[Alcácer do Sal, Junho de 1436]
- Atracar, marujos! Prendam as amarras! gritou o homem alto e barbudo que estava debruçado sob a amurada do Estrela do Sado.
Ao porto de Alcácer do Sal chegavam barcos de pesqueiros de pequenas dimensões. Os marujos que os tripulavam não passavam de homens pobres, definhados, de pele trigueira e mãos calejadas, que arriscavam diariamente a vida em troca de algumas moedas. As suas vozes grossas, roucas e sujas faziam-se ouvir entre a mescla de sons que povoavam aquele lugar ao pé do rio Sado, enchendo-o de vida e, por vezes, de morte.
Ele era claramente um intruso. Trajava um pelote de seda com longas cavas e um saio justo ao corpo, os cabelos negros arrumados num rabo-de-cavalo baixo. Estava encostado a uma parede, num lugar discreto, mas com boa visibilidade, que lhe permitia observar todas as chegadas e partidas. Todavia, não passava despercebido. Todos notavam o homem de olhos azuis, tez branca e roupas ricamente ornamentadas. Era já um costume vê-lo por ali àquela hora da manhã, mas todos os dias era novidade.
Vaughn Casterwill desembarcara no porto de Alcácer do Sal havia um mês. Viera de Bristol, Inglaterra, a mando do seu pai, Lorde William Casterwill, para visitar e coordenar algumas restaurações ao Solar do Clã. O jovem Vaughn passava pouco tempo no Solar e ainda menos a coordenar as restaurações. Trouxera consigo uma pequena comitiva de serventes e guardas que atendiam às suas necessidades pessoais, bem como, alguns conselheiros e mestres-de-obras que tinham à sua responsabilidade as obras do Solar. Os dias e as noites do herdeiro Casterwill eram passados em bordéis e casas de jogo e, muitas vezes, passavam-se dias até que voltasse ao Solar, geralmente para encher o alforge com moedas de ouro e prata.
Vaughn passara a sua última noite em Alcácer do Sal na Gruta da Boa Esperança, um boteco conhecido pela sua cerveja negra e pelas belas mulheres que a acompanhavam. Vanessa Soraia era uma mulher nos seus trinta anos e a principal atracção da cidade. Era dotada de uma sensualidade campestre, cabelos negros, pele trigueira, corpo roliço e seios fartos que mal cabiam no decote. Gargalhava facilmente e tinha uma voz melosa como só as melhores prostitutas têm. Os seus lábios carnudos eram a maior perdição, vermelhos e húmidos, prometiam prazeres sem fim. O herdeiro Casterwill rendera-se facilmente aos seus encantos, pois Vanessa Soraia era uma mulher em tudo diferente das escanzeladas e magricelas inglesas a que estava habituado, tinha o brilho do sol no olhar, a frescura dos campos na pele e a brisa do mar, quente e húmida, entre os lábios. Não houve um dia em que não a tivesse e hoje não seria diferente. A noite iniciou-se com algumas partidas de póquer, Vanessa Soraia estava sentada ao seu colo, insinuante e jovial, e Vaughn perdeu mais vezes do que aquelas que ganhou, pois tinha dificuldades em concentrar-se com o corpo dela tão próximo do seu. A madrugada ainda não tinha chegado quando subiram para o quarto e pela última vez Vaughn mergulhou naquele corpo tão orgulhosamente feminino.
Quando a manhã despertou ela já não estava, levara consigo moedas de ouro e de prata e deixara-lhe apenas as recordações de um verão sem nuvens. Vaughn vestiu-se e abandonou o bordel, uma sensação de perda pesava dentro de si, ligeiramente esbatida pelo entusiasmo de uma nova aventura. Tal como em todas as manhãs daquele último mês, caminhou até ao porto de Alcácer do Sal. Lá chegado recostou-se a uma parede, observando a azáfama matinal que o fazia sentir-se tão vivo. Era um lugar discreto, mas que lhe permitia uma boa visibilidade. Não passava despercebido, mas também não era isso que desejava, pois não escondia as suas origens nobres. Theyll be here soon
, pensou ao observar o navio mais imponente que ali estava atracado, ladeado por pequenas embarcações pesqueiras. Aquele navio era seu.
- Atracar, marujos! Prendam as amarras!
Era outro barco que acabava de chegar, o comandante um homem alto e barbudo, de rudes modos e grossa voz. Vaughn focou a sua atenção no Estrela do Sado, uma embarcação miúda que dificilmente merecia aquela designação. Pelo canto do olho, o Casterwill viu a sua comitiva chegar. Malas, maletas, barris e caixotes foram carregados para o interior do navio, num processo que não demorou mais de meia-hora.
- Sir, were ready to leave. informou-o um dos seus conselheiros, um homem de cabelos e barbas brancas.
O herdeiro Casterwill assentiu ligeiramente com a cabeça e seguiu o homem para o interior do navio, instalando-se num dos camarotes.
Só voltariam a atracar na cidade do Porto.
[Porto, Julho de 1436]
Porto, cidade vinhateira de encantos e paixões. Vaughn Casterwill estava à proa do barco, vendo o casco rasgar as águas azuis, límpidas como aquele céu de verão. Apesar de terem viajado para norte, o calor continuava a fustigá-los e somente a brisa marinha os resguardava das consequências nefastas daquela quentura tão opressiva.
A viagem decorrera sem sobressaltos e os dias passaram envoltos em tédio e na solidão própria que o alto-mar trazia. Vaughn aguardava ansiosamente pela chegada a terra, os seus sonhos eram povoados por promessas e o suor que lhe molhava o corpo fedia a desejo. Para trás ficara Vanessa Soraia, uma mulher experiente e doce como o mel, no Porto morava a descoberta e a inocência. Lorde William Casterwill comprara-lhe uma jovem virgem e Vaughn mal se continha, tal era a ânsia de a encontrar. Estivera com outras raparigas virgens no passado, mas nenhuma delas era portuguesa.
Por fim, o grande dia chegou. Atracaram ao cair da noite e o herdeiro Casterwill desceu de imediato, barafustando ordens e praguejando com todos os serventes.
- You! Come here! - Vaughn apontou para um homem de meia-idade que não pertencia à sua comitiva.
- Senhor? - inquiriu apreensivamente o homem.
Vaughn sorriu, o homem tinha sotaque português e olhar experiente.
- Casa da Babilónia, leve-me lá. - estendeu a mão direita e ofereceu-lhe duas moedas de prata.