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Aforas da Cidade do Porto - Paço dos Arcanjos

Bakita


Não houve outra alternativa. Sorento e o Guarda ficaram do lado de fora. O criado entrou e começou a descarregar, ajudado por um guarda. Terminando, saiu a andar por dentro do paço. Em seu passo esgueiro, se dirigiu ao aposento onde se encontravam o Senhor, sua filha e o convidado. Quando mostrou novamente a moeda ao guarda da Porta, recebeu um ríspido passa-fora.

-A quem está pondo para fora, meu rapaz? - O criado retirou o capuz que lhe cobria a cabeça. A barba crescera nos últimos dias, mas os olhos e a espada com pomo de sereia eram inconfundíveis. Sob o manto surrado, uma combinação de calça, camisa e botas negras , e um colete cor de esmeralda com arabescos dourados que se entrelaçavam formando flores de lis sobre o peito.

Entrando no salão onde estavam Yochanan, Celestis e Guido, falou em tom calmo, suficiente para atrair a atenção destes.

-Senhor, as roupas da moça foram entregues. E se me permite dizer, a cerveja que serve aos visitantes tem gosto de barro.

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Celestis_pallas


Ao ver que era John Rafael, Celestis corre em sua direção para abraçá-lo:

- Primo, que saudades tinha eu de ti!

Abraçava-lhe apertado, como há muito não fazia, nem quando morava no Solar! Entretanto, ao ouvir o disparate sobre a qualidade da recepção do Paço, afastou-se e permaneceu inexpressiva, um pouco surpresa com a rudeza do comentário. Temeu dizer qualquer cousa, com receio de iniciar uma fagulha de discussão entre tio e sobrinho. Só queria mesmo que todos sentassem-se e confraternizassem como uma família feliz!

Depois de um vazio de silêncio que se instalara no recinto, proferiu:

- E então, John? Peça desculpas a teu tio, isso é modo de se tratar um anfitrião?

Ainda pensava que atenuava demais as falhas do primo. Mas, não queria promover discórdias...preferia ficar imparcial.

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Yochanan


Yochanan pouco caso fez das impertinencias de seu sobrinho, e se limitou a dizer com a voz vazia e sem olhar para o sobrinho a quem a filha abraçava- Até que enfim resolvestes unir-te a nós sobrinho. O papel de criado mudo não lhe senta bem, mas, ainda tens que aprender a medir mais tuas palavras, ou algum dia terás de aprender a comê-las. - e voltou então a atenção ao pão ázimo com queijo e à cerveja que tinham por ceia naquela noite.
Bakita


Um sorriso frio surgiu entre os lábios de John. Desconversou.

-E então Celestis, quando vais ao solar? Tem lá um cão que acho que lhe pertence. Anda muito murchinho, esperando que retorne, estirado no chão por onde quer que passo. Se eu fosse a dona dele iria correndo buscá-lo, antes que ele adoeça e morra, como os gatos.

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Yochanan


Os dias se passaram com serena celeridade após aquela noite tumultuada que culminou com a saída de seu sobrinho. As chuvas substituíram as neves a medida que se ia aproximando os idos de março e com ele o equinócio de primavera, quando as sombras do inverno se afastavam e uma nova luz dadora de vida brilhava.

Os dias que se passaram trouxeram poucas novidades, e naquela calma benéfica, o Prior descansou o corpo e a mente, em breve teria lugar o Grande Concílio e deveriam ser tomadas decisões importantes. Mas observando o raiar daquele novo dia desde o alto da colina, esse momento parecia longínquo para o Prior. O ar frio da manhã enchia seus pulmões, enquanto a luz do sol nascente se refletia em mil e uma gotas de orvalho que a noite havia depositado sobre as plantas.

Naquele dia o Prior não vestia o longo manto negro, característico da Ordem, mas a túnica branca com o escudo familiar bordado no peito, e a capa de um azul celeste a um lado e vermelho ao outro. Braçais de couro entrelaçado, um cinto largo e botas de couro compunham o trajar do Viana, e em suas mãos o longo bastão de freixo, lhe servia de apoio.

Os cabelos, certa vez aloirados na juventude, escurecidos pelo tempo, se moviam com o vento matutino. Com o olhar perdido no horizonte e o pensamento longe, o Prior foi retornado ao presente pelo latido de um cão que muito se parecia a um pequeno lobo. De pelo branco e marrom claro.

