Iago Brais, o trovador de Galiza, realmente tinha uma estrela que o acompanhava ele mesmo reconhecia , o que era a vida (como alguém já dissera), apesar daquel brilho celeste nunca refletir ou incidir tão bem em seus bolsos...
Mas, atentai, o brilho de estrela é inda sim um brilho, de estrela (e não um brilho qualquer): satisfazia-se de estar em tantos lugares onde as cousas mais espetaculares, esplêndidas, e até mesmo nefastas (afinal o raio da luz estelar só acerta, o quê e como, já são outros tostões), aconteciam ou se precipitavam.
Felizmente não se precipitavam sobre sua própria cabeça, dava Iago Brais graças à vida, era um bálsamo que sobre si caíssem apenas pingos das chuvas (talvez algo mais indesejável, rogava que não, das estreitas ruas de Lisboa, quando lá de cima dos edifícios as gentes lançavam montes de... bem, deixemos tais temas para outras ocasiões).
E o galego já estava ali com a aglomeração, adorando ver tudo aquilo, inda que um receio por derramamento de sangue não fosse olvidado naquelas situações, pois conhecia isso mui de perto ali em Galiza do bom norte; em verdade fartava-se daquelas confusões todas de sua própria gente, também aquelas intromissões castelhanas de quando em quando, era terra de pouca paz.
Seus interesses ao momento eram para o torrão lusitano, mas não se descuidava um momento, sua boa preparação nascida das querelas dos barões que arregimentavam, não lhe abandonava (felizmente).
Quando ficou impressionado com os discursos de chamamento e vontade, eis ali algo que poderia mui contagiar.
Guardou palavras da Rainha naquel pronunciamento que perambularam por mui tempo em sua cabeça inquieta...
Quis naquele exato instante, co-participar a inspiração com seu amigo moçárabe Aristarco (ou al-mustarib como aquele se auto-referia em língua estrangeira), até pensava se porventura ele estaria ali, se sim, eis esperança de reencontrá-lo, se não, uma pena, que se poderia fazer.
Foi logo a fazer rimas consigo, que mais tarde ficariam assim n'uma cantiga, efeito do discurso da Rainha portuguesa:
REDONDILHA
Senatus et Vaniloquentia...
Mote
Léguas de comprimento,
Benesse sem aumento.
Voltas
Quem um dia me dirá
Deste chão combalido
Lastimoso de se ver,
Onde mais ocorrerá
Nem Europa saberá
Sobre tal alarido:
Só Portugal a viver.
Os gregos já diziam
Do bárbaro falante
Que nada s entendia.
E aos poucos lá jaziam
Esperanças; não ardiam...
Então como ir avante?
Parlapatório excedia...
Dentro da lusa casa
Que devia mui honrar
Dos anciãos, tradição,
Hoje só bem defasa
Tudo que toca atrasa
Ao conluio vai aferrar,
A amofinar üa nação.
É para deixar cansado;
Lei, código e decreto,
Estatuto e moções.
Co fito abalado
Se não houver cuidado,
Já não faltará o feito:
Legislarão os corações.
Pois quem então rogará
Por um feliz destino:
Oh Céus, dai-me livramento,
Que mui abençoará,
Sem ficar a Deus dará
À mercê do ladino e...
Vago som, do Parlamento...
O pior é que na época em que tudo se deu, mal soubera do que se falava adentro das portas do Parlamento sobre os problemas que as gentes levantaram em praça, afinal tudo lá dentro parecia calado entre os Parlamentares, exceto uma ou duas almas mais sensíveis, eis aí algo dissonante que fazia o bardo galego passar por mentiroso com sua trova da vaniloquentia oratoris; Iago Brais nunca mais deixaria de praguejar com o Parlamento lusitano em seu íntimo, por desafiar assim sua trova sem que houvesse para si uma boa defesa...
Por outro lado, já se ria consigo a prever assim que encontrasse seu amigo dArte, a expressão de Aristarco com aquelas cousas de maldizer e escárnio que tanto o galego apreciava: o mustarib balançaria a cabeça abaixada negativamente, colocando uma mão à testa e balbuciaria qualquer ruído ininteligível.
Mas por um momento de introspecção o próprio trovador galego se viu surpreendido: era-lhe difícil a vida em Galiza, mas também em Portugal, já andava com dificuldades de estabelecer um que destas cousas todas que não lhe entravam à razão, talvez Aristarco o ajudasse na lógica.
Por raríssimas vezes, acerca de seu próprio temperamento mui franco e aberto, experimentou uma ponta triste dentro do peito.
Mal sabia que Aristarco não estava longe, e inda mais, mui bem acompanhado com um outro distinto poeta, o mais novo irmão dArte a usar brilhantes palavras dum palrar acerca de cousas de registros daquel acontecimento singular, um dia para não se esquecer nas cantigas e poesias.
Talvez a pontada ao peito fosse um prenúncio, quem há de saber...
Pois repentinamente, fez-se um tumulto. Nas imediações de Sua Majestade, um alvoroço, gritos, comoção, agitação e algum desespero; algo grave ocorrera, não sabia dizer o galego, pois sua posição não lhe favorecia mui bem.
Era um dia inesquecível, seria um dia para guardar na memória, mas não apenas por conta do movimento que se dava em frente das portas do parlamento, mas um outro, também defronte, um grande golpe do destino inusitado...