Milene
Herdade da Edra
Na margem direita do Rio Douro, fronteiras a Lamego, situa-se uma terra muito antiga, qual encruzilhada de caminhos, por onde fluem gentes e mercadorias e cujas origens antecedem a fundação do Reino de Portugal. A norte da Ribeira de Jugueiros, no cimo de um morro e com vista sobranceira sobre as águas cristalinas do Douro, ergue-se o casario que os Morais de Vaz vieram a habitar na primavera de 1415. O caminho de terra batida que serpenteia o pequeno monte desemboca numa praceta de pedra talhada, flanqueada em ambos os lados por renques de flores e pequenos arbustos, e culminando numa magnânima escadaria ao cimo da qual se encontra uma porta de madeira maçica. As paredes severas, interrompidas por janelas estreitas e rebordeadas a madeira de carvalho, encontram-se revestidas por um verde manto de raízes firmemente agarradas às pedras graníticas. A encimar a porta, no primeiro andar, um varandim de ferro e uma proeminente janela ladeada por um conjunto ajuzelar hispânico de motivo floral, azul e branco. Do varandim é possível avistar a vinha e o olival, a horta e os currais bem como o pequeno porto fluvial junto à Ribeira de Jugueiros, ancoradouro de embarcações dos mais diversos feitios e com os mais diversos propósitos, porta de saída para um outro mundo.
No interior, a porta de entrada era guardada por dois leões de pedra, esculpidos a partir do granito com o qual as grossas paredes haviam sido erguidas. As suas orbes pequenas e atentas pareciam encarar todos aqueles que por ali ousavam passar, quais honrados guardiões que não descuravam vigília. A porta à direita dava acesso ao amplo salão de visitas que ocupava grande porção do piso térreo e era dominado por uma enorme lareira, encimada por uma cabeça de javali, e em torno da qual se reuniam cadeirões e sofás dos mais variados tamanhos em tons opulentos e quentes. Uma mesa de jogos encontrava-se disposta à luz de uma das poucas janelas da divisão, ao seu lado uma cómoda de madeira ricamente trabalhada onde eram guardados os tabuleiros e demais acessórios. A parede do fundo da sala era coberta de lés-a-lés por estantes de livros, numa parafernália de lombadas coloridas. As demais paredes eram decoradas por tapeçarias que abordavam temáticas do quotidiano e conferiam um ar aconchegante à sala. Na ala esquerda da moradia encontrava-se a sala de jantar e uma saleta onde as mulheres se dedicavam a actividades como a costura e a música. A cozinha estava localizada nas traseiras e dava acesso a uma pequena horta e à sala de jantar. Esta divisão era dominada por uma enorme lareira e a sua respectiva chaminé, debaixo da qual se cozinhavam as mais diversas iguarias em tachos escuros, lambidos vezes sem conta pelas chamas. No tecto, em torno da chaminé, estavam penduradas ervas secas, carne defumada e diversos utensílios, desde colheres de madeira a púcaros. Uma ampla mesa de pedra servia de apoio aos serviçais que em torno desta se reuniam para preparar as refeições da família. No piso superior estavam localizados os cinco quartos de dormir, assim como uma sala de banhos e o escritório de onde se tinha acesso ao varandim e uma vista soberba sobre a herdade e o Rio Douro.
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