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[RP] Ateliê - A Donzela Tecelã - tecendo sonhos...

--Fiandeiras


- Acho que o senhor está mesmo mal. Não diz nada que faça sentido e está suando.

André ia dizer suando feito um porco, mas se conteve. O mestre era sensível demais e ia acabar se ofendendo. Ele pensou em sair já, mas ainda insistiu em perguntar.

- Coisas estranhas? Ninguém aqui faz coisas estranhas. Do que o senhor está falando?Veneno? O senhor está mesmo delirando.
--Gennaro
O mestre levantou o sobrolho perante as afirmações de André.

- Delirando? Não estou, não estou. Elas têm-te dominado. Estarás já tu perdido? - Aproximou-se do rapaz, segurando-lhe o rosto com uma mão e obrigando-o a encará-lo. - Estarás também tu envenenado? Eu mato aquele prior, mato-o.

Largou o rosto do miúdo e sentou-se na beirada da cama.
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--Fiandeiras


O rapazinho olhou para o mestre com uma expressão confusa. Estava achando que o senhor Gennaro era completamente louco de pedra. Como Beatrix podia aprender algo com um doido daqueles? Sua vontade era sair dali correndo, mas o menino ainda perguntou-lhe.

- O senhor ainda quer algo? Se não vou descer.
--Gennaro
Gennaro pareceu desalentado ao ver André dizer-lhe que queria descer. Os seus ombros estavam descaídos e o seu olhar vago.

- Não devias descer, rapaz. - Encolheu os ombros discretamente. - Faz como te aprouver, mas tem cuidado com essas mulheres.
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--Fiandeiras


- Cuidado? Elas que tem cuidado de mim. Todas são muito boas e gentis comigo. E o senhor é um bocado estranho.

André diz, não gostando muito que o Gennaro fale assim da sua mãe e das suas parentes e amigas.
--Gennaro
Gennaro pareceu ficar ainda mais perturbado com aquela mostra de gratidão e afectividade de André para com as mulheres da casa.

- Boas e gentis? Meu rapaz, meu rapaz, vejo que já te controlam! Foge delas enquanto é tempo! Não tens um pai?
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--Fiandeiras


- O senhor vai me desculpar, mas o senhor é maluco. Eu tive um pai sim, mas ele morreu em um assalto na estrada quando eu era menor. Eu tinha entre cinco e seis anos mas me lembro bem. Morreu ele e também meu tio e o meu avô. A minha prima Clotilde também perdeu o pai dela. Foi muito triste, pois além de perder nossos pais e o nosso avô, também ficamos em uma situação muito difícil pois perdemos todo o nosso dinheiro. Passamos muita necessidade, mas a minha avó e a minha mãe trabalharam muito para nos sustentar. A Beatrix também ajudava como podia, trabalhando no convento. Ela podia ter nos expulsado e alugado a casa para outras pessoas que podiam pagar, mas não o fez e ainda nos ajudou. Eu seria muito malvado se fosse tão ingrato assim.

André diz isso ao senhor Gennaro, sério.

- E o senhor, não tem mãe? Ninguém que tenha cuidado do senhor com carinho e atenção? Não tem irmãs?

Ele pergunta curioso, sem entender como o homem pode ter tanta raiva de mulheres.
--Gennaro
- Maluco? - Indagou Gennaro algo exaltado. - Não sabes o que dizes rapaz, não sabes.

O mestre italiano abriu a boca para continuar com a troca pouco dissimulada de insultos, mas felizmente foi travado no momento certo. O pequeno André havia perdido o pai. Um assalto na estrada com um desfecho trágico privara o rapaz do amor paterno e Gennaro compreendia perfeitamente a dor de perder um pai. Ele mesmo ficara destroçado com a morte do seu.

- Lamento muito o que te aconteceu, rapaz. - Disse-lhe numa voz baixa e algo inusual, pois não era muitas vezes que o mestre italiano sentia aquele tipo de compaixão. As saudades de Elaro, seu pai, tornaram-se, naquele momento, tão vividas quanto a memória do dia em que o perdera. Havia transtorno e sofrimento no rosto do mestre.

