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These songs are the tribute of Aristarchus to The Queen of Portugal, Ana Catarina de Monforte, in honour and admiration to the friendship.

[RP] Cantigas Tristes

Aristarco




Aristarco aguardou que fosse transportado o féretro da Capela Real, quando todos se colocavam a acompanhar até a carroça mui enfeitada que haveria de prosseguir para a capela nobiliar; posicionara-se mais afastadamente naquel’ cortejo enquanto se deixava o edifício.

Quando cruzou o arco, fazia-se jus ao cinzento dia que cobria tanto dentro quanto fora, ainda que o sol naquela altura do dia timidamente emitisse um pouco daquela luz difusa, com esparsos raios que firmavam ao chão.
Não sabia dizer acerca de auspícios, mas quem sabe fosse um signo mais esperançoso naquela estação até então pouco clemente, a levar um tanto dos humores dos homens e brios por uma enlutada condição do solo pátrio.

O trovador deteve-se ali mesmo, aguardara aquelas arrumações do esquife que não se alongaram, até que os cavalos foram picados a seguir em frente; enquanto já se iam a sumir pelo horizonte apertado da urbanidade, as gentes foram aos poucos esvaziando o lugar, mais em silêncio do que ruidosamente; alguns voltariam para suas próprias casas, outros, para seguir acompanhando mais viagem da Rainha em penúltima morada, a capela familiar (pois a última seria a cripta, certamente).

Escorou-se Aristarco à coluna lateral que sustentava o arco até que restou mais ninguém ali, pelo menos ao que parecia, exceto a companhia da solitude e dos passarinhos com seus piados, tão alheios ao mundo dos homens (e sem que semeassem ou ceifassem solo, sem que juntassem em celeiro, amparados pelo bom Deus).
Se valêsseis vós homens mais do que os pássaros? Talvez sim... Mas ao final a terra haveria de comê-los todos, levando-os à campa; nisto, homem algum valeria mais do que o menor roedor neste velho mundo.

Subitamente saiu de seus pensamentos quando dois jovens noviços bruscamente vieram a fechar a entrada da Capela Real, estranhando a estada ali de Aristarco; pararam por um instante e olharam para o trovador como se falassem – apesar do silêncio –: “Que fazes aqui? Acabou! Não nos dê trabalho; vai cuidar de tua vida, vai embora!”.
Em seguida olharam entre si em expressão de reprovação e sumiram com as folhas da porta se encontrando a produzir bom ruído.
Se Aristarco estivesse um passo adentro, tomaria um “empurrão” da própria porta – expulso que se sentia naquel’ momento.

Deu um passo à frente e ficou mirando o céu cinzento, a procura do raio do astro maior (quase a querer procurar esperança) que já se escondera nas nuvens. Em vão.

Soprou-lhe uma inspiração para cantar, mesmo que sob temor de ser preso, porque não estava em qualquer lugar para isto fazer, mas se sujeitou ao destino caso assim o quisesse, porque a tristeza era maior do que pernoitar uma noite no cárcere.
E espontaneamente as rimas tomaram forma, ainda que usasse uma melodia famosa de "Gharnatah" (ou simplesmente Granada, como insistiam os castelhanos), que em boa voz o trovador cantou:



AL-ZAJÁL

A partida

Mote


“Só tristeza restou agora
Pois Grã Senhora foi embora.”

Voltas

“Ainda que bem entendesse,
Que esperar mui valesse
Sem que nada assi quisesse,
O fim ancora.”

(mote/refrão)

“Ainda anjos mui voaram
Que boa alma, carregaram
Sem bondade nos deixaram:
O torrão chora.”

(mote/refrão)



Queria se esvaziar se pudesse, mas só havia cantiga para que na ausência do raio de sol, e que na inelutável destinação de gentes amigas e estimadas (ou tudo que fosse vivo) ao túmulo ou seio da terra – à morte –, com sorte conseguiria angariar um pouco de esperança em dia entristecido.


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| Secrétaire Royal | Minstrel of Gharb al-Ândalus | Flemish-breton of Iberia: al-Musta'rib |
Aristarco



Não lhe era alheio acerca do destino de Portugal, o que seria desta terra sem Rainha, uma incerteza que habitaria corações e pensamentos, um desajuste da ordem das cousas, quando talvez a noite se estendesse em cada semblante inseguro.
A verdade é que a vida se seguiria, os homens com seus problemas de sempre, em suas mui continuadas encruzilhadas, porquanto desde que o mundo era mundo, o mesmo mundo prosseguiria – se os homens lhe acompanhariam ou não, era outra história –, entretanto a inconstância dos governos vinha a lhes apoquentar um tanto o sono, por mais que a terra rude, a carga ao lombo, a limpeza dos animais, e tantos outros mil fardos existentes lhes aguardassem ao dia seguinte...

