Festejo Natalício de Maria_Madalena

Lorena conhecera Madalena numa das longas noites de risos e cerveja na taverna. Longe de saber que era ela quem tinha desencaminhado a pobre Antonieta, desde logo gostara dela, com os seus desvios das convenções e o seu sorriso franco e sem reservas. Não poderia deixar de aparecer para comemorar o seu aniversário.

Bateu à porta de Cien e rapidamente foi atendida. Nas mãos, equilibrava embrulhos de papel e uma cesta carregadinha de fruta da época. Bem no cimo, não esquecera as primeiras cerejas da árvore do seu jardim.

Cumprimentou os amigos, que já se atarefavam com a decoração e dos embrulhos de papel, saíram chouriças e salpicões, que bem cedo, adquirira no mercado. Logo os dispôs sobre a mesa, cortando-os em rodelas.

Finalmente o apartamento de Cientista ia ser utilizado para algo decente e, claro, Kalled não poderia faltar. Após bater à porta, a irmã logo o recebe e, após entrar no espaço, cumprimenta os restantes presentes. Fica maravilhado com as jarras de vinho que já lá estavam servidas e tenta desde logo começar a beber sem que ninguém repare.

Era o dia de aniversário de Madalena e, sabendo da comemoração que seria feita, Vivian se deslocou até o local indicado, pois queria compartilhar esse momento. Sem muita demora, chegou ao apartamento de Cientista - o anfitrião da ocasião - e bateu na porta para avisar que tinha chegado.

Após ser recebida, entrou meio desajeitada enquanto segurava alguns potes repletos de doces, os famosos doces que costumava distribuir na taverna para os amigos.

- Olá a todos! Muito boa noite! Alguém me ajude com isso aqui, por favor... - disse quase deixando um dos potes cair no chão. - Veja o que preparei, afilhada! Acho que a Madalena nunca provou, espero que goste. Afinal, onde está? - disse passando os olhos pelo ambiente.

Apos um longo dia na padaria Celinho chega correndo e já vai entrando na festa.

Apressado o maroto passa como um raio cumprimentando todo mundo, enquanto passa seu cavalinho de madeira pelas paredes e mesas do local.

Pocoto pocoto pocoto. Dizia o miúdo

Detendo-se próximo a mesa de doces, olha aos lados e sem que ninguém perceba ja esta de boca cheia correndo pelo local.

Estava sem dúvida receoso. Nunca se sabe o que a esposa de um homem casado vai dizer ou fazer nestas ocasiões. Mas John tinha em Madalena uma amiga, e não um objeto para o prazer físico, como a maioria dos outros homens. E hoje era o dia dos anos da jovem. Quantos anos? Não sei, não é educado fazer essas perguntas...

O apartamento de Cientista estava decorado na forma de uma festa romana. O pequeno Celinho (já não tão pequeno, chegava-lhe quase ao umbigo o miúdo, como crescia rápido.) cavalgava em seu cavalinho de pau dentro do salão, surrupiando um e outro docinho, enquanto os outros conversavam e comiam. Lá estavam os bons amigos das tavernas: O anfitrião Cientista, Irises, Lorena, Rosângela e também sua mãe Vívian Lara. Aquilo o acalmara. Já tinha ali uma garantia de não ser posto para fora da alcova, quando voltasse para casa.

-Boa noite a todos... Está uma festa muito bonita... Tem a mão da MIAG* nisso... - a decoração romana agradara. -Senhora minha mãe, peço a sua bênção, e peço que não te olvides de mim ao partir, pois é certo que se eu for-me só não entro em casa esta noite. Infelizmente a opinião da senhora minha esposa não é muito gentil em relação à aniversariante da noite.

Olhou então em volta, à procura de Madalena.

-Mas onde está a aniversariante? Esqueceram de ir buscá-la à Babilónia?

No dia do seu aniversário, Madalena nunca trabalhava. Este aniversário não era excepção. A meretriz passou o dia perdida na floresta, literalmente perdida.

