Dalur chegou com seu coche a mansão, já era hora avançadíssima e o sol já começava a dar sinais que iria erguer-se aos céus e iluminar a escuridão. Tirou algumas moedas e deu ao condutor do coche, uma forma de comprar seu silêncio, não queria que a noticia se espalhasse, mesmo estando certo que cedo ou tarde isto haveria de acontecer. Desceu do transporte, foi até a entrada da mansão, entrou sem fazer barulho algum, tão logo adentrou a residência, tirou as botas para evitar qualquer barulho.
Visitou cada quarto da mansão e viu que todos ainda dormiam, ninguém havia notado sua ausência neste horário tão incomum, o que era um bom sinal. Foi até seu escritório, precisava pensar um pouco. Abriu a porta que dava acesso até a pequena sala e adentrou, colocou as botas ao lado da mesa e sentou-se na confortável cadeira.
Em sua mente, os acontecimentos daquela mesma noite que Franciko e Kub o acompanharam remoeram em sua memória, sabia que a maior parte iria considerar aquilo funesto e corrupto, mas ele não se importava com tal pensamento, algo estranho para quem havia levado a vida de maneira tão idônea. Levantou-se e foi até a janela, com algum esforço abriu-a deixando a noite dedilhar lhe a pele com seu toque gélido, por um momento pensou ter a companhia da própria Tiria.
Puxou o ar em seus pulmões para desvencilhar daqueles pensamentos, por mais que seus pais tinham-lhe ensinado os caminhos socialmente morais e puros, suas ações começavam a levar-lhe para um outro caminho, um talvez um pouco mais obscuro? Não importava!
Sim, não importava realmente, um sorriso malicioso formou em seus lábios enquanto admirava o raiar do dia. Pássaros anunciavam o astro solar erguendo-se acima das nuvens, e subitamente lembrou-se que aquele era o dia do casamento de seu irmão, Breft. Por um momento considerou seu próprio casamento que a pouco tempo fora celebrado, não fazia nem mesmo um ano que contraiu o matrimônio, e ainda assim perguntava-se como podia um homem transformar-se em tão pouco tempo!
Virou-se, em cima da mesa uma garrafa com algum vinho estava tampada, havia levado aquela garrafa alguns dias atrás quando precisava concentrar-se em levantar os gastos e receitas do baronato. Agora ela serviria outro propósito, uma comemoração ao fato de um renascimento, oh sim, era isto que ele experimentaria, renascimento!
Encheu um copo que ali se encontrava, ignorou o costume de ter uma taça como receptáculo de tal bebida, o gosto seco daquele líquido passou-lhe a garganta e aqueceu o peito. Olhou entre as estantes, em um espaço onde havia construído um pequeno altar com tanto cuidado, feito com suas próprias mãos, uma das seis estatuas que lá estava era de um ser, coberto com um manto e capuz, um rosto humano podia ser notado se bem observado.
- Azura...Pronunciou baixo, sua voz um tanto trêmula denunciava a identidade daquele objeto, ou a quem este representava. Verteu o conteúdo do copo não deixando nem uma gota sequer, pousou o recipiente onde o havia tirado e puxou o ar da noite uma vez mais, foi até o pequeno altar e fitou a estátua.
Lembrou-se de palavras que o impulsionaram a provar de um lado obscuro de sua personalidade, algo que destoava daquilo que por tantos anos acreditara ser o correto. Certamente não era a primeira vez que teve contato com aqueles ensinamentos, mas foi na noite anterior que realmente vivenciara aquilo. Oh sim! Ele estava transformado, uma nova pessoa, e as mesmas ideias que lhe instigaram para o lado obscuro e oculto da vida se formaram novamente em seus lábios
-Não há bom nem mal, nem coisa vil ou virtuosa, tudo que existe são escolhas, caminhos tomados e suas consequências. Poucos são aqueles que tem a coragem de desbravar os caminhos ocultos, e são para estes poucos que estão reservados os segredos da vida e o alcance do pleno potencial de cada um.Uma corrente de vento adentrou a janela agitando as folhas sob a mesa, um frio subiu-lhe a espinha e o fez endireitar sua postura, diante disto, Dalur sorriu. Pareceu-lhe um segredo descoberto, algo que poucos haviam ousado desvendar, algo oculto na vida que lhe havia sido revelado, sentia-se novo. Indo até a janela, abriu os braços e recebeu o calor do novo dia, fechou os olhos e algo pernicioso moldou as linhas de sua boca.
- Não há bom nem mal.Repetiu para si mesmo como se dissesse a sua alma. Abriu os olhos e enxergou o mundo de maneira diferente, suas cores estavam ressaltadas, seu resplendor era glorioso como nunca havia visto dantes.