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A Herdeira

--Julia_campos
Encarar Madalena fez apenas com que Júlia se emocionasse mais e as lágrimas rolaram rapidamente pelo rosto da proxeneta. Contrariamente ao que seria de esperar, Júlia não se preocupou com aquela demonstração de fraqueza, sequer tentou esconder ou limpar as lágrimas.

Não tardou para que o corpo se agitasse em soluços profundos e as mãos deixassem cair o pendente ao chão.


Ma... Ma... Madalena... - gaguejou por entre ataques de choro e depois enterrou o rosto nas mãos abafando o pranto.
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Maria_madalena
De cada vez que Júlia soluçava, Madalena estremecia. A meretriz não estava habituada a ver a mulher que a educara naqueles prantos. Crescera ante o seu olhar frio e implacável, ante as suas palavras duras e cruéis, ante a falta de emoção e sensibilidade que caracterizavam a proxeneta. Julgara impossível que aqueles olhos vertessem lágrimas.

Dona Júlia? - perguntou com a voz embargada. Não conseguia deixar de olhá-la com espanto.

Presa nos seus próprios tumultos e controvérsias, Madalena foi incapaz de aproximar-se ou consolar Júlia.

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--Julia_campos
Os soluços de Júlia prolongaram-se por mais alguns momentos, quando por fim a proxeneta retomou o controlo da sua respiração tinha o rosto corado e humedecido. Os olhos, igualmente róseos e inchados, procuraram Madalena na penumbra da sala. A meretriz estava ante si com uma expressão atónita e incapaz de qualquer tipo de reacção. Não esperara que a jovem a encontrasse naquela situação, tivera a vã esperança de chorar as mágoas em silêncio e recompor-se antes de um novo encontro, esconder o passado durante mais alguns meses, talvez anos, quem sabe pela eternidade...

Madalena, senta-te aqui... - pediu numa voz baixa e bateu com a mão duas vezes no assento de uma das poltronas à sua frente.

Enterrara o passado por demasiado tempo e ele voltara para a atormentar.
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Maria_madalena
Após uma breve hesitação, Madalena sentou-se na poltrona indicada por Júlia, pousando as mãos sobre o colo e olhando, por baixo das pestanas, para a proxeneta. Não sabia se devia falar ou permanecer calada. Uma palavra mal dita podia ser tão fatal como um silêncio excessivo. Madalena não desejava arriscar a sua posição, mas o último pedido de Júlia levava-a a acreditar que a mulher queria falar.

Por fim, a meretriz ganhou coragem para encarar a proxeneta e só assim pode notar a expressão desesperada no seu rosto.


Que aconteceu? - perguntou com o temor na voz.
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--Julia_campos
Júlia cerrou as pálpebras e, numa súplica rápida, pediu clemência a Jah. Há muito que não o fazia.

- Tenho coisas pra te contar... - a voz baixa não continha o tom de ameaça habitual.

Num gesto afectuoso, a proxeneta colocou a mão livre sob a mão direita de Madalena, agarrando-a bem firme. Olhou uma última vez para o pendente que segurava na outra mão e murmurou:

- Perdoa-me Madalena...
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--Narrador_
[Julho de 1436]

Alguns meses tinham decorrido desde que a pequena Júlia fora abordada por aquele enigmático homem. A conversa deixara-a entusiasmada e confiante na possibilidade de um futuro melhor. Foi somente quando ele partiu, sem lhe dar qualquer tipo de garantia além da sua palavra, que Júlia perdeu um pouco de esperança, e as mudanças que se seguiram não a deixaram mais confortável. O senhor importante para quem estava reservada não veio naquela noite, nem na que se seguiu, nem na outra, nem na outra, e a Madame retirou-a do serviço e entregou-a às tarefas domésticas da Casa da Babilónia, sem lhe dar qualquer tipo de satisfação ou explicação. A frustração da pequena Júlia apenas crescia.

