Lorena começou a cavar o jardim, a mondar as ervas, mas cedo percebeu que não ia ser fácil. Nunca tinha sido habituada ao trabalho do campo e... era duro.
Já o sol descia no horizonte e as sombras se alongavam quando ela pousou a enxada. A erva estava amontoada a um canto do jardim e, gradara a terra, amontoando as pedras noutro canto.
"Por hoje chega" - pensou. Entrou em casa e pôs a panela no lume. Era uma sopa aguada, com carolos de pão a engrossá-la. Estava a encher uma malga quando umas pancadas leves na porta se fizeram ouvir. Lorena estremeceu. Não estava à espera de ninguém àquela hora. Pousou a malga na mesa.
- Quem vem lá? - ensaiou Lorena uma voz firme.
Respondeu-lhe uma voz fraca, de menina.
- Abra, senhora, por alma de quem lá tem.Lorena abriu a porta um pouco a medo, mas ficou surpreendida. Na soleira estava uma menina magricela, de cabelo cor-de-fogo, emaranhado, que se escondia debaixo de um capuz puído. A cabeleira ruiva emoldurava um rosto duro e triste. No olhar, Lorena viu-lhe a desconfiança, o desespero e a solidão.
Vinha coberta por uma capa escura, deslida, que cobria os trapos em que se envolvia. Levantou os olhos cor de céu para Lorena:
- Uma côdea de pão, senhora.Lorena ficou calada, com os olhos brilhantes de piedade, e encostou-se para trás para a deixar passar. Fechou a porta atrás da menina e ficou por momentos a olhar para ela de coração apertado. Respirou fundo e dirigiu-se à lastra da lareira onde colocara a panela. Serviu mais uma malga e estendeu-lha.
Comeram as duas em silêncio, junto ao lume. A menina comia avidamente, tirava de quando em vez os olhos da malga e dirigia-os a Lorena com um olhar desconfiado, como se lha pudessem tirar a qualquer momento. Lorena perdera o apetite e empurrava a sopa a custo pela garganta. Ouvia-se apenas o crepitar da lenha e o tilintar das colheres. Quando as duas terminaram, Lorena acercou-se da mesa e tirou da cesta a maçã maior e mais vermelha e estendeu-a à rapariga:
- Como te chamas?- Antonieta, senhora. - respondeu-lhe a moça.
- E os teus pais, onde estão?Antonieta fixou o lume e respondeu num sussurro:
- Mortos, senhora, por ladrões na estrada. - calou-se por um momento, mas pareceu a Lorena uma eternidade. Na lareira, continuavam a ouvir-se os estalidos dos paus a serem devorados pelo fogo -
a mim apanharam-me e fizeram-me coisas, mas eu consegui fugir.O coração de Lorena apertou-se ainda mais. Pouco tinha para oferecer à menina, mas onde come um comem dois e havia mais uma esteira na casa.
- Para onde vais agora, Antonieta?- Não sei, senhora. Vou por aí.- Aceitarias ficar comigo, em troca de algumas lides? Não tenho muito para te oferecer, mas comida não te há-de faltar.- É mais do que eu posso pedir, senhora. - e Lorena viu gratidão naqueles olhos de um azul quase transparente que contrastavam com os cabelos vermelhos onde as chamas projectavam reflexos bruxuleantes.
Lorena sorriu-lhe e foi buscar a esteira e algumas mantas. Estendeu-lha de um lado da fogueira e ela deitou-se do outro. O braseiro perdia já a sua força.