Letícia já estava recuperada do ferimento que Apolinário Celestino lhe infligira. A única coisa que ainda lhe doía era o orgulho por ter caído em combate diante de alguém que ela julgava particularmente insignificante, especialmente um homem. Ela recebeu com uma mistura de alegria e de tristeza que ele fora morto pelo prior quando ambos se encontraram em duelo.
A alegria quase eufórica se devia ao sentimento de que alguém como aquele não merecia o direito de respirar, e a tristeza é porque ela não pode cegar-lhe o outro olho e quiça matá-lo.
Enfim, o que importava é que mais uma vez o equilíbrio fora restaurado, mas a que preço?
Letícia desceu do coche que lhe trouxera e agora andava pelas ruas do Porto. Caminhava sem se importar com os olhares que sua figura despertava. O decote profundo que revelava seus atributos chamava olhares de desejo dos homens mas também de desdém das mulheres que ali passavam e se sentiam ofendidas, aviltadas pela figura da loira meretriz. Ela fora abordada algumas vezes, mas não era para aquele tipo de trabalho que ela estava ali, naquela noite.
Um sujeito mais atrevido que ousou algo mais que olhar, foi logo derrubado na calçada de paralepípedos, perto da sarjeta enlameada. Ela não virou uma segunda vez para saber se ele estava vivo ou morto. Ela sabia a resposta, e quem parou para olhar, fez que não viu nada.
Naquela noite ela caminharia pelos antros, queria certas informações que a luz do dia e com "pessoas de bem" ela não conseguiria. Mas no dia seguinte ela seria outra Letícia, precisava ser, pois alguém com a sua fama, não poderia achegar-se tranquila e peremptoriamente a casa de uma dama de reputação ilibada.
Assim, ao final da tarde, uma dama de trajes discretos, usando uma capa verde musgo, bateu à porta da casa da Dama Ava.
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