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Aforas da Cidade do Porto - Paço dos Arcanjos

Bakita


-O Prior está chegando.

Aquelas palavras animaram-o. As notícias não eram animadoras de lado nenhum. Mas ainda assim, John Rafael de Viana mantinha-se com toda a calma que restava em sua alma. A chegada do Prior de Azure ao Paço dos Arcanjos era motivo de leve aquecimento na alma do jovem Viana. Vestiu-se apressadamente e desceu.

Os olhos estavam fundos e cansados, como se uma bruma de tristeza tivesse os tornado pesados demais para se manterem abertos. Rafael definhava no calor da primavera, como um boneco de neve ao sol. De uma vez ficara viúvo, perdera a nova amada, o torneio da Guarda e a viagem para Castela.

Recebeu Yochanan nos umbrais do salão comunal. O tio pareceria mais jovem que ele, não fosse a barba cerrada e o presumível cansaço da viagem.

-Senhor meu tio e Prior, que a Luz dos Nove esteja convosco, e também a proteção de São Miguel. Seja bem-vindo de volta ao vosso lar.

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Yochanan


Ao passo lento de Itzal, Yochanan cruzou os muros que cercavam as terras do Paço e se dirigiu ao salão comunal, pelos seus cálculos era a hora da ceia, e a fome do caminho lhe apertava o estomago.

Ele desmontou junto ao salão e o cheiro do caldo invadiu seu olfato. Itzal sacudiu a cabeça levemente como se estivesse a se despedir quando um dos cavalariços tomou as rédeas para guia-lo aos estábulos. Junto às portas John o aguardava.

- Obrigado meu sobrinho, e que a Luz dos Nove ilumine o vosso andar. - ele disse com a voz um pouco cansada e então reparando nos olhos fundos e cansados que pesavam no rosto de John ele perguntou. - Algo o atribula meu sobrinho? Tens a fisionomia enfermiça.

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Yochanan


Naquela noite John preferiu remitir-se ao silêncio, e Yochanan respeitou o silêncio do sobrinho. Quando ele estivesse pronto ele lhe diria o que quer que houvesse para dizer, caso assim houvesse.

E assim os dias se passaram no Paço dos Arcanjos, o moinho havia ficado pronto, mas ainda faltava chegar a primeira safra de trigo para a moenda. E enquanto o sol descendia no Oeste, o Prior seguia o caminho que unia a Villa ao antigo templo romano que servia de sala capitular para a Ordem, havendo dado instruções para não ser incomodado fechou as portas do templo com um baque seco.

As últimas luzes do dia espreitavam-se pela pequena abertura próxima ao teto, enquanto o Prior derramava um pouco de óleo de uma das lamparas sobre a lenha disposta no braseiro de ferro enegrecido no centro da câmara. Ascendeu aquela nova luz pouco antes da noite cair completamente sobre o Paço.

E ele observou as línguas de fogo por um momento, de pé junto ao braseiro, até ficar satisfeito com a força com a qual as chamas brilhavam fazendo retroceder as sombras até os cantos mais profundos do templo. Então ele caminhou até o altar e deu a volta por trás deste, ficando diante da estela de mármore branco do deus Plutão, a quem aquele templo havia sido consagrado. A qualidade da pedra era invejável e a habilidade do escultor admirável, e por momentos parecia que a figura do deus abandonaria a estela para reunir-se com os presentes no templo. Em voz baixa, quase que em um rezo invocador ele leu as quatro linhas gravadas em latim abaixo da figura da ancestral deidade do submundo. Havendo deixado que o silêncio uma vez mais se abatera sobre o templo, ele passou a mão sobre o símbolo em baixo do texto. Um símbolo arcano para o não iniciado, mas de uma claridade cristalina para os que conheciam seu verdadeiro significado. As chamas brilhavam na pedra azulada de seu anel, enquanto seus dedos percorriam as linhas da conhecida figura.

- Chegou o momento. - anunciou em um sussurro, mais pela necessidade de afirmar-se diante do que estava por fazer do que por qualquer outra coisa, ele sentia a ansiedade percorrer seu corpo.

