Não quis ir à praça naquela noite. Não foi ver a bruxa perecer nas chamas. E não foi porque, pela primeira vez na sua vida, teve medo. Todas as súplicas foram inúteis, todos os planos falharam. Não conseguira provar a inocência daquela mulher. Não porque ela não fosse bruxa, mas sim porque era sua amada.
Naquele dia, perdera a conta das preces que fizera a Jah pela alma da jovem. À noite, quando a multidão se reuniu para presenciar o castigo de Maria, a bruxa, Gregório recolheu-se à sacristia da Igreja do Porto, onde pôde apenas chorar o martírio de Maria, a pobre. Que do alto de sua humildade e pequenez, envolveu de encantos o coração do diácono. Que se entregou a ele sem medos ou pudores, e deu-lhe uma pequena filha. A mulher que, por amor, preferiu a morte a revelar a identidade de seu amado. Ao ouvir os gritos histéricos do populacho, deu-se conta de que Maria já fora ao encontro de Jah.
Pouco depois, uma mulher chega à porta lateral da sacristia.
-Gregório! Gregório! Abra!Bão incendiare o casebre da Maria!
Abriu. A fiel guardiã de sua amada trazia nos braços o fruto de seu único amor. Uma menina pequenina e frágil, alva como a lua e de cabelos negros como a noite.
-Nom consegui trazere mais nada, Gregório. Esta pobrezinha não tem mais nada. Só a ti.
Tomou a filha em seus braços, era apenas um bebezinho, e a sorte já lhe era muito cruel. Embalou a menina com um cântico suave, para que não acordasse, enquanto com outra mão apontou uma bolsa de moedas, mandando que a mulher a apanhasse.
-Urraca, nesta bolsa tem algum dinheiro. Preciso que vá pelas ruas e compre roupas, mantas e tudo o que para a menina. Tenho medo do que os Inquisidores possam fazer comigo.
A mulher saiu, e algum tempo depois, estava de volta, com algumas poucas mantas e cueiros. Ninguém queria vender as coisas a Urraca, pois ela parecia uma bruxa. E enquanto a velha cuidava da menina, os Inquisidores retornaram à sacristia.
-Gregório, temos algumas perguntas para vós. falou-lhe o mais velho dos quatro inquisidores.
-Que quereis saber, mestre inquisidor? Tudo o que sabia eu, vos disse. Mataste uma inocente, disse-vos e mais, provei-vos. Uma chicotada atingiu a face de Gregório.
-Não te esqueças, diácono, que aqui somos nós a fazer as perguntas. falou o mais baixo, com cara de rato, brandindo o chicote.
e quem é a velha com a criança?
-Uma peregrina. A criança é filha de sua filha, que morreu de peste na Guarda. Veio deixar a menina no convento, não pode criar. É errado acolher uma pobre mulher na igreja, Senhor Inquisidor? mais uma vez o chicote atingiu-o.
-És surdo, diácono? Disse-vos que aqui nós é que fazemos as perguntas. Venha conosco.