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[RP] Herdade do Regato

Matilde.
[Final da manhã]

Os primeiros raios de sol da tímida manhã de primavera, espreitavam por entre as pesadas cortinas. Deitada na cama, com os cabelos ondulados espalhados pelos lençóis brancos, Matilde fingia-se adormecida. O senhor seu esposo levantara-se com o cantar dos galos e abandonadora a alcova sem lhe dirigir uma palavra ou gesto de ternura. Há muito que a situação adquirira contornos de rotina. Os minutos passaram e deram lugar a horas, o dia já atingira o seu esplendor e Matilde permanecia deitada. Não lhe apetecia sair dali, não queria enfrentar os olhares de pena das aias e os de escárnio das mulheres mais velhas. Não, não sabia lidar com aquela vicissitude, não conseguia entender o desígnio divino que a colocara naquela situação.

Senhora? - ouviu a voz meiga de Adelaide inquirir.

Os seus olhos abriram-se lentamente, para de imediato fecharem devido à claridade. Alguém abriu as cortinas, pensou incomodada. Respirou fundo e passou uma mão pelo rosto, procurando a firmeza que lhe faltava. Matilde sabia que não podia continuar encolhida entre os lençóis, tinha de levantar-se, tinha de ser forte, tinha de encarar as dificuldades. Subitamente corajosa, sentou-se na beira da cama, sendo varrida pela brisa que entrava pela janela agora aberta.

Quer tomar um banho, senhora? - voltou a perguntar Adelaide, desta vez achegando-se.

Não, agora não. Tomarei logo antes do senhor meu esposo voltar. - olhou pela janela - Está um dia demasiado bonito para permanecer no quarto. Ajuda-me só a vestir.

Adelaide desapareceu por momentos, voltando com um vestido verde ornamentado com pequenas rendas brancas. Matilde sorriu, por vezes a aia adivinhava-lhe os pensamentos.

Sabes sempre o que quero... - confidenciou-lhe agradada.

A aia ajudou-a a despir a camisa de noite e a colocar aquele belo vestido. Depois de saiotos e mais saiotes, corpetes e mais cordéis, por fim tudo estava no lugar.

Como quer o cabelo, senhora? - perguntou ao mesmo tempo que fazia a cama e arrumava a roupa de noite.

O costume Adelaide. - respondeu com um sorriso.

A escova deslizou pelos cabelos ondulados e brilhantes de Matilde, desembaraçando-os e os fios foram entrançados e presos em circulo, com pequenos ganchos, na sua cabeça.

Está muito bonita senhora, onde deseja tomar o pequeno-almoço?

No alpendre, vou descer para lá agora. - dito isto, arrastou as pesadas saias dali para fora.
--Adelaide.
Assim que a sua senhora abandonou o quarto, Adelaide precipitou-se escadas a baixo e seguiu em direcção à cozinha pelo corredor dos criados. Aquelas pequenas trajectórias alternativas tornavam o trabalho de serventia muito mais célere. Ia um pouco preocupada, pois fazia tempo que a senhora Matilde andava cabisbaixa e o senhor Dinis carrancudo. Nas conversas de cozinha falava-se mal da senhora que, após 5 anos de casamento, ainda não dera um herdeiro ao senhor. Havia até quem afirmasse que a senhora não era acometida pelas regras. Adelaide sabia que tal não era verdade, crescera com Matilde e vira-a despontar e florescer como mulher. Contudo, permanecia calada, por respeito à senhora e à sua honra.

Maria, a senhora vai tomar o pequeno-almoço no alpendre! - exclamou assim que entrou na cozinha.

A gorda cozinheira resmoneou qualquer coisa que Adelaide não ouviu pois, no momento seguinte, estava já atarefada com a preparação do tabuleiro.

Ora... uma jarra de flores, a sua compota preferida, o pote do mel... que mais? - ia pensando à medida que trabalhava.

Toma rapariga, o chá de camomila da senhora. - disse-lhe Maria ao entregar a xícara que fumegava.

Adelaide pegou-a com cuidado e juntou-a aos restantes elementos que compunham aquele belo tabuleiro. Faltava apenas o pão escuro e coberto por sementes, cozido naquela mesma manhã, e a aia apressou-se a cortá-lo em finas fatias.

Satisfeita com o resultado do seu trabalho, dirigiu-se para o alpendre onde Matilde já estaria.
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Matilde.
Matilde estava sentada na sua cadeira de baloiço preferida. Para si, aquela cadeira, era muito mais do que uma pedaço de madeira trabalhado, era um sinónimo da sua infância e da pureza e felicidade daquelas dias.

