Auren
Entre as ruelas do velho burgo de Alcácer do Sal, de pedra irregular e escorregadia, Auren corria para se esconder dos seus amigos. Tinha que encontrar um sítio discreto para não ser logo encontrada como costumava acontecer. A petiz parou junto a uma rua estreita olhou em redor com atenção. Estava na rua dos sarracenos, como lhe chamavam alguns. Era uma rua estranha e com alguma aura de mistério. As suas pequenas casas construídas em adobe e telhados de colmo eram diferentes de tudo o que havia na vila. Dizia-se que aquela era a zona mais antiga de Alcácer, o último resquício das gentes que a habitavam antes da conquista. E essas mesmas gentes, as que ali viviam a sua vida quase de reclusão, com os seus trajes únicos e aparência exótica e ao mesmo tempo pobre faziam daquele pequeno bairro um local único na vila.
Auren observou uma das casas com mais atenção, ao contrário das restantes, de linhas simples e toscas, aquela tinha um portal mais elaborado que culminava com um elegante arco em ferradura. Ali perto uma base redonda erguia-se alguns metros apenas para acabar de forma abrupta e feia. Aquela espécie de torre de base circular deveria estar arruinada há bastantes anos, pois até as cegonhas do Sado a ocuparam para ali fazer um ninho.
Com o peito a palpitar de curiosidade a pequena Auren decidiu investigar e passou o portal daquela casa. Lá dentro encontrou um espaço amplo com chão de pedra lisa pontuado por vários pilares que culminavam em outros arcos em ferradura, mas mais simples e deformados pelo tempo do que o arco da entrada.
Auren caminhou lentamente em direcção ao centro daquele local onde um homem barbudo, vestido com uma toga estranha e um lenço enrolado à cabeça, se encontrava ajoelhado um pouco mais à frente. O mesmo homem parecia estar a rezar numa língua estranha enquanto se endireitava sobre um pequeno tapete para segundos depois voltar a levar a cabeça ao chão.
Auren, agora assustada com aquele estranho comportamento, deu dois passos atrás e tentou retirar-se em silêncio. No entanto antes que se pudesse escapulir um segundo homem barbudo, mas mais velho que o primeiro, colocou-se à sua frente impedindo a passagem.
- A menina deveria estar descalça - observou o velho num tom rouco e baixo - Para se orar ao Único devemos estar limpos, por dentro e por fora - o homem esboçou um sorriso enigmático.
Auren olhou noutra direcção, tentando evitar o contacto visual com o velhote estranho, e tentou passar por ele para se retirar, mas o velho reteve-a.
- Sabe que sítio é este? - perguntou ele num tom quase inaudível.
A pequena Salaciensis abanou negativamente a cabeça.
- Estamos no templo do Misericordioso, o deus Único... já ouviste falar Dele? Ou da Sua palavra transmitida pelo bem-aventurado Mensageiro Averróis?
Auren voltou a abanar a cabeça, completado agora com um sussurro.
- Não... eu nunca...
O velho sorriu novamente e conduziu-a à entrada do templo.
- Um dia, há muitas gerações atrás, esta cidade foi fiel ao deus verdadeiro, o Clemente. Aquele que tudo fez e criou. Mas o tempo e as conquistas dos homens fizeram estas gentes esquecerem as suas verdadeiras raízes. Esqueceram o Único, mas ele nunca se esqueceu delas - o velho tinha uns olhos tristes - E tu minha pequena, também te esqueceste?
_________________
Auren observou uma das casas com mais atenção, ao contrário das restantes, de linhas simples e toscas, aquela tinha um portal mais elaborado que culminava com um elegante arco em ferradura. Ali perto uma base redonda erguia-se alguns metros apenas para acabar de forma abrupta e feia. Aquela espécie de torre de base circular deveria estar arruinada há bastantes anos, pois até as cegonhas do Sado a ocuparam para ali fazer um ninho.
Com o peito a palpitar de curiosidade a pequena Auren decidiu investigar e passou o portal daquela casa. Lá dentro encontrou um espaço amplo com chão de pedra lisa pontuado por vários pilares que culminavam em outros arcos em ferradura, mas mais simples e deformados pelo tempo do que o arco da entrada.
Auren caminhou lentamente em direcção ao centro daquele local onde um homem barbudo, vestido com uma toga estranha e um lenço enrolado à cabeça, se encontrava ajoelhado um pouco mais à frente. O mesmo homem parecia estar a rezar numa língua estranha enquanto se endireitava sobre um pequeno tapete para segundos depois voltar a levar a cabeça ao chão.
Auren, agora assustada com aquele estranho comportamento, deu dois passos atrás e tentou retirar-se em silêncio. No entanto antes que se pudesse escapulir um segundo homem barbudo, mas mais velho que o primeiro, colocou-se à sua frente impedindo a passagem.
- A menina deveria estar descalça - observou o velho num tom rouco e baixo - Para se orar ao Único devemos estar limpos, por dentro e por fora - o homem esboçou um sorriso enigmático.
Auren olhou noutra direcção, tentando evitar o contacto visual com o velhote estranho, e tentou passar por ele para se retirar, mas o velho reteve-a.
- Sabe que sítio é este? - perguntou ele num tom quase inaudível.
A pequena Salaciensis abanou negativamente a cabeça.
- Estamos no templo do Misericordioso, o deus Único... já ouviste falar Dele? Ou da Sua palavra transmitida pelo bem-aventurado Mensageiro Averróis?
Auren voltou a abanar a cabeça, completado agora com um sussurro.
- Não... eu nunca...
O velho sorriu novamente e conduziu-a à entrada do templo.
- Um dia, há muitas gerações atrás, esta cidade foi fiel ao deus verdadeiro, o Clemente. Aquele que tudo fez e criou. Mas o tempo e as conquistas dos homens fizeram estas gentes esquecerem as suas verdadeiras raízes. Esqueceram o Único, mas ele nunca se esqueceu delas - o velho tinha uns olhos tristes - E tu minha pequena, também te esqueceste?
_________________