Inspirou profundamente, de olhos fechados, exalando o ar em um sopro suave e constante enquanto abira os olhos e recobrava a serenidade. Ajoelhou-se atrás do altar e buscou a figura do guardião das portas do reino do deus. Representação tenebrosa para o que desconhecesse o saber arcano oculto por trás dela.

Estava ali no painel traseiro do altar, oculta a plena vista em uma representação macabra do destino dos homens ao partirem deste mundo em direção ao próximo. O Viana não deixava de admirar a habilidade do mestre escultor daqueles segredos. Nenhuma falha ou indicio era apreciável a simples vista, mas o observador mais atento poderia chegar a perceber que a direção do olhar daquela figura, sem saber que isso indicava o que o Prior já sabia, e então, com cuidado ele aplicou um pouco de força na figura.

O ruido que seguiu foi o quase imperceptível som de duas peças encaixando-se quando a figura cedeu e afundou poucos centímetros no interior do altar. No chão, junto à estela o ouvido atento poderia escutar um estalo, e o mover de engrenagens há muito silenciadas faziam com que uma das placas de mármore que serviam de piso se movesse revelando uma estreita passagem até uma câmara subterrânea.

Yochanan sentiu certo alivio ao comprovar que o mecanismo ainda funcionava. E então tomando uma das lamparinas acendeu-a e com aquela débil luz desceu os degraus recém revelados.

O Paço dos Arcanjos, bastião do norte da Ordem do Priorado da Cruz de Azure, serviu durante a primeira metade do ano de 1462 como sede da Ordem, e assim ficou conhecido por muitos. Mas o Paço guarda muitos outros segredos...

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Celestis_pallas


Havia muito tempo que Celestis não ia ao Paço dos Arcanjos. Decerto que alguns desentendimentos com um dos membros da família Viana a mantivera um tanto quanto afastada. Logo ela, que tanto prezava pelos laços familiares.

Sancha havia advertido a jovem que mantivesse a costumeira precaução, afinal, aquelas estradas andavam perigosas e ela mesma tinha presenciado alguns homens feridos, a caminho da casa de seu pai. Celly também já não era mais a mesma, já não imaginava que pudesse derrubar um único exército com aquele punhal ofertado por John Rafael. Precisava era de ter menos autoconfiança e também de uma espada.

- Avante, Tânder! Não quero comer a poeira desses malfeitores!

Enfim, chegara até seu destino. Desmontou de seu cavalo, com certa dificuldade, amparando-se num velho banco próximo à entrada. Caminhava devagar, quase manca, como se trouxesse dormente uma das pernas. Depois, a avançar pelo gramado, era como se não sofresse mais nenhuma dor, embora aparentasse ainda sentir algumas fisgadas.

Perguntou, de imediato, por Yochanan. Um dos soldados de seu pai prontamente investiu em sua procura, sem sucesso. Voltou assustado, a relatar que era como se o homem tivesse sido tragado pela terra. E olha que conhecia todos os recônditos daquele sítio. Celestis emitiu uma sonora gargalhada:

- Deixa disso, homem! Meu pai tem desses hábitos... vou tomar um chá e esperar, logo o veremos por cá.

Pensou ter ouvido a voz de John Rafael. Ainda precisava agradecer-lhe por ter livrado a jovem de um inconveniente rapaz que a importunava na tasca dia desses. Não esperava aquela atitude de alguém que, até pouco tempo atrás, desentendeu-se, justamente, porque queria ser mais independente, porque já julgava saber defender-se sozinha. A voz de seu primo parecia entristecida. Muito lhe preocupava quando o rapaz ficava dessa maneira, o que era até costumeiro. E, por ser tão costumeiro, culpava-se por não poder fazer algo para animá-lo.

Sorveu do chá. Ainda necessitava contar certos detalhes da pequena viagem que realizara entre Porto e Montemor que ainda não tinham sido bem explanados quando a menina encontrou o pai no caminho. E sobre as aventuras que passara! Muito daquilo tinha a ver com a temporária debilidade de sua perna.

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Yochanan


Algumas horas se passaram até que o Prior finalmente deixou o antigo templo. Na câmara do braseiro, nenhum indicio permanecia da abertura que ali se ocultava. O único resquício daquelas horas permanecia na face abatida do Prior.

