Afficher le menu
Information and comments (0)

Info:
Here, there are some songs of Aristarchus, in an Iberian style known as "Redondilhas".

[RP] Brevidades

Aristarco




Aristarco acordara mui cedo, mais do que o esperado para alguém que há dias colocava-se às estradas, naquele perambular típico que trovadores fazem a buscar eventos onde bom número de pessoas lá se encontraria, porque assim convinha o papel de bom trovador. Ao menos daquele que intentasse a vida de trovador, porque ser “bom trovador” realmente, eis outra história completamente diferente, bem sabeis.
Mas deixai estar, porque estas cousas são assim mesmo, e nada como o próprio correr dos dias para dar cabo naquela maturação deveras conhecida dos homens: a própria rotina tem de suas benesses quando propicia repetição, talvez a possibilitar alguma mestrança, seja na Arte ou em quaisquer outros ofícios. Ao menos daquele que também assim se colocasse como meta, porque também não há relação necessária d’uma cousa com outra; ora pois, cá estaríamos aqui a filosofar mais uma vez, quando tempo e espaço seriam outros ao fazê-lo.

Decerto que se encontrava um tanto cansado o trovador, se bem que aquela estada na taberna mais movimentada da vila, mui lhe houvesse recobrado ânimos quando assim conhecera diferentes disposições de espírito daquelas que até então absorvera nestas andanças festivas em outras praças; vejais como os lusitanos são inclinados a boa cantoria e festivais.
Não se poderia estar em todos os lugares de comemorações, exceto que por Jah houvesse algum dom de onipresença, quando disto não participa a natureza dos homens, mas com algum esforço (ou boa vontade, por assim dizer), podia-se lá visitar mui plagas aqui e acolá com todas as suas gentes mui peculiares. E lá ia aquela trupe, nestas intenções.

Saiu da hospedaria caminhando e conferido seu alforje, que continha um punhado de frutas assim como água, para algum breve desjejum; levava sempre alguns pergaminhos (que se amassavam costumeiramente) com “tinteiro de campanha”, apesar de formarem desta vez um volume menor por disputar espaço com o alimento. Não pensava em quanto tempo demandaria sua ausência, por isso se bem fazia não confiar na calmaria da barriga, quando o danado leão ali haveria de rugir e reclamar bravamente.
Como se dizia um ditado por aí alhures, “saco vazio não pára em pé, só faz olé”; tinha lá suas razões.
Inevitavelmente se lembrou da corrida de sacos de Artois, a comemorar os anos de Alcácer, que desafortunadamente não poderia nesta vez comparecer e um mote traquina passou-lhe à mente: “sem corrida de saco, que na palavra empaco”; precisaria prosseguir jornada segundo arranjos ulteriores e palavra dada nunca volta atrás, exceto acompanhada da consorte vergonha.

Caminhou na direção do lugar onde as montarias estavam, com um sorriso discreto, quando supunha que qualquer cousa da vida, da mais simples a mais inimaginável, poderia virar mote e até motejo, este último mais quando o rum subia à cabeça do bardo.
Mas não menos, fazia as pernas trançarem pelas ruas, oras, que embaraçoso por vezes; algo deveras comum de ver junto à marujada, afinal era algo típico das cidades com portos, quando revira mais uma vez os movimentos daqueles à noite.
Ai daqueles homens-do-mar assim que pusessem pés casa adentro: d’um lado a fúria do mar de monstros temíveis, d’outro a brabeza em terra dos humores de suas mulheres. Se alguém souber o que é pior que assim o diga, apesar de se recomendar prudência na resposta, tamanha dificuldade (e periculosidade) da questão.

Arrumou um dos cavalos de viagem com uma boa sela, depois de jogar alguns cruzados a mais nas mãos do dono da hospedaria que mantinha aquele préstimo de cuidado para montarias e cousas do tipo.
De sorte que felizmente os cavalos não eram pertencentes à hospedaria porque talvez sobrasse mui pouco para o viajante pagar uma refeição, tamanha condição de seu dono a custear tão caro aqueles serviços.
Nada a objetar (talvez só um pouco pelo desvio de conduta alheia), porque havia dois caríssimos e estimados amigos, sem dizer o seu aprendiz, a formar aquele pequeno grupo que merecia o melhor, sem dúvida, em sua modesta opinião.
Aristarco logicamente deixou de acordá-los e encontrá-los naquela manhã, porque pareciam ainda mais cansados e Alcácer já se mostrara desde o momento que ali chegaram, ser um bom ponto de interrupção – ainda que breve – daquelas jornadas que ainda se seguiriam; fazia mui bem respirar um pouco a brisa marítima, com aquele odor levemente salgado que lhe invadia as narinas.

Cheiro de mar.
O velho mar...

Lembrara-se repentinamente d’um mote alheio que dizia algo em torno de “ondas que vai e vem, devolvam esperanças que mo convém”, d’uma cantiga que não terminara, depois que perdera vários registros por velhas estradas mouriscas (ou romanas, melhor dizendo) da ta’ifa, há mui tempo.
O dissabor fora tão grande, daqueles assaltantes de caminhos em algum ponto de al-Gharb, que Aristarco interrompeu por longo período as composições das peças. Uma má e inusitada sorte porque pareciam berberes, mais difíceis de serem vistos nos lugares litorâneos.
Enfim o passado era passado, não havia mais um porquê de lamentar, ainda que jamais esperasse lembrar algo como aquele detalho do que na juventude houvera feito e mais tarde perdido.
Suspirou e ficou em silêncio por um átimo.

Montou o cavalo (que boa sensação, sempre), e com alguns estalos de boca e movimento de pernas usuais, já saiu no trote com o animal para passear um tanto por Alcácer.
Destino? Ruelas ou canteiros, praça ou picadas, talvez ali na praia não mui longe, tanto faz, afinal, ficara com uma boa impressão na taberna naquela noite anterior, de maneira que diversas cousas não importavam naquela manhã.
Tinha uma sensação de que uma trova ia rebentar de seu interior a qualquer momento, o que também lhe serviria a boa memória caso faltassem pergaminho, pena e tinteiro, haja visto tais apetrechos não estarem em todos os momentos à mão de alguém a cavalgar. E sair com um cavalo, não tinha mui participação destas cousas, exceto pela lembrança que seria mui bem exercida em momento de parada.
E o que seria d’um trovador sem memória treinada e eficaz? Melhor seria arriscar-se n’outro ofício, caso contrário pouco teria o que forrar a barrigada no dia seguinte, convenhais.
O alaúde desta vez, também não faria companhia, bem pousado que estava sobre a cama do quarto.

