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[RP] A preparação do passavante

Beatrix_algrave


Após entregar mais um trabalho para a avaliação do Mestre-de-Armas, Beatrix retornou ao ateliê da Heráldica. Enquanto organizava o seu material de trabalho, ela esperava pela chegada do passavante Dalur da Silva. Ela estava responsável por apresentar ao passavante os detalhes do trabalho e instruí-lo o máximo possível sobre a arte e a ciência da heráldica.

Felizmente, a reforma do prédio já cessara, e não havia mais o movimento caótico e exasperante de alvanéis talhando pedras nem de carpinteiros construindo vigas para a reparação do edifício que teve justamente ali uma avaria grave, que resultou na amputação de um dos pajens que agora circulava pelo prédio com uma perna de pau.

Não havia mais nem o caos nem a poeira incessante que tanto comprometia os livros quanto os outros materiais que os arautos utilizavam em seus trabalhos. Ela arrumou cuidadosamente os potes de tinta e as penas, que usava para criar os desenhos dos brasões heráldicos. Algumas daquelas tintas eram bastante caras e usavam em sua composição pó de ouro ou de prata. Havia ainda pigmentos cuidadosamente misturados para gerar a combinação perfeita para dar a tonalidade de certos esmaltes mais raros, como os tons de verde, ainda tão difíceis de conseguir. As penas precisavam estar limpas sem nenhum fragmento de tinta ou poeira.

Tudo havia sido guardado em baús durante a reforma, e enquanto Beatrix retirava o material de dentro de um deles, sentiu um cheiro que a desagradou.

Um dos potes de tinta estava rachado e a tinta vazara estragando vários pergaminhos. Ela retirou aqueles itens dali com muito cuidado para não estragar outros pergaminhos e materiais que ainda se encontravam no baú. Depois disso, ela chamou um pajem para que terminasse de limpar e recolhesse o que devia ser deitado fora. Diante disso, Beatrix logo tratou de encomendar mais um pote daquela tonalidade de tinta. Felizmente não era dos pigmentos mais preciosos e poderia ser facilmente reposto, mediante a autorização do mestre de armas.

Quando finalmente aquela arrumação cessou, ela sentou-se na cadeira diante da escrivaninha e começou a rabiscar com a pena sobre o papel, o rascunho de um novo brasão que aos poucos ia ganhando forma. Só depois dessa primeira prova é que o desenho seria habilmente desenhado em pergaminho e em alguns casos em peças de metal ou talhado em madeira, dependendo do gosto do solicitante.

Ela estava distraidamente desenhando, enquanto aguardava a chegada do passavante que deveria instruir durante aqueles três meses que se seguiriam.

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Dalur


Dalur seguiu as orientações que foram-lhe dadas até adentrar no prédio recém reformado, enquanto caminhava, não pode deixar de notar um dos pajens a caminhar com uma perna de pau, de início, pensou que poderia tratar-se de um pedinte perdido por aquele belo edifício. Foi para seu espanto descobrir que ele sofreu um pequeno acidente, continuou seu caminho receoso que igual sorte poderia lhe ocorrer.

Ao chegar a sala indicada, ele observa Beatrix desenhando, deu três leves batidas na porta aberta para chamar a atenção daquela que iria auxiliá-los nos caminhos da heráldica. Quando conseguiu a atenção desta foi logo se apresentando.

-Olá. Sou Dalur da Silva Mello Medeiros-Monforte, mas creio ser mais fácil tratar-me apenas por Dalur, sou o novo passavante. Fui indicado para procurá-la, espero estar no local correto
Beatrix_algrave


Beatrix foi retirada da concentração do seu trabalho pela chegada do passavante, contudo como a presença dele já era esperada, ela não se importou com a interrupção. Beatrix o cumprimentou com cortesia e pediu que entrasse e buscasse ali uma cadeira para sentar-se, enquanto ela guardava o material e deixava o desenho secando sobre a escrivaninha.

- Bom dia, senhor Dalur. Está no local certo. Foi solicitado a mim que o familiariza-se com o trabalho da heráldica. Devia ter marcado esse encontro há mais tempo, mas infelizmente tivemos alguns problemas estruturais. O prédio passou por reformas e somente agora conseguimos colocar tudo em ordem. Antes de mostrar os materiais e os detalhes do trabalho gostaria de mostrar-lhe os nossos ateliês e oficinas.

Ela disse e convidou-o a acompanhá-la pelas outras dependências do prédio.

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Dalur


Dalur agradeceu as boas vindas, olhou ao redor observando os detalhes da sala e seus belos móveis, quando Beatrix terminara de falar, lhe replicou:

- Não há problemas, o importante é que estou aqui agora. Eu percebi a reforma, alguns trabalhadores...ficaram com certas marcas, por assim dizer. Ficarei mais que grato de acompanhar-vos para conhecer o restante do prédio.