- Ahh és tu Flocos. - Disse o Viana colocando o joelho no gramado, e acariciando o cão atrás das orelhas. Era o cachorro de sua filha que ela havia ido buscar logo no dia seguinte à visita do primo, e desde então o animal era o mais novo membro daquela casa. Pelo tamanho o Viana calculava que devia ter uns dois ou três anos de idade, e não saia de perto da filha. Em seus olhos havia inteligencia, e lealdade. Isso era bom.

- Então se você está aqui, isso quer dizer que a sua dona não deve estar muito longe não é mesmo? - continuou falando com o cão enquanto esperava a sua filha terminar de subir a colina.

Junto a si, sobre o meio muro que restava ali, de alguma construção menor da propriedade, possivelmente da época de glória da Villa, estavam os embrulhos que o Viana havia trazido do Porto tantos dias antes, vindo de Alcobaça; mas que com os acontecimentos recentes pouco tempo e ânimo lhe havia restado para abrir-los.

Na ceia da noite anterior, havia pedido que a filha o encontra-se ali ao sair o sol, e a presença de Flocos, anunciava sua chegada.
Celestis_pallas


Celestis Pallas subia o morro munida de uma bela sombrinha da cor dos céus matutinos, um pouco cansada, talvez. Ofegante, já não tinha muita disposição nem para suspender a saia, Flocos havia tomado a dianteira e estava sob os afagos de seu "avô" humano Yochanan!

- Perdoa-me a demora! Ai, como me cansa! - abanava-se com as mãos.

O clima já havia esquentado um pouco, o suficiente para Celly decidir estrear seu novo adorno azulzinho. Juntou-se à Flocos e seu pai formando um belo retrato. Decidida a sentar-se sobre a grama, assim o fez, sem claro, tomar um banho com as lambidas de seu fiel amigo!

Desviando-se um pouco da lambição, indagou a seu pai:

- E então, quais as novas?

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Yochanan


Desde o alto da colina, Yochanan viu a filha aparecer no caminho, ali onde ele fazia uma curva desde que partia da Villa até aquele que era o ponto mais alto da propriedade.

Ao norte se estendiam os bosques, e ao oeste se podiam ver vários campos, com telhados espalhados aqui e ali, e além destes a franja brilhante do mar. Ao sul e ao leste, a vista ia da cidade do Porto às Serras e além até as terras castelhanas.

Yochanan sorriu ao ver sua filha, e assentiu ao ouvir suas desculpas, ela ainda não sabia, mas esta poderia ser a última vez que a veria em um longo tempo. Naquele mesmo dia ele partiria. Mas antes haviam outros assuntos que tratar.

- Filha minha - lhe disse apoiando-se no muro onde repousavam os pacotes. - Tenho aqui algo que nos foi enviado desde Alcobaça, por uma grande amiga, e achei que deveríamos abrir juntos estes presentes. - Disse estendendo-lhe a carta ainda lacrada com o selo da Condessa de Castanhede e que acompanhava os embrulhos, e o embrulho menor que acabava de retirar do pacote que unia os dois embrulhos e a carta.

Na carta lia-se:
Quote:
Alcobaça, 12 de fevereiro de 1461

Às mãos do Prior Yochanan Viana.

Meu velho amigo,

Mal pude acreditar em sua volta depois de tanto tempo afastado de Portugal. Fiquei muito feliz em revê-lo no casamento dos meninos John e Fllora. Infelizmente nem naquela ocasião, nem na fatídica luta por uma Portugal mais justa, em que voltei a encontrá-lo, pudemos conversar. Fico triste, porque após tantos anos...quase 15 anos...acredito que exista muitas novidades [e também algumas histórias já antigas] a serem contadas.

Esteve aqui algumas semanas atrás o jovem Carmelo, filho de Aizek. Aizek...meu amigo e afilhado Aizek...há tanto não sabia dele. Cheguei a, tristemente, pensar que Jah o tinha levado do nosso convívio. Carmelo disse-me que veio até Alcobaça trazer os presentes a mim e Rhyannon, enviados por Aizek, com seu consentimento pessoal. Agradeço o gesto, amigo. Os presentes são lindos e ficamos muito contentes pelo carinho.
Hashmal, o belíssimo cavalo dourado que me foi presenteado, está cada dia mais à vontade comigo. Nossa ligação é tão intensa, que consigo compreendê-lo só com o olhar.