Saíra de manhã cedo com uma cesta de palha no braço e uma toalha no outro. Gostava do silêncio e da serenidade, de ouvir os pássaros chilrearem e a água correr. O dia estava agradável e o sol brilhava bem alto. Madalena ouvira um zumzum sobre uma tempestade qualquer, mas não acreditava nas ciganas. Ela também dizia aos clientes que eram os primeiros, os mais especiais, os melhores e os maiores... e tudo não passava de uma grande mentira.

De repente, cai-lhe uma gorda pinga de água na cara, e depois outra, e outra, e outra. Sobressaltada, Madalena levanta-se e arruma as coisas, mas já é tarde demais. A chuva caía de forma rítmica e abundantemente. Os trilhos tornam-se difusos e a visão baça, a meretriz não sabe para onde vai.

Horas mais tarde...

Encharcada até ao osso, Madalena bate à porta da mansão do Cientista. Sabe que não está em modos, mas sim muito atrasada.

Madalena agradece a Jah, com a pouca fé que tem, que tenha sido Cientista a abrir-lhe a porta. Não queria que os outros convidados a vissem a escorrer água, muito menos num dia especial assim.

Tens roupas de mulher? - balbucia Madalena, mais para si do que para o amigo, exprimindo o seu espanto. Por fim, a confusão desaparece e um sorriso maroto surge no rosto da meretriz. - Claro que tens...

O banho quente e as roupas secas sabem divinamente. Madalena está novamente confortável e agora, apenas os cabelos estão húmidos. Feliz, diz-lhe:

Fica com as minhas roupas... Podem ser úteis para outras senhoras. - e pisca-lhe o olho, indo em direcção ao ruído, ansiosa por abraços e beijinhos.

Entretida nas conversas com tantas pessoas queridas, vigiando o irmão, o vinho e as mãozinhas de Celinho aparecendo sempre na mesa dos doces (louco pelos docinhos de Vivi!) Irises nem tinha percebido que Madalena já havia chegado.

Quando vê a amiga vai até ela e dá um forte abraço, tanto carinho que sente pela moça.

Tira do bolso do vestido uma caixinha, que entrega a Madalena:
Espero que goste, Celinho e eu demoramos para encontrar uma lembrança à altura. Vão emoldurar seu rosto, ficando ainda mais bonita, sussurra.

- Muitos parabéns e que tenha um dia especial, para recordar! conclui, com um sorriso.

Madalena fica enternecida com o abraço de Irises. A mentora revelara-se uma boa companheira e, apesar das divergências ideológicas, tinham-se tornado grandes amigas.

Apesar de já existir alguma cumplicidade entre ambas, as mãos da meretriz tremem ao abrir a caixinha e o coração bate de forma irregular. Ainda não se habitou às demonstrações de carinho.

Oh... - os lábios de Madalena arredondam soltando o formoso som - São tão bonitos... lindos! - os braços da meretriz envolvem Irises num abraço apertado - Muito obrigada, não sei como algum dia irei retribuir... - diz-lhe já numa voz mais baixa.

Celinho sorri de boa cheia de doce ao ver que tiaa Madalena gostou do presentinho.

Dizem que estas bolinhas brancas vem laaaa do mar. Dizia o miúdo enquanto voavam-lhe da boquinha migalhas de guloseimas.

Notando os olhos repreensivos da tiaa irises diante ao descuido de falar de boca cheia, Celinho arregala os olhinhos e volta a correr pela festa.

Lorena vê Madalena sair do quarto do Cien. Não a vira entrar na casa e achou estranho, mas já se habituara às surpresas da amiga. Correu para ela e abraçou-a:

- Muitos parabéns, minha querida! Toma, sei que é uma prenda pouco ortodoxa, mas foi escolhida com carinho.

E, com todo o cuidado, tirou um embrulhinho da algibeira.



- São cigarrilhas. Não mostre por aí, consegui-as no porto.