Em frente à janela do seu quarto de menina havia um bonito carvalho, centenário, diziam-lhe os outros. Matilde sempre sentira um fascínio pela frondosa árvore, e quando lhe tocava parecia sentir o pulsar de vida que ali existia, a sabedoria vetustez que só os que contemplavam podiam ousar alcançar. Apesar de imóvel, nunca lhe parecera morta. Matilde passara longas tardes tardes à sombra daquele carvalho, brincando e sonhando, imaginando tudo o que aqueles olhos que não viam presenciaram.

Numa fatídica noite de tempestade a velha árvore cedeu, primeiro um ramo, depois o outro, e outro, e outro... pelo final da noite pouco mais restava. Nessa mesma noite, os sonhos de Matilde estilhaçaram-se, a ainda menina assistiu ao cair do gigante pela janela e tudo aquilo que julgava intocável caiu da mesma forma. Em jeito de homenagem àquele companheiro agora destornado e caído pelo chão, cada pedaço do seu corpo foi utilizado para criar objectos, objectos que para si significavam o mundo. A cadeira era um deles.

Perdida em tais divagações quase não se apercebeu da chegada de Adelaide. A pequena aia já até pousara o tabuleiro na mesa à sua frente e estava agora sentada ao seu lado, aguardando.

Obrigada Adelaide. - respondeu-lhe por fim. A aia preparou-se para ir embora, mas Matilde agarrou-lhe a mão e disse - Fica, por favor, gostava de ter companhia.
--Adelaide.
Adelaide acatou a ordem da sua senhora voltando a sentar-se. Os olhos de Matilde estavam vagos e olhavam fixamente para um ponto qualquer no jardim, o seu rosto mostrava um pouco da angústia que a atormentava e as mãos estavam apertadas em torno dos braçais da cadeira. A pequena aia não sabia se deveria permanecer calada ou falar. Custava ver-lhe uma mulher tão bonita e outrora cheia de vida, definhar lentamente, deitando por terra o espírito e alma que lhe eram tão característicos. Ou foram... Por via das dúvidas e não querendo magoá-la ou aborrecê-la com conversas, permaneceu calada.
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Matilde.
Quando despertou do seu torpor, Matilde tomou a xícara entre as mãos e beberricou delicadamente o chá. O seu olhar centrou-se em Adelaide que a observava apreensiva e Matilde sorriu, numa vã tentativa de acalmar as preocupações da aia.

Diz-me Adelaide, onde foi o senhor meu esposo? - inquiriu na sua voz melíflua.

Colocou novamente a xícara no tabuleiro e pegou numa das fatias de pão cobrindo-a com mel.
--Adelaide.
Adelaide estremeceu na cadeira e o seu coração disparou. Não conseguia entender por que razão Matilde continuava a perguntar por Dom Dinis. Apesar do olhar de galanteio e dos modos gentis do homem para com as outras senhoras e até para com os criados, o Senhor do Regato, nos últimos anos, tornara-se agressivo com a esposa, desprezando-a e humilhando-a.

Senhora, saiu em negócios esta manhã, mal o sol nasceu. - respondeu num fiapo de voz - Pediu para vos dizer que volta ainda hoje. - acrescentou numa voz ainda mais baixa.
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Matilde.
Matilde assentiu com a cabeça, meditando por breves momentos nas palavras da aia.

Volta com o cair da noite, sai com o nascer do dia... - comentou sem esperar qualquer tipo de resposta.

Deu uma pequena mordida no pão e beberricou mais um pouco do seu chá. Numa das árvores do jardim um melro cantava, enlevando a tépida manhã com o seu chilreio agridoce.

Ouves este canto Adelaide? - apontou com o dedo na direcção do som e continuou - Esperemos que seja um canto de bom presságio. - levou a mão livre ao ventre - Nem sempre asas negras são sinónimo de escuridão.
--Adelaide.
Adelaide não gostava do rumo da conversa. Palavras tão sombrias como aquelas deixavam-na inquieta, pois apesar da idade adulta, a aia ainda era afligida por medos infantis. Todas as noites, antes de deitar, passava rosmaninho no corpo e lavava os pés com água fria. No primeiro domingo de cada mês bebia um copo de azeite e tomava banho na margem direita do Rio Sado. Diziam os mais velhos e entendidos que desta forma o diabo não vinha. Até hoje não viera, pelo que Adelaide cumpria religiosamente o ritual.