E Cellestis? Acredito que seja moça feita a essa altura, apenas um pouco mais jovem que minha Rhyannon, que completou 18 anos há cerca de um mês. No casamento cheguei a vê-la de relance. As feições da menina, lembram as suas, embora com o toque sutil de Sarah.

Bom, não quero alongar-me. Junto desta carta envio dois pequenos mimos. Um dos pacotes é seu, espero que o agrade, acredito que seja uma capa apropriada para a honraria de um Prior. A seda azul escura foi trazida da França e mandei bordar o escudo dos Viana em fios de prata. A minha parte favorita, no entanto, é o colar de prata trabalhada usado na frente para segurar o tecido nos ombros...e ficou espetacularmente bonito. Forte e representativo, mas com uma riqueza de detalhes surpreendente - foi feito por um ourives espetacular, todas as minhas joias são confeccionadas por ele. É um senhor já bem idoso e extremamente sábio, acredito que vocês dois teriam muito para conversar. O segundo embrulho é um presente para Cellestis: trata-se de uma pulseira de prata com pequenas safiras talhadas. Peço que entregue à menina, por mim.

As obrigações cotidianas da Casa do Povo de Alcobaça me impedem de deslocar-me até o Porto para visitá-lo e levar os presentes pessoalmente, velho amigo. Meu amado marido viajou para o Condado do Norte alguns dias atrás, mas não pude acompanhá-lo. Tão logo me afaste dos deveres políticos, espero poder fazer-te uma visita. E você, é claro, sinta-se convidado à visitar-nos quando puder. Nossa casa está sempre de portas abertas para pessoas queridas.

Com carinho,
Amber de Camões e Flandres
Condessa de Cantanhede"


Depois de desembrulhar o presente a ele destinado, voltou a dobrar a fina capa com grande cuidado, e embrulhou-a novamente nos panos que a protegeram todo este tempo. Neste momento um dos irmãos ali apareceu, quase que por arte de mágica, ou era que ele já se encontrava ali sem ser visto? Envolto em suas negras capas apenas fez um gesto ao Prior e lhe disse - Já é hora meu senhor Prior.

- Agora vou, obrigado Irmão Bernardo.

e tão sutilmente como aparecera, o irmão agora havia desaparecido da vista, tendo regressado à Villa.

- Filha. - Disse Yochanan chamando a atenção da menina - Hoje parto novamente. Não espero que entendas o porque de minha partida, mas lhe juro que voltarei assim que me for possível. Se quiseres neste tempo, podes continuar a morar aqui no Paço, ou ir morar com tua tia, como quando eras mais jovem. Dimas ficará encarregado do Paço, até o meu retorno, e enviarei cartas sempre que puder. Guarde isso para mim, sim. - terminou de dizer com um sorriso entregando-lhe o embrulho que continha sua capa nova.

E sem dizer muito mais, afegou a cabeça de Flocos, e depositou um beijo demorado na testa da filha, uma única lagrima lhe escapou dos olhos e foi terminar na suave pele da filha.

Ataviado para a guerra como estava, desceu a colina e logo ali onde o caminho fazia uma curva, doze cavaleiros lhe esperavam com Itzal seguro das rédeas. E assim, dedicando-lhe a filha um último olhar, montou e a galope desceram todos, cruzando os portões e tomando o caminho ao sul até o Porto, e daí bordeariam o rio até Lamego de onde cruzariam até Viseu e então seguiriam para leste até Guarda e além até as terras castelhanas.












Celestis_pallas


Celly logo tratou de perguntar quem havia enviado-lhes a carta. Certamente Yochanan deixaria que sua filha lesse, mas Celestis preferiu ouvir do próprio pai, que possuía uma dicção pomposa e limpa da qual ela gostava muito. Feito um verdadeiro trovador, Yochanan praticamente recitou a carta, ou pelo menos, era o que soava a seus ouvidos! Amber, Condessa de Cantanhede, queria saber notícias daquela simpática e "eriçada" família.

Também havia embrulhos, uma capa que caíra perfeitamente bem em seu querido pai e uma elegante pulseira...ah, a pulseira! Encrustada de safiras, tão azuis quanto o mar que se via ao último plano daquela colina! Yo logo tratou de ajudar a menina a vesti-la e parece ter sido feita para ela, nem muito larga, nem muito apertada, nem grande demais, nem fina demais. Era de um bom gosto admirável!