Os dias quentes chegaram em meados de Junho, assim como o seu desalento. Já não acreditava nas promessas do homem que a visitara naquela noite, nem na possibilidade de um futuro melhor, o tempo passava devagar e a transformação não vinha. Pelo contrário, a actividade na Babilónia crescia a olhos vistos com a chegada do Verão e Júlia não tinha mãos a medir com a preparação de petiscos e bebidas que aguçavam o desejo daqueles homens desvirtuosos. Alguns deles mostravam interesse por si, mas a Madame era peremptória na recusa. E assim os dias serenos davam lugar a noites agitadas.

Foi num dia do início de Julho que tudo mudou.
--Julia_campos
O dia nascera solarengo e, apesar da hora ser vespertina, o ar estava abafado e quente. A lama das ruas há muito que secara e as nuvens de poeira levantadas por pessoas, animais e carroças eram uma constante. Os maus cheiros multiplicavam-se devido ao calor e as moscas aglomeravam-se em torno da porcaria. O Verão chegara.

Júlia abandonara a Babilónia com uma cesta de vime no braço, a Madame encarregara-a das compras daquele dia. A miúda caminhava cautelosamente evitando os dejectos em putrefacção e as carroças descontroladas. Levava os cabelos negros presos e um vestido de mangas curtas e tecido ligeiro, mesmo assim estava transpirada.


- Quanto custa? - perguntou a uma vendedora de tecidos descarnada.

A pequena estava fascinada por aquele tecido escarlate.
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--Dimas


O mercado estava cheio naquele dia de verão, e o cheiro se fazia cada vez mais intenso. O ar abafado e quente parecia concentrar aqueles aromas de humanidade e podridão, misturando-os e realçando-os a cada passo que ele dava.

Levava em sua mão um lenço, o qual utilizava para cobrir o nariz nos momentos em que o cheiro beirava o humanamente suportável. Os gritos dos mercadores enchiam o ar quase tanto como o cheiro dos homens e bestas que cruzavam aquelas ruas.

Ele a havia seguido desde que saíra da casa, aquele já não era um lugar seguro, e em silêncio deu as graças a que ela tenha se dirigido ao mercado e não a qualquer outro lugar, pois ali seria o local ideal para dar-lhe a mensagem que lhe era destinada.

A encontrou junto a uma vendedora de tecidos, e fitou-a enquanto ela conversava com a vendedora. Ela levava os cabelos negros presos e um vestido ligeiro de mangas curtas, e ainda assim sua beleza era evidente.

Ele aguardou, fingindo olhar algumas peças de tecido, até que a pequena se afastara, e voltou a seguir-la esperando o momento justo.

O momento chegou momentos depois, quando a multidão se apertou para dar passagem a um tiro de cavalos que puxava uma carruagem de algum nobre portenho. Aproveitou aquele instante para colocar-se ao lado dela e sussurrar-lhe - Prepara-te pequena. Ele chegou, e em breve ira buscar-te. - enquanto deixava cair no cesto da jovem o meio medalhão que a identificaria como agente da Ordem. -Guarde com muito cuidado este presente, ele pode salvar-te a vida.- foram as últimas palavras que ele disse antes de sumir em meio à multidão do mercado.
--Julia_campos
Aquele tecido, suave, brilhante e escarlate, era demasiado caro para as suas parcas poupanças. Sem possibilidades para o comprar, Júlia abandonou ali o seu sonho e seguiu em frente, observando as bancadas dos mercadores que iam surgindo. Nada lhe voltou a despertar a atenção, pelo que caminhava o mais rápido possível, meneando-se entre a confusão do mercado.

A passagem da carruagem de um nobre, obrigou a multidão a aglomerar-se. Os corpos pestilentos e suados fecharam-se à sua volta, tornando o acto de respirar praticamente impossível. Aproveitando a falta de ordem, um homem aproximou-se de si. O reconhecimento foi imediato e o coração de Júlia precipitou-se para um bater desenfreado.


"Prepara-te pequena. Ele chegou, e em breve ira buscar-te.", aquele sussurro trouxe-lhe uma sorriso aos lábios. Finalmente teria direito a alguma acção.