E lá se foi Aristarco, pondo a montaria em um trote mui confortável e tranquilo, sob os auspícios da breve passagem na vila, como tudo assim o é em verdade, eis brevidade da vida.


_________________

| Secrétaire Royal | Minstrel of Gharb al-Ândalus | Flemish-breton of Iberia: al-Musta'rib |
Aristarco

OOC: Algum tempo depois...





Aristarco decidira se aproximar da praia por ali nas cercanias, porque não apenas ele próprio precisaria de descanso, bem como sua montaria, mesmo sem assim tão pouco esforço que lhe dera, ora pois, quem descuida de bom amigo cavalo é melhor que use os pés ou carroças, quiçá carruagens.
Deixou a montaria atada a um fino tronco de pereira nova que ali se encontrava, algo incomum naquela paisagem, mas que aproveitou para reclamar a curiosidade do bardo quando lançou olhar para algo dali se servir da natureza.
Ledo engano, mas que o bom hábito de medir sempre fazia valer a pena, n’alguma remota chance afortunada, quem há de saber se há algum fruto de repente.

Aproveitou e molhou um pouco o trapo de uso qualquer que trouxera, para acariciar e repousar nos joelhos do cavalo, apenas por boa precaução, enquanto sussurrava com a montaria.
Por um tempo ficou assim, a cuidar do bom animal, para depois cuidar de si, já que gostaria de se sentar um pouco, comer um tanto e fitar o velho mar a deixar tempo ser morto, certamente uma das melhores cousas a se matar nesta breve vida, às vezes.

Mas aquela história d’um bom e distinto amigo que conhecera na taberna, de nobreza familiar e mais ainda de coração, como pudera notar, parecia lhe dar um enorme comichão, algo que não era inesperado desde que já pressentira sobre Alcácer a abrir seus braços e dar boas vindas, a deixar deveras à vontade os viajantes, e especialmente ao trovador disposto aos bons ofícios da inspiração, por que não.
Finalmente se aprumou a se sentar por sobre uma pedra chata, guarnecida de boa sombra e a receber não menos uma boa brisa do horizonte azul debaixo (mar) ou de cima (céu) ali bem à frente.

Recolheu as pernas a segurar os joelhos com os cotovelos que enlaçavam, deveras folgadamente, por bom tempo. Os olhos não se cansam desse jeito (nem alma).

Até que as rimas começaram a lhe povoar a mente: um vai-e-vem de palavras, cruzamentos de sons e toda aquela parafernália que só os significados hão de inquietar o intelecto, primeiramente de maneira caótica, naquele afã da inspiração que a musa assopra, para depois as seguintes ordenações, porque as cousas humanas convém serem assim mesmo, depois de geradas na força e impetuosidade da vida, hão de ser bem tratadas n’alguma medida, pois se corre o risco de cair em desatino.
Todos os bons filósofos antigos tratavam justamente disto, da égide do “métron” ou justa medida: o ofício, a arte, o pensamento e o comportamento que na precipitação desmedida, usualmente se fadavam aos fins não tão gentis.
E isto posto, mesmo a trova cabia assim dotar de harmonia e equilíbrio certamente, ao menos naquela opinião de Aristarco.

Depois d’algum tempo que não se saberia dizer quão longo ou curto houvera voado, alargado ou encurtado, ou qualquer contradição que o valha, o trovador finalmente chegou a um termo, que tão logo chegasse à hospedaria, ditaria ao aprendiz Martinho (pois que já não estava a fim dele próprio debruçar à mesa naquele dia).
E nasceu algo assim:



REDONDILHA

Mote Alheio

“Cavaleiro de inusitada condição:
Sua peleja esta na espada e coração”

Voltas

“Contar-vos-ei no canto
Cousa de novidade
De rara condição.
Eis algo d’ espanto
Também de muy encanto
Se há tal castidade:
Estranha destinação.”

“Havia um cavaleiro
De muy Alcácer lusa,
Co aqueles viajou
De nome altaneiro,
Na família herdeiro
Tradição sem recusa:
Em Bretanha s’ arrojou”

“Na peleja bem pronto
Deveras se preparou
D’ espada e cavalo
Armeiro a confronto
Inimigo afronto
Em coragem declarou
Sem medo nem abalo.”

“Destino desafia!
Daquel’ inesperado
Vem correr prontamente:
Julga mal quem confia
Na própria maestria,
Ignora el fado
Por vezes não clemente.”

“Peleja diferente
D’ outra natureza
Gera gran amolação:
Em campo aparente
Assi tão de repente
A provocar pureza
D’ um probo coração.”

“Clama galantaria
Duquesa tão formosa
Em língua bem confusa.
Señor enfrentaria,
Da Bretanha viria
Üa história famosa
D’ Amor que tão abusa.”

“Em boa segurança
Na lusitana terra
Vem da valente ação.
Na próxima andança
Co cuidado avança:
Peleja que não erra
Não esta no coração.”



Cantou a cantiga por diversas vezes, não perdendo nenhuma palavra, para boa e veraz marcação e só depois quando se sentiu seguro, retirou do alforje os comes e bebes que trouxera junto consigo (e ignorou os pergaminhos).
Seria uma boa volta à hospedaria, mui satisfeita sem receios, afinal custou-lhe apenas uma noite e uma tarde na boa Alcácer para que estes acontecimentos se dessem, a mostrar-lhe que tal plaga deveria ser revisitada com mui, mui calma ainda.

Por um momento lembrou-se da prosa com o bom cavaleiro Eudoxio, sobre alguma estranheza que Alcácer parecia acometer pessoas quase que misteriosamente: teriam sido trazidos aqueles entes escondidos da distante e comum terra-natal de velhos antepassados, naquelas viagens que homens e famílias viviam a se apoquentar?
Quem estaria ali escondido entre as sombras das árvores, dentro dos troncos, imersos nos lagos ou no topo de colinas e interiores de bosques?
Aristarco rememorou momentaneamente alguns bons e velhos contos “De Britanniæ” e talvez Alcácer tivesse lá um encanto irmanado na terra. Eis ai um bom mistério...


