Crispim, roleplayed by Palladio
Momentos antes do início da cerimónia
É outono...
As folhas caem...
Desfazem-se no solo...
O fim de vida...
É um dia de muito frio, barulhento e de enorme confusão. Um dia normal.
A Catedral era o remate do topo da grande e barulhenta Praça. Hoje, o mercado estava particularmente cheio de pessoas que, famintas, procuravam as melhores hipóteses de compra de mantimentos para um Inverno que avizinhava e que prometia ser rigoroso. A falta de esperança por dias melhores, levava a que as pessoas comprassem freneticamente mal recebessem um tostão. As pessoas atacavam, puxavam, gritavam. Era perturbante, entre o choro das crianças, ouvia-se alguns risos de comerciantes estrangeiros.
Portanto, um dia normalíssimo, um tanto esquizofrénico, mas normal...
Enquanto os pajens ultimavam os preparativos, o Cardeal encontrava-se na abside mais a poente a observar a paisagem algo pensativo. Lembrava-se, quando pequeno, de brincar por entre o esplendor dos campos de trigo dos seus pais. Era um dourado suave. Lembra-se de correr de braços abertos sentindo por entre os campos. Os tempos tinham mudado a uma velocidade estonteante. A paisagem havia sido acelerado pela mão do Homem. Já não havia o pôr-de-sol por entre os campos.
- Pronto. Está cosido. As mangas ficaram impecáveis!
- Ótimo! A família deve estar mesmo a chegar. Só vou rezar um credo.
Passada hora e meia, depois de ter mastigado o que havia de mastigar, bebido o que restava da ração do dia, ou seja, um bom vinho do Porto e, obviamente, rezado um credo, Palladio estava pronto! Ainda estávamos a espera dele, mas sem pressas! Que orgulho que tenho do nosso querido Cardeal! O coitado ficou todo empolgado quando o Bispo da Diocese o escolheu para ajudar o Cardeal. Tal mudança, penso-a como uma espécie de promoção - como os homens da guerra que retornam sempre como heróis, ninguém os viu a combater, podem dizer que mataram vinte mouros quando na verdade coziam batatas e ninguém sabe, mas no final, sempre retornam como heróis -. afinal, sempre é melhor isto de ajudar a preparar cerimónias do que escovar cada uma das pedras da Catedral. Ao fim de vinte anos, já tinha um nome para cada uma.
- Crispim, não te esqueceste da coroa de flores e da vela, pois não?
- Claro que não, não andamos aqui a brincar.
Não era totalmente verdade. Tinha-se esquecido completamente das flores e já nem se lembrava quantas eram e das quais. Crispim não era muito bom em contas. Iria colocar as que lhe agrada mais, fazia sempre assim, e verdade seja dita, até tinha jeitinho para a coisa!
Assim que o movimento de abertura das portas se inicia, os sinos tocam e uma sinfonia coral começa a ser cantada por solistas e por um coro no seu primeiro movimento.
À entrada encontra-se um cesto de vime com um único objecto, um medalhão de Aristóteles e um outro cesto vazio, onde os presentes que nutriam maior grau de afeto colocavam, para depois ser distribuído aos pobres, um fruto ou um pão. Às vezes, alguns deixam também moedas.
Até agora, não se ouviu nenhuma. Nobres pouco generosos, um dia muito comum, embora fizesse um pouco mais frio que nos restantes dias do ano.
Não havia muito que reclamar. Afinal, ainda estava tudo no início. Alguns tossiam, outros espirravam, outros fumegavam pelo nariz. Enfim, bolsos vazios mas carregadinhos de peste. É castigo do Altíssimo! Só pode. Alguns até lacrimejavam dos olhos, deve ser ressaca da noite anterior! Vão à noite para a Tasca da Tereza e andam por aí no dia seguinte todos tortos. - pensou Crispim...
É outono...
Os frutos caem...
As sementes vão penetrando cuidadosamente no solo...
Prepara-se o início de uma nova vida...