- Agradeça a condessa por mim, papai! Essa pulseira, ela brilha tanto! Só não deve brilhar mais do que meus olhos neste instante!

A menina gostava mesmo de presentes e era muito fácil conquistar sua simpatia assim, não que uma boa e humilde conversa não a conquistasse, mas Celestis admirava muito aqueles que se dispunham a fazer um agradinho.

- Agora, quero saber: por que Condessa de Cantanhede? Que lugar é esse? Parece ser um nome misterioso...

Fantasiosa, deveria estar a pensar em ilhas, grutas e coisas do tipo quando um dos cavaleiros da ordem arrebatou-lhe seu pai. Palavras duras, confusas, coisas que ela não gostava de ouvir, ficaram impregnadas em forma de um fio d´água preso à maçã esquerda de seu rosto! A acenar, Celly estava envolvida num turbilhão de sentimentos confusos! Decidiu, porém, que dessa vez seria forte e que não choraria. Abraçou seu cão, Flocos e sussurrou-lhe:

- Nós não iremos esmorecer!

Ainda muito confusa e desorientada, desceu a colina com o triplo de velocidade que levara para subir e foi até um galpão onde as melhores armas eram forjadas e penduradas numa grande tabuleta. Seu punhalzinho, presente que John lhe dera para proteger-se de saqueadores, era um brinquedo diante daquelas espadas! Seu rosto, refletido nas lâminas, aparecia entrecortado e com uma expressão quase desfigurada, num misto de medo e pavor.

Tomou uma delas, aquela que mais se simpatizou. Não que fosse a melhor, mas parecia ser a mais poderosa, pois seu lustro chamara-lhe a atenção. Seus cabelos negros simplesmente brilhavam diante daquela espada! Empunhando-a, tal qual faria um herói de cavalaria, bradou, não tão alto, para não se fazer ouvir:

- Eu, Celestis Pallas Korinthiellis Viana, juro que honrarei e protegerei meu pai, onde quer que ele esteja, guardando suas costas dos inimigos sádicos e abrindo caminho para as estradas de bonança!

Aquela frase, elaborada no improviso, lhe pareceu importante. Devolveu a arma na bainha e, ocultando-a entre os gomos do tecido de sua sombrinha, desceu até o quarto, onde planejava fugir do Paço. Sua tia se casaria no dia seguinte e era evidente que Celestis Pallas seria sua linda daminha de honra, como prometera. Entretanto, para que seu sorriso não fosse murcho e desesperançado, fez-se necessário prometer a si mesma que cumpriria a promessa de trazer seu pai ileso de volta!

- Ai, esse meu pai, não se cansa das aventuras! Pois ele verá quem mais gosta de enfrentar os perigos!

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--Dimas


De longe ele havia observado como a pequena se metia na armeria, logo ali ao lado do armazém. Ninguém precisava ficar de guarda naquele lugar, pois todos os que ali viviam eram membros da Ordem, e a Ordem guiava suas vidas.

De longe ele seguiu a pequena com o olhar tranquilo, viu ela cruzando o caminho e entrando na enfermaria onde ainda tinha seu quarto. Aqueles dias realmente deviam ser difíceis para aquela mocinha. Um estilo de vida tão austero não combinavam muito com uma dama, pelo menos não aos olhos do velho mestre.

Com o passo calmo sem fazer ruído, como uma sombra sem qualquer consistência, o homem de olhos meigos se aproximou da pequena Celly.

- O que pretendes fazer com essa espada, pequena?
Celestis_pallas


Como sempre, decidiu seguir o caminho da sua tão conhecida dissimulação. Dimas era um sujeito esperto, seria difícil enganá-lo. De fato, ele não a viu com a espada. Viu, talvez, pela janela, mas não a viu escondendo-a sob a sombrinha.

- Ora essa! Que espada? Só porque eu estava agora há pouco no armazém? Desculpa-me, de fato, eu não deveria ter entrado sem permissão, mas...ele fica aberto. É incorreto admirar as ferramentas pelas quais meu pai executa seu primoroso trabalho na ordem? Confesso, talvez eu tenha sido infantil, até brinquei com elas! Também pude conferir meu reflexo na lâmina, será possível que este meu quarto não tem nem um espelho à minha disposição?