"Guarde com muito cuidado este presente, ele pode salvar-te a vida.", Júlia assentiu ligeiramente com a cabeça e depois fixou o olhar na metade de medalhão que o homem depositara no seu cesto. Quando voltou a procurá-lo, já ele tinha desaparecido.

Num gesto rápido, mas discreto, Júlia guardou o medalhão no seu corpete, invisível aos olhares alheios. A visita daquele homem deixou-a entusiasmada e a pequena permanecera parada naquele mesmo local durante largos minutos, sonhando e imaginando como seria a sua vida dali para a frente. Estava ansiosa pelo cair da noite, mas, por enquanto, tinha de satisfazer a Madame e isso implicava terminar as compras.

Feliz, retomou o seu percurso pelo mercado.

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Vaughn Casterwill, roleplayed by Maria_madalena
[Alcácer do Sal, Junho de 1436]

- Atracar, marujos! Prendam as amarras!gritou o homem alto e barbudo que estava debruçado sob a amurada do “Estrela do Sado”.

Ao porto de Alcácer do Sal chegavam barcos de pesqueiros de pequenas dimensões. Os marujos que os tripulavam não passavam de homens pobres, definhados, de pele trigueira e mãos calejadas, que arriscavam diariamente a vida em troca de algumas moedas. As suas vozes grossas, roucas e sujas faziam-se ouvir entre a mescla de sons que povoavam aquele lugar ao pé do rio Sado, enchendo-o de vida e, por vezes, de morte.

Ele era claramente um intruso. Trajava um pelote de seda com longas cavas e um saio justo ao corpo, os cabelos negros arrumados num rabo-de-cavalo baixo. Estava encostado a uma parede, num lugar discreto, mas com boa visibilidade, que lhe permitia observar todas as chegadas e partidas. Todavia, não passava despercebido. Todos notavam o homem de olhos azuis, tez branca e roupas ricamente ornamentadas. Era já um costume vê-lo por ali àquela hora da manhã, mas todos os dias era novidade.

Vaughn Casterwill desembarcara no porto de Alcácer do Sal havia um mês. Viera de Bristol, Inglaterra, a mando do seu pai, Lorde William Casterwill, para visitar e coordenar algumas restaurações ao Solar do Clã. O jovem Vaughn passava pouco tempo no Solar e ainda menos a coordenar as restaurações. Trouxera consigo uma pequena comitiva de serventes e guardas que atendiam às suas necessidades pessoais, bem como, alguns conselheiros e mestres-de-obras que tinham à sua responsabilidade as obras do Solar. Os dias e as noites do herdeiro Casterwill eram passados em bordéis e casas de jogo e, muitas vezes, passavam-se dias até que voltasse ao Solar, geralmente para encher o alforge com moedas de ouro e prata.

Vaughn passara a sua última noite em Alcácer do Sal na Gruta da Boa Esperança, um boteco conhecido pela sua cerveja negra e pelas belas mulheres que a acompanhavam. Vanessa Soraia era uma mulher nos seus trinta anos e a principal atracção da cidade. Era dotada de uma sensualidade campestre, cabelos negros, pele trigueira, corpo roliço e seios fartos que mal cabiam no decote. Gargalhava facilmente e tinha uma voz melosa como só as melhores prostitutas têm. Os seus lábios carnudos eram a maior perdição, vermelhos e húmidos, prometiam prazeres sem fim. O herdeiro Casterwill rendera-se facilmente aos seus encantos, pois Vanessa Soraia era uma mulher em tudo diferente das escanzeladas e magricelas inglesas a que estava habituado, tinha o brilho do sol no olhar, a frescura dos campos na pele e a brisa do mar, quente e húmida, entre os lábios. Não houve um dia em que não a tivesse e hoje não seria diferente. A noite iniciou-se com algumas partidas de póquer, Vanessa Soraia estava sentada ao seu colo, insinuante e jovial, e Vaughn perdeu mais vezes do que aquelas que ganhou, pois tinha dificuldades em concentrar-se com o corpo dela tão próximo do seu. A madrugada ainda não tinha chegado quando subiram para o quarto e pela última vez Vaughn mergulhou naquele corpo tão orgulhosamente feminino.