“O trabalho e os dias”, mui bem lembrava Hesíodo, o bardo heleno, mais uma vez.

E aqueles dias incertos não eram mui equiparados aos dias da “raça de Ferro” tão bem cantados pelo rapsodo?

“Eis que agora a raça é de ferro e nunca durante o dia hão de cessar de labutar e penar e nem à noite de se destruir; e árduas angústias os deuses lhe darão.”

Com a morte da Rainha, talvez então “penassem” (que motejo amargo) um pouco mais os vivos; e assim as rimas lhe vieram a brotar em uma cantiga escura:



AL-ZAJÁL

Noite sem fim

Mote


“Silêncio na noite,
Da solidão eis açoite.”

Voltas

“Sede co vinho sem matar
Repouso sem descansar,
Peito sem aquietar
Que mui m’ esgote.”

(mote/refrão)

“Onde assi cura faz-se
Que se bem demonstrasse,
E na paz s’ encontrasse
Um gentil dote.”

(mote/refrão)



Dias difíceis seriam naquela terra sem Rainha, sob brumas até que mais uma vez a coroa pousasse seguramente à cabeça d’outrem em mui honrada situação: pois se por hora prantearia a monarca que partira, ao mesmo tempo se acompanharia o lamento inseguro da orfandade solitária de governança que fundo fincara, eis que não poderia ser diferente disto, desditosa perda para Portugal ao se apartar pela morte, povo e soberana.


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Aristarco



Ainda sim, uma canção é uma canção, eis que aos poucos em cada nota e em cada rima, desperta-se algo ao coração que enleva mesmo no conto mais triste; convida-se para lugar que vai além do imediato (ainda que tudo isto se encontre dentro de si mesmo, ao íntimo), d’uma ideia vestida de encanto e floreio, ou convite marcial em campo de honra, mui são os efeitos que tão bem se conhecem.

E não tardou Aristarco lembrar-se da Rainha lusitana que se fora mui senhora da Herdade daquela nação, com todos os valores que se atribuíam e significavam: eis Ana Catarina que em seus feitos de galardões já ultrapassara em mui a condição daqueles no estado de pertença da “raça de Ferro”, algo que propalara aos quatro ventos da Hélade, o velho Hesíodo.
Não, não, já lhe havia outra condição: cabia-lhe nada menos do que figurar na “raça dos Heróis”.
O trovador rememorou bem dos versos helênicos, veio-lhe menção ao galope do pensamento:

“E são eles que habitam de coração tranquilo a Ilha dos Bem-Aventurados...”

Suspirou, ou melhor, inspirou profundamente o próprio sopro de Euterpe que veio ao peito sem o atalho dos ouvidos, e a canção nasceu como se a alma Real se encontrasse naquel’ espaço invulgar celeste, a casa da paz:



AL-ZAJÁL

O regresso

Mote


“Em casa me chegarei,
D’outrora tempo que roguei.”

Voltas

“Assi quando lá bastar
Me vai corpo descansar,
Üa alma tão serenar,
Eis bem que terei.”

(mote/refrão)

“Assim ínclito lugar,
Me vai logo albergar
D’ üa benesse invulgar,
Eis que sofrerei.”

(mote/refrão)



No céu ao existir, para lá longe (fora do alcance das cousas mundanas), já estaria acolhida alma Real em estado singular, assim como a de todos mais da raça heróica.
Mas se não existisse tal plaga elevada (mas que hora para a dúvida), que ao menos a memória dos homens não se extinguisse, e que se cantasse pelos quatro ventos da Ibéria (tal qual Hesíodo beócio para a Hélade), a quem havia conquistado o louro (e coroa).

O vento frio fez sua lufada na face do trovador, um tremor; os olhos marejados foram limpos enquanto deixava o lugar, porque os noviços de quaisquer capelas sempre ganhavam ao fim, “sim, vou embora” era o pensamento consequentemente.

Contudo, sem que Aristarco pudesse notar enquanto abandonava o local, defronte ao arco da entrada em que estivera reapareceram alguns poucos finos raios do sol naquela triste perda, luzes da esperança que tão desejara achar.
Pois eis que é assim mesmo na maior parte do tempo, bem ali se encontra onde mui vezes os olhos não vêem; nas cousas da vida ou da morte...


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