_________________

| Secrétaire Royal | Minstrel of Gharb al-Ândalus | Flemish-breton of Iberia: al-Musta'rib |
Eudoxio


Tudo estava sereno. Eudóxio observava as calmas águas do rio. Ao fundo o mar ingeria o Sol, ditando, após este emancipar uns últimos raios laranja , o fim de mais um dia...

O Sol retirara-se e a Lua era agora a senhora dos céus. Fazia-se, pois, tarde (ou , melhor dizendo, noite), pelo que o Monforte se pôs a caminho de casa. Uns passos mais à frente, porém, um pedaço de papel que se encontrava no chão prendeu-lhe a atenção. Pegou nele. Tratava-se de um rascunho, dava para o perceber, pois tinha palavras riscadas e palavras acrescentadas por cima das outras... Olhou em volta, procurando em vão o dono do manuscrito. Começou então, auxiliado pela luz lunar e do céu estrelado, a ler. À medida que ia lendo, um ligeiro sorriso delineava-se-lhe no rosto. Tanto a história, como a duquesa nela falada, não lhe eram estranhas... Apressou-se a procurar pelo nome do autor, embora já o adivinhasse...

-Meu caro Aristarco... simplesmente formidável... - murmurou, guardando o papel no bolso.

_________________
Aristarco

OOC:
Meus caros,
não tivera eu tempo disponível para corrigir uma pequena pendência naquela altura da estada da personagem em Alcácer, porque já se encontrava de saída a apanhar outros caminhos...
De maneira que no texto acima, há um engano especificamente sobre referências do porto salaciense, que convém lembrar não ser marítimo (eu não fazia menor ideia); mas Ana.cat veio socorrer rapidamente (e agradeço bastante), só restando interpretar ou como ‘licença poética’ do jogador (perdão pela expressão), ou desconhecimento da própria personagem sobre o fato durante a narrativa (de marujos e mar).
É isso...

_________________

| Secrétaire Royal | Minstrel of Gharb al-Ândalus | Flemish-breton of Iberia: al-Musta'rib |
Aristarco

OOC: naquele início de Maio do ano da graça de 1460...




Aristarco com seus amigos chegaram nas altas horas da noite, restando-lhes apenas descansar um pouco na acolhedora hospedaria que já os abrigara anteriormente.
Alcácer estava mui fria naquele momento, com um forte odor de maresia carregado por um vento cortante do mar, oras, que provavelmente se passava era uma boa ressaca naquelas costas, bem se podia notar, uma mudança deveras sensível de condições do tempo para aquela época; ao menos assim calculava o Aristarco, porque já havia visto cousas destas naturezas na vizinha Setúbal onde morava, algo mais ao costume daqueles viventes litorâneos (ainda que o trovador com suas andanças ficasse talvez mais tempo paragens terra adentro, nos interiores e cantões lusitanos; “morar” era uma palavra emprestada...).

Nada como poder chegar e tomar um bom banho quente na grande tina, colocar roupas mais citadinas (e mandar lavar as “de viajor”, não esqueçais), descer à taberna para aí sim, se cuidar da barriga com bom prato quente de desjejum bem regado a alguma beberagem local (de preferência rum).
E claro, somando-se a isto tudo, uma prosa diante a lareira mui aquecida, seja pelo espírito em boa companhia, seja pela corpo que há pouco se digladiava com aquele forte vento oeste, a umedecer não apenas os fardos e roupagens, mas a penetrar na pele quiçá alcançando os ossos, reinante por sobre tudo... Ah, que frio.
Mas deixa estar, cada cousa em seu lugar: era preciso retornar – ainda que brevissimamente – à gentil Alcácer (apesar da ressaca inclemente) para lá encontrar boa gente e não apenas isso, se fazer refém da boa inspiração, oras sem dúvida, eis a medida d’um trovador, deveis bem assim entender um tanto de sua ‘causa formal’ deste mundo sensível.

Contudo, depois de todos estes aprumos, já mui tranquilamente sentado à mesa da taberna a aguardar um bom prato local, Aristarco ouvia aqui e acolá daqueles salacienses, os comentários sobre as comemorações locais, uma dupla jornada de festividade, seja na data de comemoração da vila, seja o primeiro torneio de arco e flecha que viera logo seguidamente.
Deu um suspiro, porque nestes tempos ia e vinha alhures em outros caminhos e vilas, a glosar e apresentar cantigas naquelas praças, não havendo sorte em chegar na boa Alcácer em tempo oportuno: até a arqueiria que havia se realizado há pouco, não conseguira acompanhar, um dia de atraso ao término que se fazia, uma pena.

Quando uma jovem mulher veio à mesa a roubar-lhe atenção, porque se encontrava mui distraído na prosa daquelas pessoas, que se maravilharam com os resultados e feitos, gente de mui habilidade que participara; mas também que riam e contavam anedotas, especialmente d’alguns acidentes que ocorreram no campo de torneio, como um catador de flecha ao ter a nádega acertada enquanto fazia seu trabalho, por algum arqueiro mui desastrado, imaginai.
Pobre alma, para não dizer do pobre e ferido glúte... enfim.
Passado o susto, felizmente o rapaz estava sob o cuidado do cura local, já bem fora de perigo, que situação.

O trovador já ria e a inspiração começava a fazer companhia, ao escutar aqueles “feitos”, o que lhe fez rememorar parte da cantiga que indica o “Bem viver n’A taberna”, algo animado sobejamente, com toda a certeza deste velho e agastado mundo.

Então a jovem lhe interpelou mais uma vez com um certo vigor (e sorriso no rosto), porque o trovador ficara tão entretido com aquilo tudo que nem notara o chamado, especialmente quando ficou a ignorar até mesmo a barriga que já lhe vinha a rugir intensamente, ainda que se precise dizer a parecer uma leoa das mais megeras; Aristarco escusou-se imediatamente pela sua desatenção e se pôs a ouvir a moçoila a dizer sobre o prato daquele dia.
Ele concordou com as sugestões e aproveitou para pedir porções para seus amigos e seu aprendiz, que ainda não haviam terminado de se preparar, sabe-se lá o que aqueles caros andariam a fazer que até agora não descerem; afinal da cozinha o cheiro do preparo faria qualquer um salivar e fazer valer um dito popular ouvido alhures, “pernas para quê te quero”, a deixar seus afazeres e tomar caminho rumo à mesa.

