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[RP] No encalço da sombra

Maria_madalena
Madalena pousou a taça de vinho sobre a mesa e aceitou o punhal que Letícia lhe estendia. O cabo era em madre-pérola e a lâmina esguia reluzia à chama dos archotes dispostos ao longo das paredes húmidas. Lançou um último olhar a Letícia que se ocupava da escrita da carta e foi em direcção à cela. Os seus passos ecoaram sobre o chão frio, anunciando ao homem a sua chegada.

Os olhos do prisioneiro continuavam vendados e Maria aproximou-se, deslizando-lhe o gume do punhal pela face. Um delgado fio de sangue formou-se numa das bochechas onde a lâmina havia rasgado a pele e o homem soltou um gemido baixo, contraindo-se com o medo da morte. Puxou-lhe os cabelos, obrigando-o a inclinar a cabeça para trás e encostou os lábios ao ouvido dele:

- Chegou a tua hora.

Um calor agradável percorreu-lhe as entranhas. Gostava daquela sensação de poder.

- Diz as tuas preces.

Um sorriso macabro iluminou-lhe o rosto e Madalena cortou a garganta do prisioneiro num movimento fluído e limpo. Observou com satisfação enquanto a vida abandonava o corpo moribundo e delirante. De alguma forma havia vingado a morte de Marilu.
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Narrador, roleplayed by Beatrix_algrave


As preces do homem se reduzem ao gorgolejar do sangue, que cede lugar ao silêncio, quando o homem finalmente expira. Madalena fez sua primeira vítima, de forma fluida e natural como Letícia almejava.

Agora não há mais nada que prenda Maria àquela cela. No salão maior do castelo, sua mestre a espera.
Maria_madalena
Limpou como pôde a lâmina às calças do prisioneiro e voltou a dirigir-se para o local onde Letícia estava.

- Está morto.

Constatou à sua mentora que ainda escrevia a carta. Só então se apercebeu que havia acabado de retirar a vida a um homem, um homem coberto de pecados, um homem que assassinara cruelmente uma das suas, um homem que odiava mulheres na sua condição, mas não obstante uma homem, uma vida. Aquela realidade abateu-a, olhou o punhal que segurava na mão direita e sentiu o desejo de livrar-se dele. Largou-o sobre a mesa, como se o cabo queimasse e bebeu o resto do vinho que estava na taça. Letícia não apreciaria o fracasso de espírito.

- O que faremos com o corpo? - Inquiriu ao mesmo tempo que empurrava todas as dúvidas para o fundo de si, tentando manter um ar passivo e indiferente. O calor da matança e da vingança tinha-a abandonado.
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Leticia
Os olhos verdes de Letícia pareciam perscrutar a alma de Maria. Ela analisava cada gesto e respiração, para ler como a pupila se sentia. Ela notou em especial a forma como Maria largara a faca sobre a mesa. Aquilo era arrependimento?

- Fizeste um bem. Sabe-se lá quantas vidas poupaste com teu gesto. Sente-se mal? Isso logo passa. Nós somos aqueles que não temem sujar as mãos. Quando o fim é bom, também o são os meios. Quanto ao corpo, não se preocupe. Não é sua função.
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"Sabe o medo que algumas pessoas tem da escuridão? Às vezes ele é verdadeiro. Nunca negue seus instintos, pois eles não mentem."
Maria_madalena
Madalena suspirou, desiludida por não ter conseguido esconder aqueles sentimentos do olhar atento da sua mentora.

- Sim, era apenas escumalha. Escumalha que nunca teve o direito à vida. Foi uma morte justa e merecida. - Disse e aquelas palavras pareceram confortá-la de alguma forma, embora o sentimento não tivesse desaparecido por completo. - O que faremos a seguir?

Perguntou, tentando mudar de assunto.
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Leticia


- Por hoje sua missão está concluída.

Ela disse enquanto selava a carta.

- Amanhã bem cedo vais a igreja. Aproxime-se de um homem que estará a rezar. Ele é calvo estará usando uma capa cinza. Seu nome é Ambrósio. Entregue a carta a ele discretamente, e diga-lhe para enviar para a França.

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"Sabe o medo que algumas pessoas tem da escuridão? Às vezes ele é verdadeiro. Nunca negue seus instintos, pois eles não mentem."
Maria_madalena
Madalena assentiu perante as instruções de Letícia. Sentia curiosidade quanto ao conteúdo da carta, mas sabia que devia respeitar os segredos da sua mentora. Afinal, ela era apenas um dos muitos braços executores que estavam ao serviço da Ordem de Azure, não lhe cabia questionar o discernimento daqueles que se erguiam acima de si na hierarquia.

- Assim farei.

