Naquela manhã, Beatrix retornou ao seu gabinete de trabalho na Heráldica Portuguesa para recolher seus itens pessoais.
Fazia mais de um ano que ela se dedicava ao trabalho de arauto e mais recentemente tornara-se bibliotecária da Heráldica Portuguesa. Ainda lembrava da primeira vez que entrara no prédio da Heráldica e a forma como fora recebida pelos colegas. Alguns deles inclusive já haviam se desligado da instituição por diversos motivos.
Ela permanecera e durante esse tempo aprendera muitas coisa tanto através de livros que recebera e pesquisara como da troca de experiência com os outros arautos.
A Heráldica foi a motivação de sua primeira viagem internacional, que proporcionara a ampliação de sua visão de mundo.
Muitas coisas haviam mudado durante aquele ano e meio. Ela se aprimorara como artista mas também como pessoa. Aprendera a respeitar a arte e a importância do seu papel para a sociedade. Esses conhecimentos sempre a acompanhariam, onde quer que fosse, e isso ninguém poderia roubar-lhe, assim como não era possível roubar o talento de um verdadeiro artista, pois isso não tinha preço, não era uma simples mercadoria para enaltecer o ego de pessoas poderosas.
- Purifique a prata e o artista poderá fazer uma obra de arte.Ela murmurou enquanto guardava seus pertences em uma caixa. Não havia muito que recolher. Dois livros do seu acervo pessoal, alguns papéis e rascunhos, um quadro que pintara para trazer alegria àquela sala e seus utensílios particulares.
Antes de sair, ela deu uma boa olhada no belo acervo da biblioteca e lembrou que ajudara a escolher alguns exemplares junto com seus colegas. Ali haviam boas lembranças.
Ela estendeu a chave maior do seu molho de chaves e trancou os portões da biblioteca. Em seguida, retirou cuidadosamente daquela argola de metal todas as chaves que não pertenciam ao Colégio Heráldico, separando daquela forma, simbolicamente a sua vida daquela instituição ao qual se dedicara por um ano e meio e da qual agora deixaria de pertencer.
Agora, o molho de chaves era impessoal e não tinha mais relação alguma com Beatrix. A separação estava concluída e ela guardou suas chaves pessoais no bolso do casaco que vestia por cima do vestido, pois havia retirado o seu tabardo.
Então, ela pegou o seu tabardo e atirou a peça de tecido dobrada cuidadosamente, para dentro do fogo que crepitava na lareira. Ainda mexeu um pouco com o atiçador para que as chamas consumissem o tecido completamente.
Assim que ficou satisfeita com a plena destruição daquela peça, ela chamou um pajem para que apagasse as chamas da lareira, e fechasse as portas que faltavam ser fechadas.
Ela se despediu do jovem pajem com uma vênia, e dois pajens vieram e a ajudaram a carregar seus pertences até uma carruagem contratada por Beatrix.
Antes de partir ela ainda olhou para o prédio imponente, que carregava um pedaço de sua história, fossem doces ou amargas lembranças.
Aquele capítulo de sua vida estava terminado. O que resultaria dele no entanto, ainda era um mistério.