Quando a manhã despertou ela já não estava, levara consigo moedas de ouro e de prata e deixara-lhe apenas as recordações de um verão sem nuvens. Vaughn vestiu-se e abandonou o bordel, uma sensação de perda pesava dentro de si, ligeiramente esbatida pelo entusiasmo de uma nova aventura. Tal como em todas as manhãs daquele último mês, caminhou até ao porto de Alcácer do Sal. Lá chegado recostou-se a uma parede, observando a azáfama matinal que o fazia sentir-se tão vivo. Era um lugar discreto, mas que lhe permitia uma boa visibilidade. Não passava despercebido, mas também não era isso que desejava, pois não escondia as suas origens nobres. “They’ll be here soon…”, pensou ao observar o navio mais imponente que ali estava atracado, ladeado por pequenas embarcações pesqueiras. Aquele navio era seu.


- Atracar, marujos! Prendam as amarras!

Era outro barco que acabava de chegar, o comandante um homem alto e barbudo, de rudes modos e grossa voz. Vaughn focou a sua atenção no “Estrela do Sado”, uma embarcação miúda que dificilmente merecia aquela designação. Pelo canto do olho, o Casterwill viu a sua comitiva chegar. Malas, maletas, barris e caixotes foram carregados para o interior do navio, num processo que não demorou mais de meia-hora.

- Sir, we’re ready to leave.informou-o um dos seus conselheiros, um homem de cabelos e barbas brancas.

O herdeiro Casterwill assentiu ligeiramente com a cabeça e seguiu o homem para o interior do navio, instalando-se num dos camarotes.

Só voltariam a atracar na cidade do Porto.


[Porto, Julho de 1436]

Porto, cidade vinhateira de encantos e paixões. Vaughn Casterwill estava à proa do barco, vendo o casco rasgar as águas azuis, límpidas como aquele céu de verão. Apesar de terem viajado para norte, o calor continuava a fustigá-los e somente a brisa marinha os resguardava das consequências nefastas daquela quentura tão opressiva.

A viagem decorrera sem sobressaltos e os dias passaram envoltos em tédio e na solidão própria que o alto-mar trazia. Vaughn aguardava ansiosamente pela chegada a terra, os seus sonhos eram povoados por promessas e o suor que lhe molhava o corpo fedia a desejo. Para trás ficara Vanessa Soraia, uma mulher experiente e doce como o mel, no Porto morava a descoberta e a inocência. Lorde William Casterwill comprara-lhe uma jovem virgem e Vaughn mal se continha, tal era a ânsia de a encontrar. Estivera com outras raparigas virgens no passado, mas nenhuma delas era portuguesa.

Por fim, o grande dia chegou. Atracaram ao cair da noite e o herdeiro Casterwill desceu de imediato, barafustando ordens e praguejando com todos os serventes.


- You! Come here! - Vaughn apontou para um homem de meia-idade que não pertencia à sua comitiva.

- Senhor? - inquiriu apreensivamente o homem.

Vaughn sorriu, o homem tinha sotaque português e olhar experiente.

- Casa da Babilónia, leve-me lá. - estendeu a mão direita e ofereceu-lhe duas moedas de prata.
--Julia_campos
Estava no melhor quarto da Babilónia, localizado no piso térreo do edifício, com vistas para os jardins traseiros. O cómodo possuía duas portas, sendo que uma delas estava coberta por uma cortina de tecido vermelho, condicente com as restantes cortinas que cobriam as janelas. Esta porta dava acesso às traseiras do edifício, permitindo uma maior descrição. Era um quarto ricamente mobilado e ornamentado, um como Júlia nunca vira. A mobília em carvalho-português cuidadosamente trabalhada e polida era simplesmente magnífica. Além da cama e de uma arca, havia duas poltronas, um bacio e uma banheira por trás de um biombo. O chão estava coberto com tapetes felpudos em tons de amarelo e encarnado, que não destoavam do vermelho garrido das cortinas.