Mas dito e feito, porque o Martinho aprendiz já se sentava defronte ao trovador, com aquela expressão sempre sorridente, ainda mais quando se encontrava à espera de boa comida. Para o infante, tudo era uma “grande novidade”, mas que seja assim pequeno Martinho, até te tornares homem e mais além: não deixes o brilho d’olhos jamais enfraquecer em todas as estações da vida.

Aristarco apoiou seu queixo por sobre as mãos, de maneira relaxada a permanecer silencioso, deixando apenas que seus ouvidos trabalhassem no cenário dos diálogos da taberna naquele momento, pensativo que se encontrava (com quase um sorriso a lhe escapar).
Habitavam naquele momento à taberna, não mais pessoas apenas: mas flechas d’um lado, saltos de sacos d’outro, com risadas e cousas assim.
O trovador pensativo, é certo; também mui tranquilo... na boa vila d’Alcácer do Sal.


_________________

| Secrétaire Royal | Minstrel of Gharb al-Ândalus | Flemish-breton of Iberia: al-Musta'rib |
Aristarco



Oras, como são as cousas, qual homem não há de tomar alguns bons tragos em boa taberna, às vezes para aliviar o espírito das rudezas e vicissitudes da vida, às vezes simplesmente para expandir e compartilhar algum estado de ânimo mui feliz?
Até mesmo a poder não estar acompanhado (é certo que na mágoa, se solitário de pessoas de quando em quando, ao menos a 'dialogar' com o bom e fiel caneco cheio).

Se alguém fosse contrário a isto tudo, poder-se-ia dizer que não compreende o gênero, porque se o mundo gira, tem pelo futuro sempre a novidade, o porvir indecifrável, o inusitado fado ou destino, que por sinal faz valer mui a proposição de filosofia estóica da vivência na instância, na valoração d’uma virtude que se aplica aqui e agora, ao mesmo tempo em que se compartilha com os demais a se apoiar no ânimo; porque afinal, tudo reside nisto: a alma com seus caracteres múltiplos; a alma que se sustém na circunstância; a alma que se contrapõe ao mutável, ao instável e inusitado.

Se algo deve permanecer é alma e n’alma. Mesmo que o velho filósofo Demócrito de Abdera afirmasse que tudo não resistiria ao tempo quando seu detentor viesse a morrer. Virtude lá encontra mais guarida.
Mas nem ele ousaria objetar que enquanto se vivesse o homem, a alma haveria de se sustentar até o fechar de olhos e repouso da respiração.

Mas deixemos tudo isto para lá porque a questão se tratava apenas de cousas de rum, cidra, cerveja ou vinho, e todo aquele universo de beberagem que vem socorrer um homem, apoiá-lo por vezes (ou simplesmente afundá-lo, porque acreditai, eis algo não menos comum).

E o trovador tomou lá um pouco mais de tragos do que o habitual com os bons amigos de viagem e os bons amigos salacienses: canções dos mares apareceram na taberna, assuntos de pirataria e planos de assaltos aos catalães, provençais, venezianos e sabe lá céus quais mais plagas e povos deste mundo envelhecido, todas praças repletas de bons certames bélicos para imortalizar feitos, assim como novos gostos de bebidas e comida, mui gemas e artefatos e cousas desta natureza.
Planejamentos de comitivas, ideias de armadores para conceber naves e todas as peripécias, anedotas e troças que faziam de aventuras, porque havia algo sério naquilo tudo: pegar os trens de viagem e partir pelos mares, pousar em mui vilas de línguas e tradições estranhas, beber e viver a amizade na aventura, rodeado de amigos bons e fieis.
Oxalá que o Destino recaia neste intento afirmando-o, enquanto que aqueles ali na taberna haveriam de fazer suas partes ao fito, acreditai e guardai bem isto.

Até que chegou um tempo após, o campeão do torneio de arco e flecha salaciense, que foi mui saudado pelo seus feitos (não, certamente não fora ele a acertar o pobre catador de flechas), com assuntos carregados naquelas festividades e cousas felizes que aquilo tudo propõe a dar.
Mais bebidas e pratos foram postos, consumindo-se junto um tempo feliz dos convivas.

Se não estivessem ao mesmo lugar aquela taberna e hospedaria, Aristarco sairia da taberna com os passos a “trançar”, parecido tal qual quando uma senhora é ajudada por alguma aia com os cabelos bem a se arranjar e já deveis ter visto aquele vai e vem das mechas, inda que o efeito ao sabor do rum era de fazer as pernas bambearem d’um lado ao outro, imitando-lhe os modos apenas.
Já dizia o filósofo Platão que havia a imitação do real pelo aparente, e se a trança de cabelo era real enquanto a trança de pernas estimuladas de bebida era aparente, não se poderia nada afirmar, acreditais, mas que a primeira era formosa e elegante enquanto a segunda era desajeitada e cômica, não se havia a menor dúvida.

E antes que isso acontecesse, um caminho trançado até o quarto, com boa inspiração lhe veio aquele comichão que balançara o íntimo de seu coração e pensamento (inda lúcido), que o fez então improvisar uma cantiga sobre as comemorações de Alcácer, especialmente depois que soubera dos eventos da competição de saltos, deveras divertidos e singulares.

Desapontado que se sentira quando não pudera comparecer, quem sabe uma cantiga viesse a remediar aquele lamento, pois também a música acaba por ter tais atribuições junto ao coração, e assim logo saiu uma em boa voz (inda não afetada de bebidas) ao se levantar e se por a cantar:



REDONDILHA

Üa tradição

Mote


“De Artois à Alcácer legada, competição,
Na corrida bem gingada, tradição.”

Voltas

“Historia que vou contar
Escuta, guarda isto:
De tão velha tradição
Assi deixa remontar.
Longo percurso narrar
Del Artois muy bem quisto
Vem üa competição.”

“Pois se tem algo comum
Na língua ou palavra,
Na razão ou coração
Na boa cidra ou rum,
Não se sabe de nenhum.
Porém há boa lavra:
De corrida, floração.”

“Mas nem se saberia
Do Mansur mouro senhor
Em puro sobressalto:
Quem imaginaria?
Que de Flandres viria
Ao luso chão um penhor:
Aquel’ jogo do salto.”

“Parte logo e salta
Mas tombo bem evita:
No ganho, perseguição.
Co gingado ressalta
Renome qu’ esmalta,
Alcácer se agita
Quando honra tradição.”