Estendeu a mão, esperando que Letícia lhe entregasse a carta.

- Partiremos agora?
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Leticia


Letícia fez sinal de que sim, e convidou Maria a acompanhá-la. As aulas daquela noite estavam encerradas.

Ela conduziu Maria até a carruagem que as aguardavam, e como das outras vezes, levou Maria até o ponto de onde a recolhera.

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"Sabe o medo que algumas pessoas tem da escuridão? Às vezes ele é verdadeiro. Nunca negue seus instintos, pois eles não mentem."
Maria_madalena
Madalena acompanhou a sua mentora até à carruagem que novamente a levou até ao Postigo do Carvão. Dali, seguiu para casa.
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Narrador, roleplayed by Maria_madalena
A muralha de pedra granítica, cinzenta e fria, erguia-se altiva e imponente ladeando a pequena cidade encolhida entre os seus braços. Por entre os merlões olhos atentos e cansados perscrutavam o horizonte, mas nada mais viam do que campos verdes envolvidos na neblina matinal e as águas do Douro, serenas e profundas. Nas torres da muralha ardiam tochas que, àquela hora, já não tinham qualquer utilidade, mais não eram do que vestígios de uma noite de vigília. O passadiço do portão principal estava descido e meia-dúzia de guardas sonolentos inspeccionavam os que chegavam e partiam da cidade, fossem mercadores, burgueses, ou camponeses. Nuvens brancas e escassas pontilhavam o horizonte naquela manhã, num forte contraste com a madrugada tempestiva e ventosa. A cidade acordara barulhenta, com as carroças cheias de vinho, lãs e madeira a troarem pela rua principal rumo ao mercado. Acompanhavam-nas mercadores tardos, cujas vozes se confundiam com o resfolegar dos cavalos e os silvos dos chicotes. Os pregões multiplicavam-se e os interessados regateavam. As galinhas pavoneavam-se por entre a multidão e, de vez em quando, um bacio era despejado para a rua.

Uma mulher de cabelos castanhos, compridos e lisos, misturava-se com o populacho, segurando uma capa de tecido vermelho junto ao corpo. Levava um vestido verde escuro, com o decote e a beira da saia debruados a vermelho de um tom condicente com a capa. Ao pescoço levava um colar com o pingente em forma de cruz, não lhe era normal portar símbolos religiosos, mas a ocasião assim o exigia. Caminhava em passo rápido, imune aos pregões e à algazarra matinal. Levava o olhar fixo na torre da Igreja, que se erguia acima de todos os edifícios. Num dos bolsos da capa estava a carta que Letícia lhe entregara e que deveria seguir para a França.
Maria_madalena
As portas da Igreja estavam já abertas àquela hora vespertina. Sem delongas, Madalena entrou e percorreu a lateral da igreja, olhando os presentes e procurando o homem que Letícia lhe descrevera. O homem calvo, usando uma capa cinza, estava ajoelhado no terceiro banco a contar do altar. Madalena ocupou um lugar ao lado dele e murmurou em voz baixa:

- Ambrósio?
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_ambrosio


O homem calvo entrara na igreja de chapéu, mas o retirara assim que se ajoelhara para rezar. Ele estava trajado tal e qual Letícia o descrevera. Ele pareceu notar a mulher aproximar-se mas só ergueu a vista quando seu nome foi pronunciado.

O olhar dele era de estranheza por aquela não ser a pessoa com quem habitualmente se encontrara. Diante do questionamento ele confirmou as suspeitas de Maria.

- Sim, sou eu. - Ele disse com voz baixa e rouca e aguardou o que a estranha desejava. Teria acontecido algo com a sua "mensageira" habitual?
Maria_madalena
Madalena notou o olhar dúbio do homem e numa voz ainda mais baixa disse:

- Letícia pediu-me para me encontrar consigo.

Olhou sobre o ombro, verificando se alguém os observava e depois remexeu na capa, retirando a carta que tinha de entregar a Ambrósio.

- Pediu-me para vos entregar esta carta. Deve ser enviada para a França.
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_ambrosio


Ao ouvir as palavras de Maria, ele pareceu compreender imediatamente e não questionou o que se passava, apenas respondeu.

- Será enviada, senhorita.

Ele disse e guardou discretamente a carta.
Maria_madalena
Madalena sorriu discretamente para Ambrósio. O seu propósito ali havia sido cumprido.

Para evitar levantar suspeitas, manteve a cabeça baixa e fingiu entregar-se à oração durante alguns momentos, depois ergueu-se, vergando o corpo em falsa reverência para o altar e abandonou a igreja.

O travo amargo daquela primeira morte ainda não lhe havia abandonado a boca, mas não seria ali que resolveria aqueles conflitos.
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