Júlia sabia que poucos eram os clientes que utilizavam aquele quarto e menos ainda eram as meretrizes que tinham a honra de utilizá-lo com o seu primeiro homem, mas este pensamento não a reconfortava. Entre cochichos baixos e corpos maculados, a rapariga aprendera que os homens detentores do maior poder eram, frequentemente, os mais cruéis. Se a Madame a tivesse requisitado para um dos cochos da cave, Júlia teria acatado a ordem de bom grado. Ter-lhe-ia calhado um camponês abençoado por fartas colheitas ou um carpinteiro com muitas encomendas. Qualquer um dos dois estaria ali apenas para gastar os trocos que lhe sobravam e festejar o bafo de sorte que lhe tinha batido à porta.


- Experimenta este vestido, rapariga. - disse a Madame com um sorriso nos lábios e um tom estranhamente amigável.

Júlia olhou apreensiva para o vestido de tecido acetinado que jazia em cima da colcha da cama, incapaz de dar continuidade aos pensamentos que a atormentavam.O vestido era branco, com algumas aplicações de renda rósea no peito e o tecido, extremamente delicado, era quase tão lustroso quanto o tecido vermelho que vira no mercado, naquela manhã. Não fazia o seu estilo, preferia cores escuras coordenadas com tons vivos, mas teria de usá-lo. Num gesto aparentemente confiante despiu a capa negra que trazia sobre os ombros, deixando-a cair ao chão. Ficou nua e não se importou com os olhares de escrutínio da Madame, mais tarde teria de enfrentar o olhar de um homem pela primeira vez.

Minutos depois Júlia estava pronta. O vestido não lhe ficava justo ao corpo, pois a linha da cintura era alta, ficando posicionada uns centímetros abaixo dos seios. O corte era direito e as mangas justas, ornamentadas com discretas palatinas. Além da renda que embelezava a região do peito, o vestido estava coberto por pequenos cristais da mesma tonalidade da renda. Foram-lhe entregues uns brincos e um colar e a Madame ajudou-a a pentear os cabelos e a segurar alguns fios com ganchos.


- Estás perfeita, Júlia. Aguarda aqui, não fiques nervosa e faz como te expliquei quando ele chegar.

Depois, a Madame abandonou o quarto e o silêncio instalou-se.
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Virgílio, roleplayed by Yochanan


Virgílio estava preparando-se para regressar à casa depois de um dia de trabalho nas docas do porto da capital portuense. Aos quarenta e poucos anos era já um pescador experiente naquelas águas e a boa fortuna já lhe havia sorrido algumas vezes ao longo de sua vida, com o que tinha tido a sorte de provar os prazeres da Casa da Babilônia. Aquele dia no entanto tinha sido bastante frustante, começando com seu barco fazendo água e a briga com os trabalhadores nas docas para consertar-lo, sem falar no preço extorsivo que lhe queriam cobrar!

Após muitas dores de cabeça, deixava Virgílio as docas, seu barco finalmente arrumado, mas com o dia dado por perdido. Não é então que foi interpelado por um estrangeiro.

You! Come here! - Vaughn apontou para um homem de meia-idade que não pertencia à sua comitiva.

- Senhor? - inquiriu apreensivamente Virgílio, tentando perceber se a conversa era com ele mesmo.

Então o estrangeiro sorriu, mas havia algo que fez um frio subir pela espinha de Virgílio naquele sorriso.

- Casa da Babilónia, leve-me lá.
- estendeu a mão direita e ofereceu-lhe duas moedas de prata. O toque frio do metal nas mãos de Virgílio fez qualquer outro temor abandonar imediatamente o seu pensamento. Quão fácil podia mudar o vento da fortuna, pensou consigo, e quão venturoso poderia ser o final de um dia que tivesse começado tão mal como aquele

Por aqui senhor, por aqui... - respondeu Virgílio embolsando as moedas e indicando com a mão que era para o senhor estrangeiro seguir-lo pelas ruas pouco iluminadas onde as longas sombras do sol poente criavam estranhas figuras.

