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[RP] Ateliê - A Donzela Tecelã - tecendo sonhos...

--Gennaro
Depois da sua pupila ter terminado de falar, o mestre italiano disse:

- Assim como Beatrix, desconheço tal mecanismo. - Fez uma breve pausa, pensando uns instantes. - Não revelei o propósito da minha partida a ninguém, prior. Da minha boca nenhuma palavra saiu.
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Beatrix_algrave


- E os outros teares? Será que também tinham mecanismos? Não seria bom examiná-los? Eles são bem mais pesados que esse para o manuseio. Ainda estou curiosa sobre o tipo de mecanismo que seria capaz disso. Independente das aulas com o mestre, não é segredo que nesse porão funciona o meu atelier, a fiação e a tecelagem. Houve muito fluxo de empregados para a reforma e para trazê-los aqui. Talvez não quisessem assustar o mestre e a mim, mas talvez somente a mim e a minhas associadas.

Beatrix concluiu. Sobre a presença do mestre ela imagina que a chegada dele a cidade em si já atrairia atenção por ser um estrangeiro. Suas amigas foram comunicadas da presença dele, assim como André e também sua prima Eduarda. Ela no entanto não desconfia de nenhum deles.

- Só não imagino com que propósito.

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Yochanan


- Muitas vezes as próprias sombras possuem sombras mais profundas, senhorita Algrave. - disse o Viana numa voz baixa e enigmática. - Imagino que a experiencia que tiveram aqui com os teares se deveu à intervenção de alguém que ainda desconhecemos, mas não menos humana que eu ou vocês. - ponderou buscando com o olhar a janela que servia de ventilação para aquele espaço. - lhe recomendo que ponhas uma grade naquela janela, assim impedirá que desconhecidos entrem a roubar-lhe os preciosos fios que guardas aqui. - Ele propositalmente evitava mencionar os outros teares que não haviam sido manipulados pelo invasor.

Acredito que agora aceitaria uma xícara de chá senhorita. - encerrou o assunto dos teares. - e talvez a senhorita possa me contar a origem do curioso apelido de vossa casa. - sugeriu com um suave sorriso.

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--Gennaro
A Gennaro, a proposta de Beatrix pareceu bastante adequada. Qualquer homem no seu perfeito juízo amaldiçoaria uma casa onde apenas viviam mulheres em plena comunhão com o pecado. Portanto, não seria de estranhar que aquela situação tivesse desagradado a algum dos empregados que auxiliaram nas obras e na instalação da fiação e tecelagem. Se o mestre italiano tivesse feito parte da equipa certificar-se-ia que aquelas megeras receberiam um susto capaz de lhes expulsar o diabo do corpo.

Estava tão absorto naqueles pensamentos que pouco lhe importava o mecanismo que teria sido utilizado para desencadear o bater do tear. A possível invasão da casa por estranhos parecia-lhe coisa pouca quando encarava a sua pupila e via as chamas do inferno reflectidas nos seus olhos verdes e traiçoeiros. Por efeitos da bebida ou somente da sua imaginação fértil, talvez de ambas, o mestre italiano chegava mesmo a vê-la envolta por labaredas tão rubras quanto a cor do seu cabelo.

Com toda aquela azáfama mental, mal prestou atenção à conversa que se desenrolava entre Beatrix e o prior da Ordem de Azure. Despertou a tempo de ver o sorriso que se desenhou nos lábios do prior quando pediu uma xícara de chá. Teve vontade de gritar e implorar para que o homem à sua frente não sucumbisse aos encantos demoníacos daquela mulher, teve vontade de bater com o pé no chão e fazer-se ouvir, espumar pela boca como um cão raivoso, embirrar tal e qual uma criança que é contrariada, mas limitou-se a expressar um ruído de desagrado.

- Uma xícara de chá vinha mesmo a calhar. - Reiterou sem grande convicção. Ou uma garrafa de vinho, pensou.

Gennaro não conseguia imaginar um inferno pior do que aquele.
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Beatrix_algrave


- Por favor, me acompanhem então. Vou preparar um bule de chá, enquanto isso, vou contar tudo que me disseram sobre a casa antes de comprá-la.

Ela diz e convida o prior e o mestre Gennaro para deixarem o porão e a acompanharem até a cozinha. Onde ela fará o chá e atenderá ao pedido do prior.