E os convivas memorizaram o mote enquanto o trovador cantava as passagens, repetindo a cantiga por algumas vezes, até que finalmente Aristarco fez uma reverência e se voltaram todos a beber e prosar no mesmo espírito alegre, depois de uma longa semana de jornada em ofícios e trabalhos daquela boa gente.
E assim foi a noite a correr larga, até o momento de tapar os canecos e pagar a conta, para finalmente pegar o passo trançado (mui cuidado para subir a escada, por favor) que levava lentamente até o quarto com a boa cama da hospedaria...



OOC:
Certamente que o bardo também não se esquece o “período mais flamengo” de Artois, algo de interesse particular de um ramo familiar que faz usar a trova ao seu favor.

_________________

| Secrétaire Royal | Minstrel of Gharb al-Ândalus | Flemish-breton of Iberia: al-Musta'rib |
Manoe


Manoe Faro de Monforte,chega a frente da taverna olha em busca de uma pessoa que não a encontrar,busca novamente querendo ouvir aqueles sons que o deixa feliz.Era os versos de Aristarco seu amigo.

Que sempre vinha visitar Alcácer,vinha não só,mais vinha acompanhado por versos de felizades e alegria.


será que ele nos deixou..?

Manoe se perguntava

Vou fazer minha parte

Assim ele pensou...

Buscou um pequeno livro de trovas de seu querido Irmão Eudoxio,e ali mesmo começou.


Amigos que valem ouro,
nós deveremos mantê-los
guardados qual um tesouro
para nunca mais perdê-los!


Querendo assim chamar a atenção de seu povo,para parar um pouco e refletir na vida
Martinho






Martinho Albernaz, aprendiz-de-trovador de mestre Aristarco, havia chegado há pouquíssimos instantes na vila salaciense, a cumprir missão que recebera por missiva do trovador, há poucos dias: infelizmente aquele não poderia estar presente ao tão importante evento de batismo do senhor Macavel de Ravengar, porque estava em distante jornada ainda; assim, era preciso dar bons préstimos com Martinho a representá-lo ao honorável convite.

O jovem não conhecia ainda a boa vila de Alcácer, de maneira que lhe era tudo mui repleto de novidades e estava um pouco ansioso (inevitavelmente) por conhecer o senhor Macavel e mostrar dignidade na tarefa que lhe estava destinada, afinal, dignidade se põe em tudo que se faz.
Apenas uma dúvida guardava consigo: se se apresentaria ao senhor como aprendiz de Aristarco apenas, ou como sobrinho-neto do renomado astrólogo da Corte Real, o senhor Martim Albernaz (oras, os nomes não eram coincidências, logo podeis notar tais ligações familiares).
Talvez ambos, oras, sorria de repente ao pensar na ideia.

Vinha o jovem no lombo d’um burro, o bom e manso Juventino, que também pertencia a Aristarco, mas estava sob seus cuidados. Já podia fazer viagens logo se via, porque tinha espichado em muito, perdendo aos pouquinhos aquela expressão de menino e a ganhar mais expressão de homem; mas tudo ao seu devido tempo, tudo ao seu devido tempo.

Já dentro da amurada da vila, chegou à frente d’uma taberna (conforme indicações de Aristarco) para se melhor localizar e tomar referências. Estalou a boca e a besta parou, tranquilamente, acostumada que estava com o comando humano.
Aristarco lhe cedera o uso de seu cavalo Graelent, mas Martinho inda preferia o lombo d’um animal mais dócil como Juventino e se comprazia por ter chegado bem à Alcácer do Sal, acostumado que estava a mais usar os pés do que cascos.
Enfim, só lhe faltava rumar à hospedaria e descansar um pouco, comer alguma cousa e mais tarde dar préstimos de chegada ao bom senhor Ravengar.

Quando inusitadamente um senhor mui distinto cruzou-lhe o caminho com pisada garbosa e debaixo do braço a conter um livro, parecendo homem de lei ou cousas do tipo, todavia Martinho já não mais saberia dizer.
E justamente na frente da taberna, o homem parou e folheou algumas páginas. Quando repentinamente declamou! Que surpresa, ora essa!

Mas Martinho não tinha ouvido ainda aquelas palavras, ficou até curioso sobre seu autor; seria aquel’ próprio senhor que declamara? Um poeta com livro publicado?
Muitas dúvidas, certamente.

Assim quando as palavras cessaram, tal como os demais residentes que se encontravam à sua volta naquela audiência, o aprendiz fortemente aplaudiu aquel’ senhor de boa voz postada e bem munido de rimas, porque a poesia acalentava coração indubitavelmente.
E inda mais: alegrou-se por ver terra em que as gentes apreciavam cousas d’Arte (especialmente palavras, letras e trovas); compreendia finalmente a razão do mestre tão fazer questão de dirigir-se à Alcácer do Sal de quando em quando.

Apostava Martinho todos seus “merréis” em que o trovador iria morar em Alcácer do Sal, porque aquele já falara demasiadamente (e com satisfação) sobre tal assunto, e provavelmente tudo se decidiria assim que voltasse com a comitiva salaciense que já saíra meses atrás da vila. Por sinal, tinha saudade do trovador tamanho tempo de ausência, saudade até mesmo das exigências de estudos por parte de Aristarco; ao menos, todas as lições e recomendações dadas pelo trovador antes da jornada, haviam sido seguidas à risca.
Com a idade a crescer, também acompanhava o juízo, e agora Matinho já notava melhor a disciplina ser mais aliada do que adversária a ser burlada por um passeio ou algo que o valha (mas inda, dava suas escapadas ao mercado, ou algures onde povo se reunisse).

O aprendiz apostava também em acompanhar Aristarco em Alcácer, apesar de seus “merréis” apostados serem dados pelo próprio mestre-trovador, situação interessante; feliz do instante que se pode arriscar sem qualquer desvantagem como consequência...

Quando então fez uma reverência ao senhor que acabara de fazer palavras poéticas voarem largamente pelo ar, porque inevitavelmente aquela homenagem rimada à Amizade, algo de excelso valor, queimara-lhe o coração.


_________________
Martinho

OOC: em meados de Setembro do ano da graça de 1460...