Limpou sua camiseta que tinha um pouco de pó e se pôs a seguir a dama que ia mostrando o prédio no qual passaria um bom tempo trabalhando.
Beatrix_algrave


Beatrix deixou a sala e foi caminhando pelos corredores, acompanhada pelo passavante, o senhor Dalur.

Ela parou diante de uma porta alta e que estava semi-aberta. Ela abriu a porta, escancarando-a e convidou o senhor Dalur a entrar naquele espaço. Era a biblioteca da Heráldica.

Em uma escrivaninha estava um dos pajens que ali trabalhava e que auxiliava na organização da biblioteca. Também controlava o acesso aos livros e demais itens que ali ficavam. O ambiente possuía uma boa iluminação àquela hora, graças a alguns vitrais que deixavam a luz passar pelas janelas, mas sem permitir que a poeira ou a umidade adentrasse aquele local, que apesar disso, fora tão maltratado por ambas as coisas durante a reforma.

Nas mesas estavam castiçais com velas que poderiam ser acesas para facilitar a leitura.

Beatrix o cumprimentou com um aceno de cabeça e prosseguiu até as estantes.

Além de alguns livros e tomos, organizados em três estantes, havia também diversos pergaminhos cuidadosamente acomodados em armários em caixilhas de madeira e recobertos com um involucro de panos de linho para a mais adequada conservação. Alguns destes em prateleiras possuíam apenas o invólucro de linho mas não estavam empilhados. Entre os livros havia alguns códices de pergaminho e papiro. Também havia obras mais recentes, em especial incunábulos, impressos com tipos móveis. Uma novidade que se espalhava e facilitava o acesso e a produção de diversas obras. Essas obras imitavam os manuscritos e a primeira vista alguns deles enganavam bem. Até por que alguns traziam detalhes ainda pintados a mão, em especial as capitulares.

A sala era ampla e próximo das estantes haviam algumas mesas e escrivaninhas, talvez para restauro ou para que se fizessem cópias dos volumes ali presentes.

Em uma das paredes estavam vários brasões pendurados e enfileirados. Eram as armas nacionais, dos condados e das cidades do reino.

Antes de pegar um dos livros, Beatrix vestiu luvas de algodão.

- Como já deve ter percebido, essa é a Biblioteca do Colégio Heráldico, aqui ficam guardados os registros armoriais, também há obras para consulta sobre heráldica tanto de Portugal como de outros reinos. Todos os selos, armas, escudos e símbolos produzidos pela nossa heráldica ficam aqui guardados e registrados. Também ficam guardados e registrados os brasões das famílias nobres.

Ela mostra a Dalur o livro que está manuseando, que se trata de um códice armorial com o registro de armas de diversas famílias do Reino de Castela.

- Nem os livros nem os outros materiais devem sair do prédio da heráldica. Devem ser consultados aqui. Se houver muita necessidade disso, uma cópia pode ser providenciada. O manuseio deve ser cuidadoso, para não deixar marcas de gordura ou manchas que possam estragar, principalmente os pergaminhos. Se precisar de consultar qualquer material o pajem Francisco poderá auxiliá-lo. Se precisar de cópias, temos um bom livreiro aqui em Sintra, o senhor Joaquim.

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Dalur


Dalur observa os detalhes atentamente, As belas janelas que deixavam a luz adentrar o local produziam um belo espetáculo, dando um toque especial aquela sala. Observava cada pergaminho com atenção, assim como os demais livros expostos e tão bem conservados.

Ao fitar a estante, imaginou todo o conteúdo que havia naquele local, quantas pessoas trabalharam em incontáveis horas para que todo aquele material fora produzido. Imaginou também quão belas obras estavam imprensas naqueles volumes, símbolos e desenhos que tinham importância singular para quem ou para o quê representavam. Foi neste tempo que pensou que ainda não tinha nada que o representasse, seu nome era tudo que o diferenciava das demais pessoas deste reino, sentiu-se um pouco deslocado ao perceber que havia de trabalhar em um local e nem trajava ainda um símbolo próprio.

Foi a voz de Beatrix que o tirou destes pensamentos, enquanto demonstrava um livro com as armas de diversas famílias, Dalur não pode deixar de procurar as armas de uma de suas linhagens. Apesar dos De Souza Mello não ter identificação junto a heráldica, procurou algum indício que preenchesse esta lacuna, não obteve resultado algum, mas logo se deparou com as armas da família Monforte, não pode deixar de dar um sorriso ao poder ver a arte e identificar-se com ela.

Ouvindo tudo que Beatrix dizia atentamente, acabou por ficar com uma dúvida e a expôs

- Dama Beatrix, é permitido que os passavantes tenham uma cópia de cada um destes volumes para estudos? Veja que entendo que podemos consultar neste belo local, mas, há de convir que as vezes sentimo-nos inspirados a produzir algo dentro de nossa casa, e se dispuser do material necessário seria de grande valia.
Beatrix_algrave


Beatrix após apresentar alguns volumes da biblioteca ao passavante, notou que ele desejava perguntar algo, e abriu espaço para que ele questionasse à vontade. Em seguida, procurou responder-lhe às perguntas da melhor forma possível.

