A Lavagem...Damasceno em silêncio, fechou os olhos do irmão e disse em voz baixa:
- Allahu Akbar (O Unico é Grande). Ele foi até a porta e a trancou, retornou para próximo do corpo do irmão e pediu ajuda da Talita para despi-lo.
- Sei que você não estará vendo nenhuma novidade dele, mas por honra a tradição, poderia fechar os olhos até que eu o cubra com o lençol? Disse o mouro em tom sério.
Com a ajuda da cunhada, despiu o irmão. Colocou-o nos braços e repousou o seu corpo em cima de uma mesa baixa comprida. Após isso ele o cobriu com um lençol branco da cabeça aos pés.
- Eu terei de lavá-lo, poderia esperar lá fora com a Amy enquanto eu faço isso? Se puder, avise a todos os nossos amigos de sua morte e peça-os a virem se despedir. Diz Damasceno a Talita. Ele estava arrasado, mas buscava não transparecer isso. Quando a cunhada saiu do quarto, ele buscou uma bacia com água e uma esponja, Voltou ao quarto e o trancou novamente.
Desceu o lençol que cobria o irmão até a altura do umbigo, mantendo-o coberto do umbigo até os pés. Dispôs a cabeça do irmão levantada com uma almofada e afastou os seus braços de perto do torso, molhou a esponja e passou a lavar os braços, mãos, axilas, pescoço e torso. Com um pano molhado, lavou suavemente o rosto, retirando qualquer impureza que estivesse ali. Virou o corpo de lado e lavou as costas e a nuca. Quando terminou, uma vez mais ele disse:
- Allahu Akbar.Colocou o corpo na posição original, buscou por um incenso e o ascendeu. Subiu o lençol da altura do umbigo até o rosto e então dirigiu-se aos pés. Levantou o lençol dos pés ao quadril, molhou a esponja, mas não conteve a tristeza e começou a chorar... Entre os soluços e as lágrimas, ele lavou os pés do irmão e as pernas até a altura do joelho. Lavou as partes íntimas e então cobriu o lençol até os pés. Largou a esponja na bacia e sentou no chão encostado na parede por alguns instantes. Buscou forças para suportar o fardo de que a seu irmão tão novo havia morrido.
- Allahu Akbar. Ele disse mais uma vez.
Saiu do quarto, jogou fora a água suja da bacia e a encheu logo em seguida. Voltou até o quarto e o trancou novamente. Lavou as mãos e com dois dedos molhados, limpou os lábios e os dentes do defunto. Depois com os dedos, limpou as fossas nasais. Lavou os cabelos e a barba do irmão e por fim, colocou folhas de cânfora na água e o banhou novamente para retirar qualquer sujeira. O corpo assim permaneceria perfumado até o momento do enterro.
Aquela não era a primeira vez que Damasceno preparava o corpo de um ente querido. Quando o seu pai morreu, sua mãe realizou a lavagem do corpo dele e o ensinou como fazer. Pouco tempo depois foi a vez de sua mãe morrer e ele colocar em prática o que havia aprendido poucos meses antes. Damasceno vivia como um homem feliz, mas no fundo, sua vida era marcada pela a escuridão.
O mouro levou a mão ao bolso e retirou uma moeda de ouro, desceu o lençol e a colocou sob o peito de Abeth, deixando as mãos do defunto sob a moeda.
- Pague uma bebida ao meu pai por mim e conte a ele sobre as nossas vitórias. Disse ele tentando sorrir.