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Yochanan


Com um movimento da mão o prior indica a Gennaro que saia antes que ele e logo após a dona da casa. Uma vez que ambos estiveram fora, o prior fez uma ligeira vênia ao ambiente vazio antes de se retirar e reunir-se com o mestre italiano e a jovem aprendiz.

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--Gennaro
Ao sinal do prior, Gennaro seguiu Beatrix até à cozinha. Tentou não pensar no quão chateado se sentia, desde que o prior chegara a sua situação apenas piorara. Nem podia reclamar à vontade com a sua pupila.
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Beatrix_algrave


Como a lenha já estava acesa, foi só questão de colocar a chaleira com água ao lume e esperar ferver. Isso não demorou muito, então Beatrix abriu o pote de loiça onde guardava as ervas que seu irmão havia lhe presenteado e encheu um infusor com as ervas. Pôs a água quente, cuidadosamente em um bule de porcelana pintada e abrindo a tampa superior, colocou o infusor dentro do bule. Enquanto a infusão se fazia, ela foi colocando as xícaras sobre a mesa. Queria servir um chá fresco e quente e não o que tomara antes, que já estava completamente frio.

Enquanto esperava a infusão ficar pronta, Beatrix comentou.

- Depois de pensar um pouco, lembrei-me de outros detalhes. Eu já havia escutado alguns barulhos na casa, mas julguei que seriam apenas as escadas e o mestre Amatucci queixou-se de uma estranha aragem lá embaixo, quando não havia nenhuma janela aberta. Minhas associadas também relataram algumas coisas como potes que se quebram sozinhos e barulhos estranhos. Não dei contudo nenhuma atenção a isso, pois casas velhas, mesmo reformadas são barulhentas, madeiras de pisos e escadas rangem, enfim. Nada com que se alarmar.

Ela faz uma pequena pausa, e após remover o infusor do bule, serve o chá nas xícaras, primeiro para o prior, depois para Gennaro e por último se serve.

- Não quiseram me contar muita coisa. Ou por não saberem ou por não quererem me assustar, como se isso fosse possível...Mas todos aqui na vizinhança comentam que a casa foi assim chamada por ouvirem barulhos vindos dela durante a noite. Algo como gritos, gemidos, pancadas. Ao menos foi o que me disse a vizinha da frente, a senhora Lourença, e a criada dela, chamada Marieta, que foi a pessoa que me indicou o dono da casa. Ela fez questão de dizer que poderia ser apenas algum animal, ou então vagabundos que usavam a casa como dormitório, por estar abandonada. Ela contou que a família havia se mudado há tempos, e que só sobrara um descendente que também não morava aqui. Não cheguei a conversar com o dono da casa, pois quem tratou de tudo para mim foi Arnold, o meu primo e guardião de Nicole.

Lembrar-se que a casa fora comerciada por Arnold e com a ajuda de Nicole, só trazia-lhe lembranças ruins. Por isso Beatrix fez uma pausa e tomou um gole de chá.

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Yochanan


Yochanan tomou um gole de seu chá enquanto escutava as palavras da jovem aprendiz de Gennaro. Os acontecimentos naquela casa realmente indicavam que havia algo mais ali, que algo ainda permanecia ali, a sombra de algo muito traumático que havia ocorrido naquela casa.

- Sabes qual era o nome do anterior dono senhorita Algrave? - perguntou o Viana e assentiu para a resposta. Após isso terminou seu chá em pensativo silêncio. Pousou a xícara na mesa e se levantou. - Senhorita, obrigado pelo chá. Maese, lhe encarrego novamente o aprendizado da senhorita Algrave, e lembre-se o tempo corre então sugiro que utilize de todos os vossos saberes para ensinar-la bem. A viagem de vocês já começou, não devem perder mais tempo. - concluiu com um tom terminante. - Se em algum momento acharem que necessitam de algum outro lugar para poder seguir com o aprendizado, façam-me-lo saber e providenciaremos. - disse já se dirigindo à porta. Então sem qualquer outra palavra ele saiu com a certeza de que no futuro retornaria ali por causa de um mistério muito maior que teares que se movem sós...

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--Gennaro
Gennaro observou com relativo desinteresse a preparação do chá, mas prestou atenção às palavras da sua pupila que apenas vieram adensar o mistério em torno daquela habitação. Para o mestre italiano não havia qualquer dúvida: uma presença sobrenatural residia entre aquelas paredes, disposta a atormentar os incautos habitantes e atormentá-los pelos seus pecados.