- Como eu disse os volumes não podem deixar a biblioteca. Uma exceção é feita, apenas caso o Mestre-de-Armas autorize expressamente. Uma cópia de nossas Regras e do nosso Regimento foi providenciada para o senhor. Também receberá o Manual de Orientações para a Constituição de um Brasão de Armas e o Manual para Elaboração de Selos. Quanto aos demais volumes, é possível solicitar cópias, mas com parcimônia. Alguns deles tem um elaboração muito dispendiosa, pois exigem trabalho artístico de desenho e pintura, alguns inclusive são obras raras de difícil acesso e que tivemos a oportunidade de possuir uma cópia graças à cooperação de nossa Heráldica com as Heráldicas de outros reinos. Alguns trabalhos são doações e contribuições de antigos mestres-de-armas que por aqui passaram e deixaram um legado. Na sala do Mestre-de-Armas o senhor poderá ver algumas pinturas retratando os antigos Mestres-de-Armas, que fazem parte da nossa história.

Ela faz uma pausa e procura um volume nas estantes, sobre Regras Heráldicas, e mostra ao senhor Dalur.

- Esse volume por exemplo, foi elaborado por Dom Araj De Sagres, que já ocupou o cargo de Mestre-de-Armas aqui por um bom tempo, antes mesmo que eu entrasse como arauto. Ele ainda faz parte da Heráldica Portuguesa, mas atualmente se encontra em retiro para cuidar da saúde. Realmente um grande especialista e muito dedicado. Uma pena ter se afastado.

Após responder às perguntas do senhor Dalur, Beatrix solicita ao pajem Francisco que traga os livros que foram feitos para serem entregues ao passavante, especialmente para seu estudo e preparação.

- Além dos livros que citei, também separei mais estas três obras especialmente para o senhor aprofundar seus estudos heráldicos.

Beatrix disse e mostrou ao passavante mais três códices grossos, sobre História Heráldica e Regras Heráldicas. Pelo volume das obras dá para perceber que os estudos do passavante Dalur serão bastante exaustivos.

- Vou mostrar-lhe agora a sala onde irá trabalhar. Poderá deixar os livros lá até terminarmos o passeio.

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Dalur


Dalur correndo as mãos pelos três volumosos livros, suspira antevendo o tempo que iria consumir para poder aprofundar seus estudos. Pensou consigo que o trabalho é necessário esforço, ao menos este pensamento seria o seu consolo.

- Sim, vamos ver onde será a sala, por favor, mostre o caminho.

Disse sorridente o passavante. No caminho, ia se admirando ainda mais com os detalhes da construção, realmente havia de admitir que foi feito óptimo trabalho na reforma do prédio.
Beatrix_algrave


Beatrix tomou o caminho à frente e retornou com Dalur através dos corredores até uma sala próxima a sua, onde haviam três mesa de trabalho, algumas cadeiras, uma estante e um armário repleto de materiais semelhantes aos que Dalur viu na sala onde Beatrix o havia recebido.

Ela indicou uma das mesas como sendo aquela que Dalur ocuparia. A sala possuía mobiliário bastante sóbrio mas funcional. Ao menos as mesas pareciam ser bastante antigas, mas sólidas e bem cuidadas.

Àquela hora uma das janelas recebia uma fresta de sol, pois as cortinas pesadas estavam cerradas. Beatrix foi até elas e afastou-as e abriu as janelas de par-a-par, deixando a luz adentrar aquele espaço, tornando-o menos insalubre e de ar mais limpo.

- Felizmente não houve nenhum dano nessa sala e eu pedi aos pajens que fizessem uma boa faxina, mas ela precisa "respirar" e ver a luz do sol. Essa umidade pode estragar os materiais.

O senhor pode deixar os livros sobre a mesa. Nas gavetas há papel, e ali naquele armário há material de desenho suficiente para começarmos.

- Espero que esteja animado. Vamos às oficinas agora?

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_narrador_


Dali, Beatrix deu continuidade à apresentação das salas da heráldica, se comprometendo a tirar as dúvidas que o passavante tivesse em relação aos trabalhos que eram feitos em cada uma das oficinas.

Foi uma manhã exaustiva mas proveitosa. O passavante ainda teria que estudar e praticar muito antes que pudesse futuramente tornar-se um arauto.

Infelizmente, por motivos de saúde o senhor Dalur deixou de frequentar o curso preparatório com a arauto Beatrix. Ela ficou aguardando o retorno dele, assim que ele tivesse condições de prosseguir e continuar os seus estudos.
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