Eles tiveram que andar um pouco, pois a Casa estava um pouco afastada das docas, onde o ar cheirava mais a cerveja e menos aos peixes que eram descarregados pelos barcos. Durante o caminho Virgílio tentou conversar com o estrangeiro uma ou duas vezes, mas o olhar frio do homem o desconcertava e preferiu ficar em silêncio o resto do caminho.

Aqui é senhor. A Casa da Babilônia! - Anunciou finalmente indicando a porta de uma casa sóbria, com as pequenas janelas cobertas por escuros tecidos, mas ainda assim o som abafado de risonhos risos femininos escapava para encher o ar noturno frente à aquela porta.
Vaughn Casterwill, roleplayed by Maria_madalena
De quando em quando, Vaughn Casterwill lançava olhares de desdém ao homem que o conduzia pelas ruas pestilentas e nauseabundas da cidade do Porto, pois um cheiro intenso a peixe emanava do seu acompanhante de cada vez que o vento mudava de direcção. O homem tinha a tez queimada pelo sol, mãos calejadas e braços robustos, certamente que habituado a trabalhos de grande intensidade física e mal pagos. Por diversas vezes tentou fazer conversa, talvez criar um clima de companheirismo masculino, afinal, não havia dúvidas quanto ao que o herdeiro Casterwill procurava entre os lençóis da Babilónia, todavia não foi bem sucedido, Vaughn estava demasiado compenetrado e ansioso, incapaz de despender demasia atenção àquele homem, todos os seus pensamentos eram dirigidos à bela jovem que o esperava.

O caminho foi curto o suficiente para que Vaughn não refilasse durante o percurso, mas demasiado longo para as suas ânsias.


- Aqui é senhor. A Casa da Babilónia! - anunciou entusiasmado o homem ao seu lado.

Os olhos azuis de Vaughn fixaram-se de imediato no edifício de aparência modesta, janelas cobertas por tecidos escuros. Por breves instantes, os seus olhos oscilaram entre o seu guia e a porta maciça da Babilónia habilmente decorada com uma silhueta feminina.

- Aqui tendes... - disse-lhe ao entregar mais uma moeda de prata - Agora desaparecei!
Virgílio, roleplayed by Yochanan


Virgílio tomou aquela nova moeda e em meio a desajeitadas vênias em agradecimento saiu dali o mais depressa que pode... no curto trajeto que havia compartido com aquele homem, sabia que não era bom para a saúde contrariar-lo.

Aquela noite se divertiria um pouco com as moedas ganhas com pouco esforço.
Vaughn Casterwill, roleplayed by Maria_madalena
Vaughn Casterwill ficou a ver o homem desaparecer entregue aos seus próprios pensamentos.

A última luz do dia estendia-se por aquela rua, alongando sombras e distorcendo silhuetas, o movimento não era muito e, tirando a ocasional carroça de mercador, apenas alguns homens se deslocavam por ali, uns poucos até mesmo com o rosto coberto. Um olhar mais atento revelou-lhe que todos os estabelecimentos da rua tinham propósitos similares aos da Casa da Babilónia, e os transeuntes desejavam tanto como ele enterrar-se entre as carnes quentes de uma mulher.

Demorou-se mais algum tempo com aquelas divagações, não porque sentisse necessidade de pensar, mas porque a cautela assim o recomendava. No bolso das calças, amarrotada e envelhecida, estava a última carta que trocara com a Madame da Casa da Babilónia. O negócio fora tratado e fechado havia tempo, as espias Casterwill continuavam a movimentar-se discretamente dentro da Babilónia, mantendo um olhar apertado sobre os inimigos do clã em terras lusas e fingindo submissão à Madame. A pobre mulher julgava-se protegida, oferecendo uma virgem para fechar o acordo. Um sorriso matreiro surgiu no rosto do herdeiro Casterwill.

Tal como combinado, Vaughn não entraria pela porta principal. Entrando numa viela estreita paralela ao edifício, contornou-o até estar de frente para as traseiras. Ali o silêncio era total e não se viva vivalma. Uma porta discreta, meia escondida entre ramos frondosos de hera, era a única possibilidade de entrada. Em passo determinado aproximou-se e colocou a mão direita sobre o puxador fazendo pressão e sentindo-o ceder.
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