De posse das chaves, Irises foi conhecer a casa por dentro. Já se havia encantado com os três carvalhos centenários no jardim, e as paredes cobertas da mais verde e brilhante hera.
Abrir a porta não foi fácil, emperrada que estava. Há muito tempo que não morava ninguém ali. Entrou numa pequena sala conjugada com a cozinha, e não havia mobiliário algum na sala além de alguns tocos de árvore que serviriam de bancos. Mas a cozinha, que surpresa! Contava com um bom fogão, em excelente estado. Panelas, tigelas reforçadas, vários copos, facas, tábuas de cortar e cestos! Um varão onde poderia pendurar ervas para secagem emoldurava a cozinha. Tudo muito empoeirado, mas nada que água, sabão e areia não resolvesse...
Saindo da cozinha,encontrou um pequeno quarto, com duas janelas que abriam para o jardim e a sombra dos carvalhos. A parede, onde havia um nicho que poderia servir de cama, ficava colada ao fogão.
"Bom para espantar o frio", pensou. Ao lado um cubículo, serviria bem como casa de banho. Não havia mais que isso, nem precisaria de mais.
O telhado estava em bom estado, aparentemente. O chão, forrado de grossas tábuas de madeira de cerne, ficaria perfeito depois de lavado e algumas demãos de cera de abelhas.
Enquanto observava a casa e a estrutura, ia fazendo seus planos:
Aqui, neste cantinho, uma estante para guardar a comida. Com algumas pedras e tábuas resolvo isso facilmente. E outra, mais pequenina, no quarto, para os livros. Sim, a parede parece bem seca. Não há risco de umidade...Encostado à parede, um monte de madeira. Já ia levar para o fogão e acender o fogo para testar a chaminé, quando percebeu que havia ali muitas partes de madeira trabalhada. Separou estes pedaços da lenha e foi começando intuitivamente a uni-los, até que viu uma roda e percebeu logo que tratava-se de uma roca de fiar! Terminou de montar, já sabendo do que se tratava não levou muito tempo. Uma ferramenta de trabalho tão cara e difícil de se conseguir, estava ali esperando por ela.
A moça acreditava na guarnição de Jah e da Deusa, e também em sinais. Percebeu logo que ali estava se descortinando uma profissão para o futuro, um trabalho mais delicado e compatível com sua estrutura física.
Sorrindo e cheia de entusiasmo saiu para o jardim. Queria examinar a vegetação e as árvores, escolher um lugar para suas flores, para a pequena horta que pretendia fazer, e ainda descobrir um lugar onde deixar diariamente algumas frutas e pão para o pequeno Celinho, menino abandonado de quem a moça tanto gostava. Sabia que o menino era arredio e gostava de liberdade, se pudesse vir e pegar a comida quando quisesse não se sentiria preso. E Irises gostava de saber que seu pequeno amigo não passaria mais fome.
Encontrou uma parte oca no carvalho que ficava mais afastado, limpou cuidadosamente os restos de madeira e ficou satisfeita.
Um farnel bem embrulhado cabe direitinho aqui e não fica à vista dos passantes. E vai ser fácil para o pequenino alcançar! pensou.
Voltou à casa para fechar tudo até trazer as poucas coisas que possuía, quando notou uma janelinha. Não havia visto antes, a janela estava encoberta pela hera e não deixava entrar a luz. Saindo ao jardim localizou a janela e começou a retirar delicadamente os ramos que a cobriam. Longos ramos de hera espalhados pelo chão, e a janela enfim apareceu!
Cansada, a moça sentou-se numa pedra a contemplar o trabalho. Distraidamente pegou alguns ramos e começou a trançar, acabando por formar uma grinalda. Lembrou-se então de um belo poema, que escutara em menina, e do qual nunca se esquecera, por ser a impressão que tinha do que seria o amor.
"Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia."
Fernando Pessoa Levantou-se, colocou a grinalda nos cabelos, o contraste entre o verde e os cabelos ruivos, o espírito leve e feliz, seguiu para o casebre onde vivera até então.
Sentia-se muito bem e contente. Agora tinha um lar, a
Casa da hera