O semblante taciturno do Viana o acompanhou no caminho de regresso à Villa. A lua alta no céu noturno iluminava os passos do Viana que subia os degraus até as portas de sua casa. Não bem entrou um dos irmãos que servia na casa lhe informou que sua filha o estava esperando.

- Obrigado irmão. - disse Yochanan com a voz cansada. E então se dirigiu ao salão junto à sala de jantar. Se deteve antes de entrar, defronte às portas fechadas, e respirou profundamente algumas vezes desejando que sua expressão não demonstrasse o cansaço que sentia. Um cansaço que não era físico mas mental e espiritual. Com um toque suave abriu uma das portas.

Em uma das mesas baixas junto às poltronas que naquele salão haviam, estava uma bandeja com uma taça. Mas a jovem que estava sentada na poltrona e a quem pertencia aquela taça estava dormindo ali sentada.

- Deve ter-me esperado muito tempo. - pensou o Viana olhando para jovem. - Creio que nunca me acostumarei a que tenhas crescido pequena. - sussurrou em voz tão baixa que nenhum som deixou seus lábios.

Celestis tinha o semblante pacifico dos jovens adormecidos e ele não a quis despertar, mas a hora era avançada. Com suavidade tocou-lhe o ombro e disse. - Filha.?

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Celestis_pallas


Celestis desperta, como se dormisse profundamente, como se não se recordasse de estar na casa do prior. Julgando ainda estar sonhando, dormindo em sua casa, demora a abrir os olhos.

- Papai? O que fazes em minha casa? Ah, sim! Onde estavas? Acho que cochilei um pouco... já amanheceu?

Antes mesmo que Yochanan risse da situação, a própria Celly riu-se, corando-se.

- E então, onde estavas? Continuas o mesmo misterioso de sempre! Adoro-te!

Deu-lhe uma puxadinha no queixo com a mão, invertendo a hierarquia. Depois, riu mais um pouco. Pediu para que o pai se sentasse e, então, começou a contar-lhe sobre suas novas traquinagens. Traquinagens de moça, não de criança. Narrou a queda do cavalo com ares homéricos e quando o cavalo caia do penhasco, tendo Celestis em seu lombo, era como se tivesse parado no ar por alguns instantes, como se Celly pudesse aproveitar ainda em sua face uma rajada de vento marina antes de despencar à beira-mar! Depois, tudo ficou ainda mais denso e escuro, como se a noite tomasse conta de suas vistas. Vira estrelas sob as pálpebras antes de receber os beijos molhados de seu único amor: o cavalinho Tânder!

Porém, o que jamais imaginava era que uma boba visita ao cemitério de Leiria culminasse em tal tragédia. Estava ela a andar entre túmulos e covas recém cobertas quando tudo deu-se. É sabido que, quando a noite cai e as pessoas dormem, são os defuntos que despertam, almas errantes que esgueiram-se entre sombras de troncos de árvores e metem-se a ganhar vida, agigantando-se cada vez mais, tão logo o sol se põe, sobre o chão.

Tal visão infernal assustou-a, sua imaginação se esticava tanto quanto aquelas sombras sinistras. Foi então que um jovem cavaleiro, a princípio, muito gentil, ofereceu-se para retornar com ela até a estalagem de Claire. A moça não o conhecia, mas confiara. Confiara tanto que, num dado momento, começou a desconfiar. Existiriam pessoas tão gentis como aquele homem? Seria possível? Muito ouviu por aí sobre a malvadeza humana... era melhor correr. Correr e não olhar para trás! Quem sabe, apenas agradecer. Quando o homem quer fazer mal a uma dama, é pior que um demônio.

O rapaz ainda a seguiu durante um bom tempo, depois, perdeu-a. Aliás, Celestis perdeu-se. Tânder não mais a obedecia, corria em disparada. Nem mesmo os anjos de Jah foram capazes de detê-lo! E então, Celestis encerrou a narrativa, abaixando sua meia e mostrando ao pai a enorme cicatriz que ostentava em uma das laterais da perna. Ainda doía ao andar, mas o médico disse que era questão de tempo. Era melhor esperar um pouco até a próxima aventura!

- Papai, estás tu a ouvir-me? Pareces cansado, deveria ir dormitar! Mas antes, diga-me, que achaste?

