Naturalmente, ao retornar do casamento, ir direto à cama e verificar debaixo dela se a espada ali estava foi seu primeiro impulso. Novamente cerrando as cortinas e a trancar bem a porta, Celly abaixa devagarinho, com um frio na espinha. Eis que seu coração dispara ao constatar que a espada não estava onde deixara! Lívida, percorre o quarto, revirando a coberta e suas gavetas. Nada, sequer a bainha! Mas, a sombrinha ainda estava ali, no mesmo lugar.
Meio transtornada, sem saber o que houve com aquilo que ela mesma furtara, dirigiu-se ao galpão das armas e, muito surpresa, encontrou-o trancado pela primeira vez. Alguns soldados, à espreita, guardavam ao longe. Parou, meio desorientada, com a mão à boca, a andar em círculos e mais uma vez refletir sobre a loucura do sumiço de uma espada.
Dando a volta pelo galpão, a olhar pela janela, percebeu que estava bem ali, onde a encontrara! Não podia estar a ficar doida! A presença de tantos soldados a incomodava, mas isso não impediu que a menina desse aquela necessária espiada furtiva pela vidraça.
Enfim, uma epifania... foi o Dimas, só pode ser! Estava envergonhada do furto, do gesto cometido, da mentira, tudo... Talvez, nem devesse ter pego aquela maldita arma na mão! Que modo sem graça agora Celly poderia olhá-lo no rosto? Era necessário pedir desculpas, tão logo se cruzassem!
Dirigiu-se a um lavabo externo e lavou o rosto. Não queria ter por aí as bochechas vermelhas de vergonha, de raiva ou o que quer que fosse. Enfim, mais recomposta, enxugou-se com uma toalha e seguiu caminhando próxima às cercas, onde a vista da floresta era possível e o cheiro de grama e folhas frescas lhe era muito agradável. Permaneceu ali durante um bom tempo e por pouco, não deitou-se, quase a cochilar.
De repente, num susto, desperta!
- Mas, o que o Dimas tinha de invadir o meu quarto? Deixei bem claro a ele, não invadas o quarto de uma moça, não me revistes, sou uma dama! - dizia para si mesma, com o dedo em riste, como quem adverte veementemente - Ele entrou no meu quarto! Ele pode ter visto as minhas coisas, as minhas intimidades, a procurar essa espada! Não, ele está a perder o respeito para comigo! Tudo bem, ele é amigo de meu pai...e sua função é guardar a espada e o galpão das armas...mas, por que resolver assim, desta forma? Por que Dimas não falou com respeito comigo, pôs-se logo a requerer a espada? Por que então o Dimas não vai atrás do meu pai, que foi embora assim, sem mais nem menos? Acaso ele é um covarde?
A tarde passava lentamente. Cada vez que via Dimas cruzar o Paço e seus olhares se encontravam por acaso, era como se a fitasse normalmente, mas aquilo para Celly era um olhar de cinismo, sarcasmo. Um olhar de medo e ao mesmo tempo de raiva por parte da menina era recebido de volta. Celly ainda não sabia como abordá-lo. Em alguns momentos, achava até que Dimas evitava olhá-la. E seu desgosto ia crescendo. Apertava a grama contra os dedos, para não sair pelo Paço furiosamente histérica.
A verdade é que a viagem e o nervosismo do casamento pareceram não lhe cair bem. Sentia um forte enjoo e a palidez tomou conta de seu rosto repentinamente. Aquilo foi deixando-a ainda mais debilitada dos nervos, a ponto de sentir que desfaleceria. Levou a mão à boca e sentiu-se gelada. Um calafrio lhe percorria o corpo e o seu desespero levou-a a ter com Dimas, aquele que ela menos gostaria de conversar!
Enquanto se aproximava do homem, percebeu que ele parecia muito ocupado, talvez, se inteirando dos novos encarregados na reforma do Paço. Mais uma vez o enjoo veio-lhe forte e muito envergonhada de seu estado, quis desistir de ter com o braço direito de seu pai, mas seu mal estar já havia lhe tolhido os sentidos, de forma que deu dois passos e suas pernas tremeram. Caiu sentada sobre a grama, a gemer de dores pelo corpo. Que mal estranho era aquele?