morrer em combate, que me enterrem numa terra bendita