Aguardava a "cara feia" do pai, que já não lhe metia medo como antes.

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Yochanan


Yochanan escutava o vívido relato contado por sua filha, da queda do cavalo e os cuidados junto ao médico em Leiria. Isso explicava o comportamento dela no breve encontro que tiveram em Coimbra antes do retorno ao Porto. Algo sobre o qual ele não pode inquirir-la então mas que ao retornar ao Paço se encontrou com o aviso do acidente que a amiga de Celly havia deixado.

Mas ele sentia que ambos havia se distanciado antes do reencontro dessa noite, pelo qual esperou a que ela lhe contasse o que ele já sabia. Ante a pergunta dela o Viana apenas disse.

- Estou a escutar-te sim, minha menina. Mas tens razão, estou cansado sim, já não sou tão jovem assim sabes. Já não tenho idade para viver aventuras como as suas. Ainda que pelo que me parece pagaste um preço que não querias por elas. - disse em um tom tão serio que ficava difícil perceber se era uma bronca velada ou apenas um comentário. O sorriso que ele dedicou a filha momentos depois levantaria a dúvida.

Os olhos lhe pesavam, e tinha o raciocínio algo embotado já, pelo que concluiu. - Ambos devemos ir recolher-nos querida. Como sempre o vosso quarto está pronto para receber-te. - O Prior fazia questão de ter o quarto da filha sempre pronto para qualquer momento em que ela desejasse ficar no Paço. Com certa dificuldade ele levantou da poltrona, agora o corpo mesmo já começava a lhe demandar o descanso, e ofereceu ajudar a filha a se levantar, com ela já de pé disse sério, em um tom que não deixava dúvida de que o que ele dizia iria acontecer, quer ela quisesse ou não. - Amanhã quero que Mestre Teodoro lhe veja a perna.

E então a acompanhou até o quarto, ajudando-a a subir as escadas até o segundo andar da ala noroeste.

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Celestis_pallas


Celestis acordara cedo no dia seguinte. Ainda possuía a vívida imagem do pai, a ampará-la escada acima. Pais são pais, por mais que seus filhos estejam já muito crescidos. Esperava pelo "médico" - e bem poderia ser essa a fala de Celestis, "médico", entre aspas, de forma um tanto irônica, como se menosprezasse o excesso de zelo de Yochanan.

- Mestre, médico, o raio!

Reclinou-se então sobre um banco rústico que encontrara ao lado de fora e, por pouco, não cochilou. A localidade na qual Paço dos Arcanjos se encontrava era tão pacífica que era quase impossível não ter um bom descanso. Decerto que soldados iam e vinhame , às vezes, ouvia-se certa agitação, mas nada que ela já não estivesse acostumada. Foi então que ouvira um burburinho sobre um rapaz ferido. Também um ou outro ainda se recordava de Dimas, com certo pesar e uma tristeza nos olhos.

- Ah, mas será possível? Este Paço nunca tem sossego...desconfio que meu pai goste disso...como? Ah, esse meu pai!

Agora, estava ansiosa para que Yochanan já estivesse completamente restabelecido. Odiava importuná-lo com assuntos sérios logo pela manhã, mas sentia que necessitava perguntar sobre Dimas. Tudo ocorreu muito rápido, quando a menina estava a viajar. Também preocupara-se com umas histórias que Sancha lhe contara, uns homens feridos que estiveram no Paço.

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Yochanan


Quando Yochanan acordou ao raiar do sol como era sua costume, ainda se sentia cansado, pois poucas haviam sido as horas que havia realmente dormido. Mas ignorando-o, levantou-se e vestiu um traje simples de calças e camisa negros. Calçou as meias e as botas e vestiu a brigandine negra com a Cruz de Azure no peito. Sobre o conjunto vestiu o manto, também este com a cruz sobre o peito e o ajustou com o cinto de couro escuro e fivela de prata.

Saiu então ao balcão ao que dava seu quarto, fechou os olhos e respirou fundo algumas vezes, deixando o sol nascente tocar-lhe a face. Fez então uma ligeira prece quase sem mover os lábios, e se retirou ao interior da Villa.