Bebeu do chá quando este foi servido, queimando um pouco a língua e a garganta, mas parecendo não se importar. Agradou-lhe que Beatrix se tivesse servido por último, pois aquele era o seu lugar. Entre goladas de chá a sua pupila esclareceu mais alguns pormenores. O passado sombrio da casa, avivou as suspeitas de Gennaro. Uma presença maligna vivia entre eles. Talvez sugerisse à ruiva que um padre ou outro sacerdote fosse chamado ali para uma cerimónia de purgação.

O prior não se voltou a pronunciar sobre aquele assunto. Todavia, advertiu-os para a importância de continuar a aprendizagem.

- Tem a minha palavra, prior. Ensinarei tudo aquilo que sei a Beatrix. - Disse da forma mais solene que um bêbedo alguma vez conseguiria alcançar.
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Beatrix_algrave


Beatrix apenas atentou para a pergunta do prior, ela sequer prestou atenção na expressão do mestre Gennaro, sempre rabugento. Particularmente ela não gostava que ele a chamasse Beatrix, ela preferia a forma como era tratada pelo prior, como senhorita Algrave, pois soava bem mais formal e respeitoso. Normalmente só amigos a chamavam de Beatrix, ou mesmo Bea, que era ainda mais afetuoso. Seu nome pronunciado por mestre Gennaro tinha um tom de desdém. Era com desdém que ele a olhava quando ela lhe servia o chá. Ele sempre parecia confundir educação e gentileza com subserviência e humilhação, e isso a desagradava. Talvez ele nunca tivesse lidado com pessoas com um mínimo de trato.

Ela resolveu deixar isso de lado, e simplesmente responder ao prior, a quem respeitava e admirava.

- O nome do dono era Manuel Martins, mas agora recordo de que o senhor Arnold disse que tratou não com ele mas com um advogado que fez de fato a venda, o sobrenome dele era Tarquínio.

Ela disse e ao notar que o prior se despedia, acompanhou-o até a porta.

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--Gennaro
Gennaro acompanhou a sua pupila e o prior até à porta, mantendo uma expressão séria e tentando não perder o equilíbrio de cada vez que o chão balançava sobre si. Não chegara a pensar qual seria a próxima etapa do treino de Beatrix e, com aquela bebedeira, qualquer pensamento mais complexo exigia-lhe uma força descomunal.
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Beatrix_algrave


Após a partida do prior, Beatrix viu o estado de mestre Gennaro. Ainda que ele procurasse manter-se firme e em pé, era notório que ele não estava bem.

- Mestre Gennaro, o senhor precisa repousar. O chá que tomou vai fazer-lhe bem, mas precisa cuidar-se.

Ela disse preocupada, pois se ele adoecesse, lá ficaria ainda mais tempo. E depois ele estava em sua casa, e seria cuidado enquanto isso.

- O seu quarto será limpo e poderá tomar um banho morno e deitar-se. O descanso lhe fará bem. Vou providenciar um almoço leve, uma sopa.

Beatrix diz ao mestre e trata de providenciar esses cuidados antes que ele venha ralhar com ela e descontar o mau humor da ressaca na tecelã.


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--Gennaro
Gennaro arregalou os olhos perante as palavras da sua pupila, pois mesmo no estado em que se encontrava aquele tipo de preocupação era-lhe estranho. Subitamente, não sabia o que fazer com a raiva, o ódio e todas as congeminações que inventara acerca de Beatriz e das suas companheiras na sua mente carente de afecto feminino e incapaz de valorizar uma mulher. O que mais o chocava era o facto daquela preocupação ser genuína, desarmando-o de todas as suas armas habituais.

- Muito obrigado, pupila... - Disse numa voz baixa e meiga que em tudo contrastava com a habitual.

Precisava de sentar-se, sentia-se tonto e confuso e aquele não era um dos efeitos da ressaca. Dirigiu-se a uma das cadeiras da sala e assim o fez, repousando a cabeça sobre as mãos.
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Beatrix_algrave


Tudo foi providenciado para que o mestre Gennaro pudesse repousar e se restabelecer.

Seu quarto estava limpo e arrumado, havia um banho preparado, com toalhas limpas e uma cama feita. Nela estava uma colcha mais simples, em vez da bela colcha que havia antes, estava uma mais simples de tecido de linho.

- O senhor pode retornar para os seus aposentos e descansar o tanto que desejar. Mais tarde o André vai levar-lhe a sopa. Deixei uma bilha de água fresca sobre a mesa para que possa beber o quanto precisar.

Ela disse, indicando que ele poderia voltar para o quarto.

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