Conforme se exaltava, a espada ameaçava escorregar pela sombrinha. Mesmo assim, Celly teve o cuidado de apertá-la contra a armação de arames e tecido, o mais que pode, só para não ser descoberta.

- E agora, com sua licença, mas seria um disparate revistar uma dama como eu, ainda mais um homem que não é meu pai e tampouco meu marido! Passar bem!

E trancou a porta bem nas fuças do pobre Dimas, só para parecer mais impactante! Ao lado de dentro da enfermaria, ria-se, um riso meio insano, a pensar em tudo que estava a fazer de forma quase demente. Cerrou as cortinas, ocultou a tal da espada sob a cama e começou a separar as moedas que utilizaria para comprar o tal vestido e ir ao casamento de sua querida tia Vivian.

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--Dimas


Dimas poderia ser velho mas não era tolo e por isso deixou que a menina se comportara daquele jeito, sabia que a pequena ainda estava sentida pela repentina partida de seu pai, mas neste mundo há assuntos que nos demandam quando menos desejamos partir.

O jovem Gascón havia partido no grupo do Prior, e o Mestre Eleazar havia partido do paço dias antes para cumprir com algum encargo do Prior e ainda não regressara, isso impedia o velho mestre de deixar o Paço dos Arcanjos. Mas o Prior havia sido claro, sua filha não deveria deixar o paço sem uma escolta e assim se faria.

Dois Irmãos foram destacados para essa tarefa. O Irmão Ignácio, era um jovem que já havia cumprido seus primeiros vinte invernos, de olhar calmo, e mente tranquila e poucas palavras. Muito zeloso das tarefas que lhe encomendavam, cresceu rápido no seio da Ordem e de continuar assim em poucos meses deveria alcançar o grau de Mestre. Por outro lado o Irmão Vítor, não tinha cumprido ainda seu terceiro lustro sendo pouco mais jovem que a própria Celestis, era mais agitado, e falante, observador quase tudo lhe chamava a atenção. Apesar de um pouco disperso Ignácio era muito dedicado aos seus estudos e se havia convertido em Irmão da Ordem poucos dias antes deles se mudarem ao Paço dos Arcanjos.

A Dimas lhe pareceu uma boa escolha.

Assim que os três jovens partiram em direção à cidade, Dimas retornou à enfermaria e depois de procurar um pouco, encontrou a espada embaixo da cama. Tomando a espada, retornou tudo ao seu devido lugar, e recolocou a arma na armeria. Fora os bastões, nenhuma outra arma era permitida aos membros da Ordem, e na forja daquelas lâminas juramentadas, grandes segredos se ocultavam. A partir daquele dia a porta da armeria foi trancada e a chave entregue ao velho Mestre Dimas.
Celestis_pallas


Com toda aquela escolta, Celly sentia-se completamente cerceada de seus direitos de ir e vir, porém, pelo menos não eram velhas chatas e caducas, mas sim, homens bonitos, altos, alguns até, tão robustos quanto um baú e tão altos quanto os pinheiros!

- Me deixa, sim? Eu sei subir sozinha no coche...

Estava assim, cheia de melindres, mas depois lhes sorria, com o cantinho da boca! E ainda agradecera que fecharam a portinha para a dama.

Partiram até uma alfaiataria, na qual Celestis não teve dúvidas em escolher um maravilhoso vestido de cor pérola, que combinaria perfeitamente com seu resplandescente sorriso. Havia uma faixa dourada e em fios acobreados, passando de fora a fora na parte da frente. Era um aviamento muito delicado e atenuava um pouco a candura da veste. Com cuidado, as tecelãs ajudaram a menina a vestir-se, afinal, já tinha toucador completo e só necessitava mesmo das roupas para ir ao casório.

Enquanto trajava-se, não deixava de pensar em seu pai, que partira tão repentinamente...Também tinha a certeza de ter ocultado bem a arma roubada e as chaves de seu quarto, ignorando que Dimas tivesse uma cópia.

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--Eleazar


Os dias se passavam rapidamente no Paço dos Arcanjos, e naquela manhã Eleazar retornava de sua viagem, e junto a ele vinham dois homens e uma moça cujas idades eram difíceis de dizer.

Vindos do norte, os quatro rodearam os muros que circundavam o terreno até o Portão dos Arcanjos. Eles cruzaram em silêncio aquele portal que separava o Paço do mundo exterior, e dirigiram-se diretamente às ruínas da Villa.

Dimas os esperava ali.