Desceu as escadas ao refeitório onde tomou o desjejum, e saiu para fazer sua caminhada matinal pelos terrenos do Paço. Ao passar pela enfermaria consultou a Mestre Teodoro sobre o estado do senhor que chegou ferido ao Paço, e lhe pediu que antes da hora do almoço fosse ver sua filha.

Seguiu pelo muro oeste até a Torre Noroeste, de onde podia observar grande parte dos terrenos exteriores às muralhas do Paço. Os campos lavrados e sembrados começavam a exibir o trigo de primavera que seria colhido no verão que se acercava.

Ali no alto da torre o vento tocou-lhe o rosto e o Prior sorriu, no equilíbrio a vida próspera - pensou e então desceu dali e continuou o caminho conversando e cumprimentando a todos os irmãos que encontrava ao seu passo.

Regressou à Villa após passar pelos estábulos, onde no cercado Itzal e Tander, e outra vintena ou mais de cavalos pastavam da relva orvalhada.

Encontrou a Teodoro por subir as escadas que davam à Villa e dispensando o irmão que ajudava o velho mestre, auxiliou-o ele mesmo a subir os degraus até o ingresso e a cruzar até a parte de trás onde sua filha estava reclinada em um banco rústico perto da fonte.

- Bom dia minha filha, dormistes bem?

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Celestis_pallas


- Sim, muito bem, meu pai! Espero que o senhor tenha também descansado o suficiente!

Em seguida, a menina deu mostras de que necessitava ainda trocar algumas palavras com o fatigado prior. A estar ainda deitada sobre o banco, levantou-se então, com a dificuldade que ainda possuía na perna esquerda e sentou-se. Esperava que o pai se sentasse ao seu lado, se isso o deixasse mais confortável para falarem-se:

- Tenho visto uma movimentação anormal no Paço. Sancha também relatou-me que alguns homens estiveram por estas estradas, um inclusive, parecia ferido. Tive receio de vir por esta estrada justamente por conta de tal relato. Anda tudo bem por cá? A propósito, estive muito estarrecida com a abrupta morte de Dimas, algo que soube por um de teus soldados quando eu ainda estava em viagem e combinamos de nos encontrarmos. Como isso deu-se? O senhor já está recuperado desta perda? Espero que sim, ele fará muita falta ao Paço, bem como, a todos nós! Era um homem tão bom...

Sentiu uma certa vontade de prantear. Mas acanhou-se e, olhando para cima, a concentrar-se numa nuvem de chuva que se acumulava sobre aquelas paragens, dissipou tal sentimento.

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Yochanan


- Muito me alegra minha filha. Descansei sim, obrigado. - respondeu o Viana.

Yochanan havia indicado a um dos irmãos que servia na casa que trouxesse uma cadeira para Teodoro. Ajudou então ao velho mestre Altai a sentar-se quando o irmão trouxe a cadeira e a colocou de frente para o banco onde estava Celestis. Ele próprio sentou no lugar que a filha lhe havia feito no banco.

Quando Celestis comentou sobre o homem ferido e a movimentação no Paço, Teodoro alçou a vista da perna esquerda da jovem que ele já estava a examinar e trocou uma breve olhada com o Prior. Este se limitou a sorrir suavemente e olhou para o céu, enquanto Celestis continuava a falar agora sobre Dimas.

- O homem ferido era um viajante que foi atacado por bandidos na estrada, pequena, e graças aos céus deram com o Paço. Por causa da ousadia dos bandidos é que teu primo solicitou um aumento nas patrulhas de nossos homens, por isso o movimento possa parecer anormal, não é nada para preocupar-se no entanto. - disse com a voz tranquila para acalmar os receios da jovem. - A partida de Dimas nos afetou a todos. - disse baixando os olhos. - Mas tenho certeza que ele nos deixou baixo seus próprios termos, servindo a Ordem como ele fez sempre. Mas seguimos adiante, assim o honramos e ao trabalho que ele fez no tempo que esteve entre nós. - concluiu Yochanan recordando ao velho mestre. - Se alguma vez precisares de um conselho dele minha menina, escute ao sussurro dos ventos, pois nele está a voz dos sábios. - completou naquele tom misterioso que lhe era próprio.

- Então Maese Teodoro? Como está a perna da menina? - consultou com voz vivaz ao velho mestre que parecia já ter terminado com o diagnóstico.

