Manul
Mais um dia. Mais gritaria no velho mercado. Ah!, como é bom ouvir a população.
- Oh José! Anda cá meu magano! Se eu te apanho rufia, vais ver o que é almoçar por uma palhinha! - ouvia-se, de vez em quando, entre corredores daquele mercado agitado, ameaças e gritarias.
Já não havia um dia em que o José não fosse perseguido ou ameaçado. Nas tascas, era proibida a sua entrada, sob ameaça da vassoura, que considero bem mais perigosa que restantes armas, nas mãos de um taverneiro irritado. Por isso, lá ia andando pelo mercado, sempre com os seus truques na manga, roubando um pão ali, uma maçã acolá. Os padeiros até já nem se importavam quando viam as suas técnicas manhosas. E não havia lugar que não conhecesse entre aquele mercado. Enfim, dar com ele, quando se decidia esconder, era como encontrar uma agulha num palheiro, e ainda por cima, acabavamos por nos picarmos, por assim dizer.
Rapaz magrito, alto. Cara magra, olhos azuis, barba por fazer, cabelo castanho ondulado. Roupas velhas, rasgadas e muito usadas. Deambulava pela cidade, ora encontrava-se na igreja, a pedir esmola, ora dava uma volta ao mercado, acabando por sair sempre com pão na mão. Ah!, os que eles dariam para te apanharem, José!
As moças da vila impressionavam-se cada vez mais com ele. Então quando se decidia aparecer por baixo das varandas delas, cantando e encantando com sonetos e trovas de amor, as moças deliravam. Por altura da Primavera, vê-lo com flores pomposas e caras não era estranho. Saltava para as árvores estrategicamente colocadas por baixo das varandas das casas de gente importante (quem diria, plantadas pelo pai e avô, que em nada diferiam dele), de maneira a impressionar as jovens, deixando flores nos seus quartos. Ah!, o que os pais dessas moças comprometidas dariam para te apanharem, José!
Dormia numa cabana, construída por ele mesmo (numa combinação das suas técnicas aperfeiçoados com o pai e avô, carpinteiro e ferreiro, respectivamente). No entanto, aos poucos aquela cabana ia perdendo o seu tecto, e a chuva e o frio do Inverno não o deixavam dormir em paz. Ah!, o que as jardineiros davam para te apanhar, quando lhes estragavas os jardins do pomar, por causa dessa tua pequena caserna.
O que eles todos eles dariam para te apanhar. E pensar que um dia te apanharam mesmo! Oh rapaz, talvez se tivesses corrido mais um bocadinho, um bocadinho de nada... Talvez te tivesses escondido noutro lugar, sem ser o já conhecido barracão do pomar... Ah! Pouca sorte! Apanharam-te, para agrado de todos aqueles a quem destes dores de cabeça.
Um dia, após muito tempo na prisão, demais até, foi decretado que o jovem de 19 anos seria punido por todos os roubos e por todas as cortesias às belas damas. Foi então que decidiram, em plena praça, cortar a sua mão direita, um castigo cruel, horroroso mesmo. Mas nada de que aquele rapaz desenrascado não se safasse. E por fim safou-se mesmo. Aquando da sua punição, quando o iam buscar aos calabouços, deram com a porta aberta, o guarda inconsciente e as chaves no chão.
Mais ninguém ouviu falar no José. Dizem que se escondeu na floresta a norte, a floresta do gnomo, e sobreviveu, recorrendo às suas capacidades; outros dizem que mudou de país, vá-se lá pensar! Mas mais ninguém ouviu falar do José...
RP aberto a toda a comunidade. Participem e divirtam-se.