O aprendiz-de-trovador já se encontrava na vila salaciense há algum tempo e quase todo o dinheiro cedido pelo mestre-trovador estava por acabar, inda que Martinho Albernaz fosse mui contido nos gastos: já estava a aprender a demanda do oficio, a angariar aqui e acolá parcos ceitis ou espadins, punhados de cruzados, quando se tratava de apresentação aos caminhos, bem diferente dos salões e lugares mais opulentos.
Certo era que estava na alçada de Aristarco lhe subsidiar, naquelas necessidades, mas assim mesmo tinha zelo por conta de seu próprio trejeito, por mais que lhe fosse atraente gastar tostões em tabernas, palrar – às vezes apalpar – alguma atendente descuidada (e não tomar tapa à fuça)...

Queria economizar ele próprio, em verdade já estava a fazer isto em cada missão que lhe era incumbida, contudo daquela vez em Alcácer já não via como, os bolsos lentamente ficavam mais leves.
Assim, decidiu confrontar um pouco Aristarco e enviou-lhe uma carta “avisando-o” que ficaria mais algum tempo naquela vila, por conta própria, mas também a pedir-lhe licença para cantar suas cantigas.
Estava temeroso, mas ficou feliz por missiva recebida que aquel’ trovador felicitava-o naquel’ pequeno empreendimento em Alcácer, a dar aval assim como rogar-lhe êxito; entretanto se lhe não fosse favorável, que regressasse imediatamente para casa, quando aguardaria contato o trovador de notícias de Martinho, para enviar outra missiva acerca de assuntos de música que havia preparado neste ínterim.

Mui havia Albernaz, “o moço”, por fazer: procurar algum bardo local para possibilitar emprego de pandeireta ou alaúde, já com recomendação que Aristarco havia enviado anexada à missiva (se necessário), assim como ele mesmo tentar algo compor neste período.
Também não perderia a oportunidade de ir sempre ao porto, quem sabe algum barco com gêneros chegasse pelo Sado e se houvesse sorte, algum com apetrechos musicais. Sabia que era um tanto difícil de acontecer, mas gostava de pensar que chegaria algum mercador de instrumentos musicais, quando poderia avisar Aristarco da vinda d’algum alaúde.
Apesar dos fazedores de instrumentos existirem em qualquer plaga, o trovador dava preferência ao alaúde mouro, estava a procurar por algum e Martinho não sabia como houvera perdido aquel' outro, Aristarco desviava assunto...
Mas bem se compreendia aquele excesso da preferência, porque vivera mui tempo em al-Gharb, e Martinho já imaginava as moçoilas com véus e homens com turbantes, dedos com anéis de gemas desconhecidas, gentes a se curvarem vezes ao dia na oração, em direção da cidade sagrada oriental, “suq” (mercado) repleto de gêneros, guardas com espadas curvas e muita melodia em escala moura, como já ouvira várias vezes Aristarco tocar e cantar.

A língua moura era mui esquisita, mas incrivelmente bela na sonoridade musical, admirava-se Martinho, ao contrário da careta que fazia quando relembrava da língua flamenga, tão bárbara aos seus ouvidos.
Felizmente Aristarco nunca “cantara” uma música flamenga, imaginava-a horrivelmente com aquelas pronúncias pesadas e arrastadas das terras mais germânicas.
Já as outras cantigas das ilhas e continente separados pelo famoso canal, também lhe soavam mui bem, inda que trovador pouco cantasse; dizia ele, num raro instante de abrir-se, que ouvia tais canções na doce e longínqua voz de sua mãe, que Jah a tenha em bom lugar.

A despeito disto, era preciso tentar arrumar dinheiro por si mesmo, seu grande desafio, mesmo que precisasse apenas cantar sem qualquer instrumento, paciência, não era a ausência d’um que lhe tiraria ímpeto que começava a maturar, para fazer cousas com as próprias mãos e traçar os próprios planos...

E com a carta de Aristarco em mãos, sentou-se às escadarias da Igreja da vila, procurando pensar em como tudo faria, porque uma cousa era planear, outra, era justamente mover-se para que a roda girasse; escrever a carta, apesar do receio, fora até simples, mas agora com sua bolsa de moeda quase a restar-lhe apenas tecido, já teria de fazer procura e buscas.
Aristarco poderia enviar bolsa de dinheiros caso algum outro trovador seu amigo viesse à Alcácer (assuntos de andarilhos), porque mui se fiavam os trovadores uns aos outros nessas cousas de precisança.
Mas e se o mestre-trovador nada enviasse? Por mais que Martinho inda fosse um aprendiz, afinal não recebera dispensa de Aristarco, temeu a (infeliz) possibilidade que somente agora lhe corria à cachola...

Sentiu um calafrio ao imaginar as necessidades que poderia rapidamente sofrer, baixou a cabeça entre as mãos, naquel’ mutismo dos preocupados, tão alheio ao quotidiano pacato da vida que prosseguia bem ao seu entorno.


_________________
Martinho






E bem assim foi naqueles dias desafiadores: em um momento qualquer na taberna, um poeta salaciense daqueles que floresciam na naturalidade da vida às ruas e campos, sem letras ou sofisticação, encontrava-se a declamar com simplicidade suas rimas, entre um trago e outro.

Martinho fora até aquel’ porque a lei de afinidade parece ser uma constante neste mundo: quem lá mexa com cousas d’Arte logo se vai ter com seus familiares de inspiração e sem ser indiferente (e com certa dificuldade por conta da beberagem), aquel’ outro poeta do povo e campo árduo, sorriu-lhe prontamente como se reencontrasse um velho amigo (apesar de Martinho ser jovem), já a estreitar prosa e consideração.
Sua pele do rosto, naquela expressão sorridente ao ver jovem interessado nas rimas, parecia uma máscara de mui fendas, marcas do tempo e da forma de seu rude trabalho.

Entre uma ideia e outra, dissera-lhe o salaciense que conseguira um alaúde manco e mal cuidado, mas que não levava jeito para o oficio, e seu parco dinheiro não houvera sido mui bem colocado afinal, melhor que lhe era poetar livremente (com bebida às mãos) do que arriscar dedilhado, inda mais sem mestre.

Então o aprendiz-de-trovador animou-se, como se uma luz lhe houvesse sido dada, e pediu que o poeta trouxesse o instrumento no dia seguinte, propondo-lhe troca: enquanto o jovem lá estivesse, usaria o alaúde sem qualquer restrição, assim como proveria todo o cuidado e arranjo a deixar instrumento em bom estado.
Imediatamente o trato de camaradagem foi feito, e Martinho mais à noite na hora morta sequer dormira direito na estalagem, movendo-se d’um lado a outro na cama, tamanha felicidade que se encontrava o rapaz, porque o Destino lhe sorrira, seus projetos pareciam sempre ter uma porta aberta, por mais que não lhe fossem as rotas fáceis.