- O osso parece estar se fundindo bem. E a ferida cicatrizou sem que os humores malignos se assentassem nela. Isso é bom. - Determinou o velho mestre com sua voz rouca. - Mas a menina não pode andar a cavalo todavia, ou a perna não lhe curará direito e as dores nunca passarão. - Sentenciou.

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Celestis_pallas


Diante da sentença recebida, Celestis revirou os olhos, como se fosse resmungar. Mas preferiu calar-se, afinal, reclamar não ajudaria muito. Foi um acidente e o único culpado só poderia ser o destino.

- Agradeço o tempo dedicado a mim, senhor!

Depois de agradecer ao médico, voltou-se para seu pai:

- Meu pai, obrigada por receber-me em tua residência! Mas lembro-me de que alguém iria à minha casa ainda hoje e preciso estar por lá, no mais tardar, até o pôr do sol!

De imediato, alguns homens da ordem, sempre muito prestativos, se encarregaram de providenciar um coche e um deles se voluntariou a montar em Tânder para levá-lo também em segurança. Deu um beijo na face de Yochanan e um abraço demorado, pois sabia que só tornaria a visitá-lo quando estivesse completamente restabelecida. Ia saindo, quando voltou-se para trás e disse:

- Eu não sei o que se passa com o John. Talvez nem seja boa ideia ter com ele. Diga-lhe então que mando lembranças e que desejo-lhe uma boa semana!

Saiu então a sorrir, em partes porque estava feliz por visitar seu pai, em partes pela misteriosa visita que, em breve, estaria em sua casa...

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Yochanan


Naquela noite o Prior retornaria ao antigo templo, e por varias noites mais após aquela e em todas elas ele ativaria a imagem atrás do altar e desceria as escadas até a misteriosa escuridão que abraçava aquele espaço oculto.

A cada dia que fazia o descenso, retornava com uma fisionomia cada vez mais cansada. Lhe parecia alguns dias que apenas os tônicos de Teodoro eram o único que lhe permitia manter as forças após aquelas seções noturnas. Mas aquele era um sacrifício que ele estava preparado para fazer, e que lhe cobraria até o limite das suas forças.

- Não deverias esforçar-te tanto meu senhor. - era o que Teodoro sempre lhe dizia quando lhe levava o tônico à noite após o Prior retornar do antigo templo.

- Ainda é necessário, Maese. - Era a resposta que ele dava com a voz cansada antes de cair no estupor do sono sem sonhos que o tônico lhe brindava para despertar novamente recuperado na manhã seguinte.

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Yochanan


Os dias se transformaram em semanas, as semanas em meses, e em pouco tempo havia se passado mais um período eleitoral no norte de Portugal. Depois dos incidentes com Lamego e o exército condal, o prior havia participado do grupo que tomou o poder em ausência do poder eleito, e agora após as eleições ele havia sido convocado novamente a participar do Conselho do Porto.

Ainda esperançoso aguardava os últimos dias antes do resultado da eleição do novo conde ou condessa do Porto, assim que não foi grande a surpresa quando uma mensagem lhe chegou da capital portuense. Um dos irmãos da Ordem a entregou em seu escritório onde havia passado os últimos dias enfrascado na leitura de alguns tratados antigos.

No entanto após ler o que dizia a carta, golpeou a mesa com grande força ao tempo que se erguia de seu assento, extravasando assim seu descontento com o resultado.

- Más noticias meu senhor? - perguntou o irmão.

- As piores possíveis neste momento Antônio. - Ele disse tranquilizando sua voz. - Peça a Maese Eleazar que venha por favor. - o Viana concluiu afastando a cadeira e indo para junto da janela.

Passaram-se alguns minutos antes que tocassem à porta de seu estúdio novamente, já sabendo que era Eleazar quem chegava Yochanan disse. - Entre e feche a porta. Leia isso, acaba de chegar. - concluiu indicando a carta que se mantinha aberta sobre a mesa enquanto voltava a sentar-se

Eleazar fechou a porta e sentou-se ao lado oposto do Viana, seus olhos percorreram as linhas da carta e seu rosto permaneceu imutável.

- Já vejo. - ele disse. - Bom, não é nada que não esperássemos desde que saíram os resultados da eleição.