Bem vindos ao Paço dos Arcanjos, queridos amigos. - disse afetuosamente o velho mestre. - Como podem ver lhes temos bastante trabalho.

- Sim reverendo Mestre, o tempo foi inclemente com esta Casa, há muito trabalho por fazer-se realmente. - respondeu um dos homens sem qualquer emoção na voz, fazendo uma vénia curta e seca ao velho mestre Dimas. Ele era um homem alto, com a voz nem muito grave nem muito aguda, olhos escuros e vivazes observavam o terreno mas pareciam escrutar o além, como se vendo algo além de uma espessa névoa.

- Devemos começar pelos muros externos. Garantir sua força e solidez. - respondeu o segundo homem, com uma voz mais grave que a do primeiro. A diferença deste era um homem atarracado e baixo, com braços musculosos e pernas firmes, os olhos pequenos, e um nariz protuberante, sua boca coberta por uma espessa barba. Se assemelhava aos poderosos anões dos contos nórdicos.

A moça, não era nem alta, nem baixa. Com os cabelos avermelhados, o mantinha recolhido e oculto por um véu de um bordô escuro. Seus olhos de um verde profundo como a primeira relva de primavera, eram de uma agudeza sem igual. Quando ela falou, sua voz era cristalina e fresca como a água de manantial. - Reverendo Mestre. - começou fazendo uma vénia ao ancião. - O Prior nos chamou, e rara vez a Ordem nos convoca aos três. Há algo mais não é mesmo?

- Mi querida Abi, tens toda a razão. O Prior os convocou aos três pois quer que cada um se dedique com todas suas artes a reparar uma parte desta Casa. A ti Abi, lhe cabe a Villa. A ti Oleg - disse Dimas agora olhando para o homem baixo. - lhe coube os muros e fortificações do Paço, o Mestre Eleazar lhe ajudara com o que lhe seja necessário. E a ti Aqil, os cabe o Templo e os pavilhões menores. Esse foi o pedido do Prior. - e nada mais disse.

- Então assim se fará - respondeu Abi pelos três, quem fizeram uma vénia ao velho mestre e se dispersaram a cumprir com seus afazeres.

Eleazar observava em silêncio, escutava e sorria. Ali estavam os três Construtores. E ao fim as obras no Paço dos Arcanjos haviam começado!
Celestis_pallas


Naturalmente, ao retornar do casamento, ir direto à cama e verificar debaixo dela se a espada ali estava foi seu primeiro impulso. Novamente cerrando as cortinas e a trancar bem a porta, Celly abaixa devagarinho, com um frio na espinha. Eis que seu coração dispara ao constatar que a espada não estava onde deixara! Lívida, percorre o quarto, revirando a coberta e suas gavetas. Nada, sequer a bainha! Mas, a sombrinha ainda estava ali, no mesmo lugar.

Meio transtornada, sem saber o que houve com aquilo que ela mesma furtara, dirigiu-se ao galpão das armas e, muito surpresa, encontrou-o trancado pela primeira vez. Alguns soldados, à espreita, guardavam ao longe. Parou, meio desorientada, com a mão à boca, a andar em círculos e mais uma vez refletir sobre a loucura do sumiço de uma espada.

Dando a volta pelo galpão, a olhar pela janela, percebeu que estava bem ali, onde a encontrara! Não podia estar a ficar doida! A presença de tantos soldados a incomodava, mas isso não impediu que a menina desse aquela necessária espiada furtiva pela vidraça.

Enfim, uma epifania... foi o Dimas, só pode ser! Estava envergonhada do furto, do gesto cometido, da mentira, tudo... Talvez, nem devesse ter pego aquela maldita arma na mão! Que modo sem graça agora Celly poderia olhá-lo no rosto? Era necessário pedir desculpas, tão logo se cruzassem!

Dirigiu-se a um lavabo externo e lavou o rosto. Não queria ter por aí as bochechas vermelhas de vergonha, de raiva ou o que quer que fosse. Enfim, mais recomposta, enxugou-se com uma toalha e seguiu caminhando próxima às cercas, onde a vista da floresta era possível e o cheiro de grama e folhas frescas lhe era muito agradável. Permaneceu ali durante um bom tempo e por pouco, não deitou-se, quase a cochilar.

De repente, num susto, desperta!