E assim que o alaúde lhe caiu às mãos, o aprendiz-de-trovador levou alguns dias para negociar as cordas novas (já a se endividar, infelizmente), bem como limpá-lo decentemente, antes de usá-lo; também gastara as moedas de maior valor nisto, era tudo ou nada agora, em termos de arrumar dinheiros.
O poeta local, que o chamavam por Quincas, fazia mui gosto ao saber das novidades, e queria também que o rapazote logo se apresentasse à taberna e chamaria todos os seus amigos para ouvir uma canção. Inda mais quando estava aquele salaciense angustiado por uma aventura amorosa pouco rentosa, para não dizer não correspondida.

O jovem Albernaz não avisou, porque temeu deveras; ganhou coragem em uma noitinha qualquer pouco depois do poente, apanhou alaúde e foi até a taberna.
Lá encontrou Quincas e pediu atenção dos convivas; anunciou inusitadamente a cantiga e bem cantou, acerca de encontros e desencontros daqueles que tinham coração palpitante por outrém:



REDONDILHA

Desencontro

Mote Alheio


“Amor bem encontrado,
Se divide com alguém.
Mas quando é agourado,
Mui se fia sem vintém.”

Volta

“A dama que desejo
Olha algum varão qualquer
Que no flanco, busca alguém.
É como um lampejo
Que forma mau arpejo
Não se possui algo sequer:
Pois Amor é de ninguém.”



Repetiu a cantiga algumas vezes, até que o mote fosse decorado pela gente, algo mui comum que era aquilo de estimular vontades alheias a participarem das cousas da cantiga, o mote tinha tal papel de fato.
Ironicamente ouvira a cantiga inteira de Aristarco, mas quando foi armar o primeiro acorde de alaúde, viu-se quase que totalmente desmemoriado, algo corriqueiro aos novatos daquela lide, eis ele ali, completamente só diante taberna mui viva e repleta.

Lembrou somente d’um complemento, mas não havia vacilado em mostrá-lo, ou por melhor dizer, rogava que ninguém houvesse percebido algo...

Quincas já dava tapas às costas de Martinho, rindo um tanto, não se saberia dizer se pela (fração de) cantiga, ou por sua própria condição, verdade era que quaisquer males foram espantados do coração (ao menos naquela noite...). Ofereceu um trago para o rapaz que aceitou, um pouco sem jeito...
E não é que algumas moedas lhe foram entregues por alguns convivas? "Pelo bom Sado", lembrou-se do modo como o mestre-trovador expressava n'alguma surpresa.

Entretanto, aquela inquietação inicial que lhe tomava o espírito diante o novo, aos poucos foi cedendo lugar para se estar mais à vontade, inda mais quando o povo daquela terra tinha inclinação amistosa para as canções (e um tanto de bebidas, claro).


_________________
Aristarco



Aristarco caminhava ao lado de Martinho às ruas salacienses, cumprimentando aqui e ali os citadinos, provavelmente sem conhecer sequer a menor parte deles, decerto que a dupla era familiar aos olhos (e ouvidos) em virtude de apresentações às tascas; uns mais rudemente, outros mais comedidamente acenavam, as gentes eram assim, uma mistura de impressões infinitas, tanto quanto são as inclinações d’alma.
E havia ainda aqueles que desconsideravam as particularidades para ver apenas como um algo disforme e despersonalizado, provavelmente sem distinção alguma ao se tratar dos homens.
Aristarco ora ria com isto, ora lamentava-se, definitivamente a Filosofia não penetrara às almas facilmente, eis que se tornavam mais ocas à razão.

Era-lhe causa de pensamento porquanto a qualidade das almas, os princípios do “mundo sensível” segundo o velho d'Estagira, O Filósofo, as aptidões mais dependiam de disciplina e esmero, pura potência, do que qualquer outro tipo de herdade inda que natureza ditasse o ato.
E nisto, os gregos eram melhores com suas "politeíai", até mesmo os romanos em suas “repúblicas”, na maneira como as gentes nelas viviam, e d’alguma forma o trovador humanista tinha curiosidade acerca daquelas republicas italianas logo ali no Mediterrâneo; duvidava um pouco do quão assimilaram dos antigos, mas tinha certeza da apreciação filosófica que por lá se cultivava. Talvez devesse esmerar o seu linguajar italiano para o futuro (breve ou distante, não se saberia dizer).

Quando então passou ao lado d’um lugar agitado (por falar em almas) com consertos e cousas d’arrumação, parecia que uma nova taberna ia ‘nascer’ ali daqui alguns dias, não saberia dizer: pela sua entrada com uma velha e pesada porta, passavam gentes indo e vindo, com semblantes atarefados (e alguns, com lombos também).
Tão logo o trovador saberia o que significava tudo aquilo.

Aristarco voltou-se para o caminho e se guiava para ir à estalagem cumprir a “paga”, já soubera dos acontecimentos assim que pusera o pé na vila, pois alguns ‘credores’ eram deveras ágeis em lembrar seus ‘devedores’, por mais que o mestre-estalajadeiro que cuidara ‘mui bem’ das cousas de Martinho, ou melhor, do burro Juventino com “limpeza e forragem de mui qualidade” (mas quem diria), houvesse enviado uma carta mui educada acerca dos “préstimos”.

O trovador não se incomodou tanto assim, porque queria bem aquela besta que servia de montaria e carga, mansa e eficiente (exceto por algumas ‘empacadas’ inevitáveis a tirar qualquer um do sério), de maneira que não responsabilizou o aprendiz pela feição do “negócio” na estalagem...
Além do mais, rever amigos e rostos fiáveis justificava todo e qualquer estado de bom humor, porquanto estar ali era mais motivo de regozijo do que qualquer outra preocupação.


_________________

| Secrétaire Royal | Minstrel of Gharb al-Ândalus | Flemish-breton of Iberia: al-Musta'rib |
Martinho

OOC: aos meados de Fevereiro daquele ano de 1461...







Martinho encontrava-se satisfeito como nunca, seja por efeitos daqueles feitos naqueles dias, seja pela própria disposição estimulada, oras, bem sequer sabia examinar uma cousa ou outra, seria mais do que necessária a presença de Aristarco para que lho explicasse; entretanto era justamente a ausência do mestre-trovador que impingia o jovem aprendiz a estar ali como estava: escrevendo um pergaminho, em plena mesa da taberna “Tri Martolod”, antes da boa refeição à bretã que aguardava...