- Eu sei meu amigo, mas ainda tinha alguma esperança de que tivéssemos um pouco mais de... - o Prior começou a dizer e então calou-se - nossa batalha acaba de confirmar-se mais dura do que queríamos. - disse após uma pausa.

- Certa vez um homem sábio me disse: "As espinhas do Caminho são muitas, mas todas as encontramos apenas quando estamos preparados para afrontar-las, ainda que nós não pensemos que o estamos." - respondeu Eleazar.

- Muito bem. Prepare tudo, amanhã partimos para a capital. - respondeu o Viana com um suave sorriso no rosto.

- Como desejes meu senhor. - foi a resposta de Eleazar que já se dispunha a sair quando Yochanan o deteve dizendo. - E Eleazar... Obrigado.

- Ao vosso dispor meu senhor Prior. - foi a sua resposta já na porta.

Na manhã seguinte o Prior deixou o Paço dos Arcanjos em direção a cidade do Porto.


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Bakita


No dia do Batismo e da Prisão de Yochanan Viana, a carruagem do Prior voltou ao Paço dos Arcanjos apenas com seu sobrinho e sua filha. Celestis Pallas, contrariada por ter de ficar "escondida", descontava no primo todo o seu descontentamento.

-Meu pajem, Otto, está ao meu aguardo no Pinhal do Ruivo. Dei a minha palavra de que hoje mesmo o pagaria pelos seus serviços. Também dei a minha palavra a Leito que construiria uma casa naquela vila, a mobiliaria e, enfim, a habitaria. Não é uma casa ilustrativa, para compor um número e figurar num mapa. É a minha presença que valida a existência daquela casa.

- Além disso, estar no Paço dos Arcanjos sem a presença de meu pai soa-me triste e inútil. Assim como minha casa no Pinhal só ganha significado ante minha presença, o Paço dos Arcanjos é um ambiente morto sem a presença de Yochanan.

- Que pensas, que serei amargurada como tu, que eu passe meus dias a chorar dentro dum quarto? Não, de maneira alguma! E se Yochanan encontrar-me assim, entristecida, a culpa será tua! Sou capaz de passar a pão e água, fazer greve de fome! E não queira levar isso adiante, sequer pague para ver.


Johnrafael fez-lhe ouvidos de mercador até estarem bem próximos do Paço dos Arcanjos. A partir do momento em que a jovem estava totalmente incapacitada de ir longe de onde Yochanan queria, por conta da noite que caía, o homem pôs-se então a dialogar com as reclamações da prima.

-Minha querida prima. Assim que chegarmos ao Paço mandarei um cavaleiro ao Pinhal do Ruivo, para que pague o bom Otto. Basta que me digas o quanto deve ser pago. Amanhã mandarei também construtores ao tal Pinhal para que vejam os melhores lugares para construíres vossa habitação.

Uma pausa, um pouco de água do cantil que havia ali e continuou.

-Admira-me que estejas crescendo. És quase uma mulher feita. Vosso pai deu-lhe o Recanto dos Serafins para que o habitasse, mas queres a tua própria morada. Eis a firmeza do Sangue Viana. No entanto, mesmo a mais altaneira águia sabe a hora de recolher-se ao ninho. Quando suas crias estão em perigo, rodeadas de abutres, a águia recolhe-se para defendê-las. O Paço dos Arcanjos é a maior fortaleza do condado, cercado de guardas prontos para darem a vida por sua proteção. Yochanan não está aqui para guardá-la, mas os homens dele são teus homens. Vosso pai está preso por traição. Sabes o que é ser o filho de um traidor? Não queira saber. Tudo o que ele faz é pela tua segurança, e eu estou apenas cumprindo as ordens dele.

Logo estavam no interior das muralhas do Paço dos Arcanjos, e quando a carruagem finalmente parou diante da fortaleza que era o centro da Villa, Johnrafael concluiu:

-Tu estás na casa de vosso pai, acolhida e protegida dos vilões que o levaram para as masmorras do castelo condal. Há de ter aqui tudo o que desejar, pois esta casa é tua. Estes são teus sentinelas, teus campos e tuas posses. Meu dever é mantê-la a salvo até que a injustiça cometida com o senhor meu tio seja reparada.

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