- Mas, o que o Dimas tinha de invadir o meu quarto? Deixei bem claro a ele, não invadas o quarto de uma moça, não me revistes, sou uma dama! - dizia para si mesma, com o dedo em riste, como quem adverte veementemente - Ele entrou no meu quarto! Ele pode ter visto as minhas coisas, as minhas intimidades, a procurar essa espada! Não, ele está a perder o respeito para comigo! Tudo bem, ele é amigo de meu pai...e sua função é guardar a espada e o galpão das armas...mas, por que resolver assim, desta forma? Por que Dimas não falou com respeito comigo, pôs-se logo a requerer a espada? Por que então o Dimas não vai atrás do meu pai, que foi embora assim, sem mais nem menos? Acaso ele é um covarde?

A tarde passava lentamente. Cada vez que via Dimas cruzar o Paço e seus olhares se encontravam por acaso, era como se a fitasse normalmente, mas aquilo para Celly era um olhar de cinismo, sarcasmo. Um olhar de medo e ao mesmo tempo de raiva por parte da menina era recebido de volta. Celly ainda não sabia como abordá-lo. Em alguns momentos, achava até que Dimas evitava olhá-la. E seu desgosto ia crescendo. Apertava a grama contra os dedos, para não sair pelo Paço furiosamente histérica.

A verdade é que a viagem e o nervosismo do casamento pareceram não lhe cair bem. Sentia um forte enjoo e a palidez tomou conta de seu rosto repentinamente. Aquilo foi deixando-a ainda mais debilitada dos nervos, a ponto de sentir que desfaleceria. Levou a mão à boca e sentiu-se gelada. Um calafrio lhe percorria o corpo e o seu desespero levou-a a ter com Dimas, aquele que ela menos gostaria de conversar!

Enquanto se aproximava do homem, percebeu que ele parecia muito ocupado, talvez, se inteirando dos novos encarregados na reforma do Paço. Mais uma vez o enjoo veio-lhe forte e muito envergonhada de seu estado, quis desistir de ter com o braço direito de seu pai, mas seu mal estar já havia lhe tolhido os sentidos, de forma que deu dois passos e suas pernas tremeram. Caiu sentada sobre a grama, a gemer de dores pelo corpo. Que mal estranho era aquele?

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--Dimas


Dimas acabara de despachar aos Mestres Construtores, e enquanto conversava com outros Irmãos viu a mocinha Celly aproximar-se com a tez meio pálida. De repente a menina desaba no chão gemendo. No mesmo instante Dimas se pôs de pé como impulsado por uma mola, e vários Irmãos que por ali passavam correram a socorrer a filha do Prior.

- Menina Celly. Que passa? - Perguntou o velho mestre enquanto indicava aos Irmãos que se afastaram um pouco para que a pequena tivesse ar e lhe tocava a frente para tomar-lhe a temperatura. - Chamem ao Mestre Teodoro! Que nos espere na enfermaria! - Bradou a dois jovens aprendizes que ali estavam. - Vocês dois! - Indicou a dois Irmãos - levem a pequena à enfermaria agora! E o resto de vocês voltem aos seus afazeres! - Terminou o velho mestre com voz leonina.

Um dos Irmãos indicados pelo velho mestre, pediu licença à menina, e sem esperar resposta a ergueu em seus braços, qual infante, enquanto o outro irmão tomava o bastão do primeiro e juntos rumaram para o barracão da enfermaria. Ali chegando o primeiro colocou a pequena em uma cama com delicadeza, e esperaram a que os Mestres chegaram. O primeiro a chegar foi Dimas, que vinha logo atrás dos dois Irmãos, e logo os colocou a fazer a guarda na porta da enfermaria, pouco tempo depois chegou o velho Teodoro acompanhado dos aprendizes que deviam aguardar do lado de fora.

- Deixo-te aos cuidados de Mestre Teodoro pequena. Todo vai estar bem. - foi o último que o velho mestre lhe disse antes de sair dali.

Teodoro, pouco mais novo que Dimas, tinha a voz calma e serena dos herbolários de maior idade, quando lhe perguntou- Diga o que sentes pequena - enquanto colocava a mão com os longos dedos nodosos sobre a frente da pequena. Alguns diziam que o velho mestre Teodoro parecia uma velha árvore sabia, como aquelas que muitas vezes aparecem nos contos e lendas dos trovadores. E por trabalhar tanto com as ervas, diziam, até tinha o mesmo cheiro.
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