Os sentimentos de pesar rapidamente se transformaram numa raiva cega quando André perguntou pela sua mãe. Segundo Elaro lhe contara, a sua mãe, Geonna Pezzano, fora uma mulher extremamente bonita e que porventura nunca desejara o nascimento de um filho em idade tão precoce. Infeliz com a gravidez e ansiosa por viver a liberdade que um filho a privaria, Geonna partiu num navio mercantil poucos dias depois do nascimento do pequeno Gennaro. A rejeição da mãe e a tristeza do pai ao perder a mulher que amava de forma tão ignóbil motivaram o ódio cego do mestre italiano às mulheres.

- Não, rapaz, não tive uma mãe. Nem irmãs. - Respondeu simplesmente, esperando que aquela parca resposta fosse suficiente para o rapaz. Aquele assunto incomodava-o profundamente e Gennaro estava a fazer um esforço descomunal para não perder o controlo das suas emoções.
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--Fiandeiras


- Sinto muito, senhor Gennaro, talvez por isso tenha uma imagem tão ruim das mulheres, o senhor nunca viveu com elas. Mas vai mudar de ideia aqui, tenho certeza.

Ele disse e sorriu gentil, realmente acreditando nessas palavras.
--Gennaro
Gennaro encolheu os ombros, deprimido demais para ripostar aquela sugestão.

- Talvez, rapaz.

O mestre italiano levantou-se da cama e pegou na garrafa de vinho que André trouxera, abriu-a e bebeu um longo trago. O vinho tinha um sabor frutado agradável, mas a Gennaro bastava saber que mais alguns goles e poderia até esquecer a lembrança que agora o flagelava.
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--Fiandeiras


- Bom almoço para o senhor.

André diz, despedindo-se do mestre. Notou-o pensativo e talvez fosse melhor deixá-lo sozinho. Ele desceu as escadas para almoçar com sua família.
--Gennaro
Gennaro ergueu o olhar para André enquanto este se afastava.

- Obrigado, rapaz.

O mestre tinha um ar desalentado e parecia ter esquecido por completo as provocações femininas que alimentaram os seus sonhos. O cheiro a flor de laranjeira já não o importunava e parecia-lhe pouco relevante que aquela comida tivesse sido preparada pela mulher que o perseguira nos sonhos. Agora, era somente a imagem da sua mãe que o mortificava.

Segurando a garrafa do vinho, levantou-se e ocupou um lugar à mesa. A refeição tinha um cheiro agradável e, apesar do seu estado de espírito sombrio, Gennaro deu por si a saborear aquela refeição, por sinal bastante mais saborosa do que as que eram servidas na Estalagem de Alcácer do Sal. Além de que o quarto em que se encontrava era bastante mais silencioso e confortável. Nem tudo poderia ser mau.
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--Fiandeiras


Depois de deixar o mestre Gennaro, André desceu para almoçar. Foi lavar as mãos e sentou-se à mesa. Cada um dos presentes agradeceu a comida a sua maneira. Quem seguia a fé aristotélica e os ensinamentos de Christos e do profeta de Estagira fez suas preces a Jah, quem seguia a fé druídica agradeceu em honra à natureza e aos deuses e deusas pela generosidade da Terra.

Após as preces cada um serviu-se da saborosa refeição. André estava pensativo e sentia dó do pobre homem que não teve mãe nem irmãs.

Beatrix estava calada, pensando se fizera a escolha certa em trazer Gennaro à sua casa, e o que havia acontecido no porão que provocara aquela situação assustadora. Enquanto comia e bebia o vinho ela lembrava-se de pequenos ruídos aos quais não dera importância. Seria aquilo um sinal? Estaria sua casa amaldiçoada? Depois com calma ela falaria com Laurinda e Atília em particular sobre aquela situação, pois não queria assustar as crianças.
--Gennaro
Depois de ter almoçado, Gennaro permaneceu sentado na rígida cadeira de madeira, segurando a garrafa de vinho numa mão e olhando transtornado para a cama. Os lençóis estavam revoltos e a colcha meia caída no chão. Estava consumido pela rejeição materna e se a tal se permitisse, Gennaro teria chorado, ao invés consolou o espírito com aquele vinho, esquecendo por completo como aquela atitude era incorrecta. Empurrava cada pensamento amargurado com um gole e repousava a cabeça dolorida sobre a mão que estava livre. Podia ter-se deitado, encolhido o corpo no colchão macio e adormecido para o doce oblívio, mas o medo de voltar a sonhar com mulheres também o castigava.

Os minutos passaram e a garrafa chegou ao fim.
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--Fiandeiras


Logo a tarde passou e anoiteceu, sem que Gennaro se desse conta. Ele tornou a ouvir batidas na porta.
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