Senhora, já viu o lago? - inquiriu numa tentativa de aliviar os ânimos - As rãs voltaram e as flores já desabrocharam.
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Matilde.
Matilde beberricou um pouco mais do seu chá e contemplou o bonito e inquietado rosto da aia. Apesar do estado de espírito que a acometia, achou por bem mudar o rumo da conversa e ceder ao desejo de Adelaide.

Não, ainda não vi. - sorriu - No final do pequeno-almoço, virás comigo, bem sabes como adoro a primavera.

Foi nesse momento que Rufus chegou, abanando a cauda e pulando de contentamento. De imediato Matilde pousou a xícara e afagou a cabeça peluda do fiel Rufus.

Oh pequenino! Estás bom? - perguntou ao cão na sua voz mais aguda e repleta de afeição.

Rufus sentou-se ao lado de Matilde a arfar com os olhos brilhantes fixos nos dela.

Meu malandreco, está calor pois está. - continuou a acarinhar o majestoso dorso do animal.
--Adelaide.
Foi com alegria que Adelaide viu a chegada do cão. A sua senhora tinha um amor especial pelo bicho e deliciava-se com a sua presença. Pela primeira vez naquele dia viu em Matilde um sorriso genuíno, um sorriso capaz de arrebatar o mais frio coração. Contagiada pelo momento, a aia também sorriu.

Veja senhora, o Rufus sabe sempre quando aparecer. - apontou para a mesa do pequeno-almoço - Ainda veio a tempo de um pequeno repasto.
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Matilde.
Matilde gargalhou e som argentino e límpido rivalizou com o adorável canto dos pardais.

Ora pois está claro, mas pãozinho não é comida para matulões! - disse entusiasmada ao mesmo tempo que se flectia para fazer meiguices na barriga de Rufus que estava agora deitado com as patas para o ar - Adelaide, o Rufus quer um bom naco de carne, não é pequenote?
--Adelaide.
No momento seguinte a aia estava de pé e em direcção à cozinha. Assim que deixou de estar no campo visual de Matilde correu, não porque o Rufus fosse desesperar, mas porque não queria de forma alguma desagradar à senhora. Na verdade, temia era que uma demora excessiva a levasse a ficar triste novamente.

Chegada à cozinha gritou:

Maria, arranja-me um naco de carne cru!

A cozinheira olhou-a com uma sobrancelha erguida e de mãos na anca, indicando que esperava mais informações.

É para o Rufus, anda lá, despacha-te... - resmungou a aia, já enervada com a atitude passiva da cozinheira.

Maria saiu por uma velha porta e voltou minutos depois com um naco de carne fresca dentro de uma pequena bacia de madeira.

Aqui tens. - disse a cozinheira a Adelaide na sua habitual voz carrancuda - Agora xô daqui que tenho de preparar o almoço.

Adelaide observou o naco de carne e ficou satisfeita com o que viu, saiu então da cozinha e caminhou de volta ao alpendre.
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Matilde.
Matilde apercebeu-se da chegada da aia pela reacção de Rufus. O poderoso cão levantou-se de um salto e concentrou-se num ponto distante, com a cauda a abanar freneticamente.

Já vem aí a Adelaide é? - perguntou Matilde em nítido tom de brincadeira.

Parecendo perceber a senhora, Rufus soltou dois latidos e bateu com uma das patas dianteiras no chão de madeira. Matilde sorriu novamente, deleitada com o entusiasmo do animal e a sua capacidade de compreensão.
--Adelaide.
Adelaide apressou o passo assim que viu Rufus. Sabia bem o quão impaciente aquele bicho podia ficar, pois era detentor de um apetite voraz e de uma simpatia igualmente encantadora. Matilde estava visivelmente divertida com a situação e o cão babava intensamente, molhando o chão por baixo de si. A aia pousou a taça em frente ao animal e aguardou calada enquanto o via devorar o naco de carne em questões de segundos. No momento seguinte, Rufus estava de pé com as patas colocadas sobre o seu peito para lhe dar um beijo bem molhado. Apesar do tamanho assustador do animal, Adelaide sabia que não havia razões para o temer, portanto abraçou-o contra si.
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Matilde.
Matilde gargalhava sem parar. Era clara a boa-disposição da senhora, Rufus era a lufada de ar fresco que a levantava e fazia caminhar em frente. Aquele animal tinha a capacidade de a amar incondicionalmente, todos os dias, de todas as formas, era isso que mais apreciava nele. Tal que nem uma criança, o cão era detentor de uma inocência genuína que lhe derretia o coração e avivava a alma. Feliz, soergue-se e abraça Rufus e Adelaide. Quando o cão sai de rompante para correr atrás de um pássaro, Matilde abraça a aia de impulso e murmura:

Obrigada...
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