A menina que atendia a todos com os gêneros do “Tri Martolod”, inquieta como só vendo, concedera a gentileza de arrumar um tinteiro, provavelmente d’algum cômodo reservado e distante das gentes à taverna, era pois somente o que faltava ao rapaz, porque tinha ainda alguns pergaminhos (bem amassados) à disposição; nada incomum.

Com a fome a lhe apertar, porém contente por pouco isto sanar (ou melhor matar), Martinho se pôs a escrever em meio aos risos, conversas e toda a barulheira típica de reuniões de gentes.

Quote:

XI de Fevereiro de MCDLXI
Alcácer do Sal, Lisboa


Mestre Aristarco

Saudações,

Começo a missiva para te rogar votos de saúde e bem-aventurança nestas terras cerro acima, ainda mais quando comentaste sobre a agrura da estação, por Jah, que haja mui breve o Inverno de deixar as plagas.
Agradeço uma vez mais pelos ceitis que pousaste em minhas mãos, hei de juízo sempre lançar-me aos gastos, sem quaisquer excessos: não me esquecerei das estadias fortuitas ou convites de trabalho de modo algum, afinal as moedas também serão empregadas na emergência, como uma corda partida, ou porta fechada ao rosto, que bem devo estar preparado.



Repentinamente notou um sujeito cambaleando, provavelmente repleto (de rum) que passava perto da mesa... Em um reflexo, Martinho levantou o tinteiro e pena em uma mão, pergaminho n’outra, quando o homem esbarrou à madeira causado tremor.
E assim que passou, o aprendiz-de-trovador ainda olhou para os lados, levantando a guarda da atenção, para em seguida suspirar quando aquela passara por um triz...
Voltou os apetrechos à mesa e continuou:


Quote:

Estive naquela taberna de caro amigo teu, Dom Eudoxio, um lugar promissor, ainda que o senhor tenha já avisado que em Alcácer há benesse para trovadores: pois nela já ganhei moedas e desfrutarei refeição à moda da casa...



Começou a sorrir sozinho ali mesmo, a imaginar o mestre entusiasmado com os assuntos de origem bretã do mesmo, não sem uma ponta de malícia ao escrever sobre algo que Martinho desfrutava enquanto o outro se encontrava em boa distância em carestia, como lhe era divertido apoquentar um pouco Aristarco de quando em quando.
Continuou a deixar mão correr:


Quote:

A homenagear a origem tua, assim como as gentes de mando desta taberna, na terra comum de Bretanha, lembrei daquela canção de “Nabaret” que certa vez o senhor apresentou-me, e dela extraí uma variação da melodia, com rimas ao meu gosto.
Não te preocupes, pois respeitei a maneira bretã, apesar de ser difícil às vezes deixar as cousas de nossa terra ao lado, sem que se misturem...



Naquel’ instante repousou a pena à mesa e ficou um pouco meditativo, repentinamente isolado em seu próprio mundo, pensando e pensando sobre como aquelas cousas todas lhe apeteciam ao coração, e como o caminho que chegara até ali parecia misteriosamente destinado.
Suas “composições” subitamente ganhavam mais matureza, encorpavam-se naturalmente... As enviaria para o mestre-trovador, mas já viajava na imaginação por caminhos próprios vendo-se mais livre para o oficio.
Mas logo em seguida a razão veio incomodar a sensibilidade lembrando-lhe que era preciso aval do mestre, e algumas dúvidas rondavam sua cabeça na palavra “quando” sua condição, de um aprendiz, daria lugar finalmente a algo maior. E continuou a carta.


Quote:

Pretendo assim, continuar a composição, ainda mais quando me falaste que um “lai” concorre com centenas e centenas de rimas; falta-me um tanto, confesso; hei de enviar-te o que bem nascer.
Assim sendo, encerro esta.

Que a inspiração continue com o senhor sempre a tocá-lo nas ocasiões, e que nunca faltem pergaminhos e tintas para palavras a serem escritas, tampouco voz para as cantigas.

    Com estima do aprendiz,


Já não podia escrever "que nunca falte o alaúde" ou cordas, pondo-se a rir, naquela precisança do mestre Aristarco, sem instrumento essencial para a Arte.
Mas não por muio tempo a risada ficou consigo: finalmente acabou a missiva, ainda que a sensação de “ausência de completude”, como dizia Aristarco, ou “sensação de faltar d’algo” simplesmente para si, tomasse-lhe toda vez que uma carta era encerrada. Será que seria assim sempre? Uma carestia disto ou daquilo outro?
Incomodou-se enquanto o riso se esvaía aos poucos, afinal assim como o mestre-trovador tinha lá as suas dificuldades (e carestias), ele também tinha lá as dele...

Nem quis relê-la, especialmente para não reforçar tal sensação, algo que inevitavelmente aconteceria: dobrou-a em partes, para colocá-la em seguida à parte interna da jaqueta, entre esta e a camisa.

Meteu os cotovelos à mesa e apoiou o queixo às mãos, em seu mundo particular, enquanto ao seu redor barulho e movimento fluíam...



_________________



OOC:
Só uma ‘cena destacada’, enquanto Martinho continua ali no Tri Martolod...



























Asdrubaldecuba


Procurando apanhar um pouco de ar e depois de algumas canecas de cerveja na Tri Martolod, Asdrúbal de Cuba passeava junto ao porto, observando o mar. Ao fundo, o astro-rei afundava-se no mar, no horizonte. A cena tinha algo de poético. Questionou-se sobre a quantos poetas não servira já de inspiração e deixou a sua mente vaguear pelos pensamentos...

Preparava-se já para regressar a casa quando se lembrou de um trovador, um poeta, que passara largas temporadas em Alcácer e que acompanhara Eudóxio em várias viagens. Asdrúbal não o conhecia bem, mas ouvira-o várias vezes e lera diversas trovas da sua autoria. Tinha-o como um dos mais sábios homens que já conhecera. Que seria feito dele?
See the RP information
Copyright © JDWorks, Corbeaunoir & Elissa Ka | Update notes | Support us | 2008 - 2024
Special thanks to our amazing translators : Dunpeal (EN, PT), Eriti (IT), Azureus (FI)