Leticia
Letícia se afastou da porta depois do encontro rápido com a moça ruiva. Dificilmente ela seria reconhecida ali.
Nem mesmo eles sabiam de nada. Ela representava tão bem o seu papel e agora enquanto caminhava ia largando suas duas máscaras. A primeira era a da meretriz subserviente que tudo faz para agradar e atender os caprichos do senhor, a segunda máscara era a da donzela de boa família.
Não, ainda não, talvez ela ainda precisasse um pouco daquela segunda máscara.
Ela pensava enquanto mantinha um passo leve e delicado. Moças de boas famílias não tem seu andar tamborilante e desembaraçado. Elas têm um passo miúdo, tímido, retraído, cheio de recuos em busca de um avanço que sempre vem lentamente.
Sua presença ali unira o útil ao agradável. Ao mesmo tempo em que mantinha uma de suas máscaras, ela também estava no lugar certo para o que viera buscar. Pensara em mil desculpas e disfarces, mas aquele era perfeito.
Assim, ela foi caminhando entre corredores e salas. Uma donzela tímida e deslumbrada com a suntuosidade da bela Sintra.
Esgueirando-se entre pajens, passando por pacotes e livros que eram carregados, ela ousadamente chegou até a porta, e adentrou a sala.
Se alguém a flagrasse, era apenas uma jovem perdida procurando alguém e nada mais a declarar. Sua expressão inocente não deixaria dúvidas.
Para seu lamentável azar a escrivaninha estava fechada à chave.
Mas trancas e fechaduras não iriam demovê-la do seu objetivo. Habilidosamente ela retirou de sua bolsa uma pequena haste de metal, tão ciosamente oculta que só ela saberia localizar. Com aquele objeto ela começou a mexer na fechadura, até ouvir o discreto clique que indicava o seu sucesso.
Ela abriu a escrivaninha e buscou sua presa. Seus olhos verdes cintilaram de satisfação quando ela apoderou-se do que viera ali buscar.
Em seguida, ela deslizou para fora da sala. Continuou caminhando sem pressa, com a mesma calma de antes.
Alguns homens a cumprimentavam com sorrisos e gracejos, alguns tiravam-lhe o chapéu. Sem a companhia do arauto ela era agora abertamente cortejada, apesar de que o nível dos gracejos eram direcionados a uma jovem dama e não a uma meretriz.
Mas nenhum deles viu, nenhum deles imaginaria do que ela era capaz.
Ela caminhou até o mesmo local de onde viera, onde descera do coche. Ali, ela tomou um novo coche, que deveria leva-la a outro destino. As ordens foram cumpridas e sua missão estava agora perto do fim. Quando percebessem, seria tarde demais.